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Mapa 10 – Síntese dos conflitos socioambientais da RDS do Rio Iratapuru

3.2 DINÂMICA SOCIAL

3.2.3 A Dinâmica da infraestrutura de transporte e comunicação na Resex do Cajari

Para acessar a RESEX usam-se dois meios: via terrestre, através da BR-156 (trecho Macapá-Jari), a partir da capital do Estado, Macapá, em um percurso de 163 km, até a entrada da Reserva, ao norte; o acesso fluvial é realizado a partir de Macapá e/ou Santana, subindo o Rio Amazonas por, aproximadamente, 100 km, até a foz do rio Cajari.

Até 1990, quando foi feita a abertura da BR-156, todo o acesso a essa região era fluvial. Para chegar a Água Branca do Cajari, subia-se o rio Cajari até a confluência com a Boca do Braço do Cajari. A partir daí tinha-se duas opções: subia-se o igarapé Boca do Braço em pequenas embarcações até Água Branca do Cajari ou percorria-se aproximadamente 24 km em precária estrada usada pelos compradores de castanha.

Essa realidade deixava as famílias agroextrativistas totalmente dependentes dos patrões e de alguns poucos intermediários que se aventuravam pela região. Toda a produção era entregue aos controladores da região, que ditavam o preço dos produtos que recebiam e forneciam. Predominava o sistema de aviamento em condições sempre desfavoráveis aos moradores, que pouco recebiam em valores monetários, mas em produtos.

O deslocamento entre as localidades existentes no alto Cajari era feito a pé, de burro ou em caminhões dos compradores de castanha que existiam na região. No médio-baixo Cajari e no setor Amazonas-Ajuruxi, o deslocamento era exclusivamente fluvial e dependia dos barcos dos regatões (‘‘marreteiros’’), que forneciam gêneros de primeira necessidade em troca da produção agroextrativista.

O tráfego era por estradas de serviço feitas manualmente e as condições eram precaríssimas, nas poucas vias existentes além dos 24 km entre Boca do Braço e Água Branca: 52 km, ligando Água Branca do Cajari à Cachoeira de Santo Antonio e 74 km ligando Cachoeira de Santo Antonio à Vila de Laranjal do Jarí (FILOCREÃO, 2007). Outras vicinais menores, com até 3 km, acessam as comunidades de Marinho, Santa Clara, Boa Esperança e Açaizal, que eram e continuam usados para transporte da castanha para o rio Jarí.

Na maioria dos casos, o transporte da produção extrativista da castanha era e continua a ser feita pelos próprios compradores. Este transporte é realizado através de caminhões que levam a castanha ensacada até Laranjal do Jarí, de onde são transportados, em barcos, para a cidade de Belém.

Com a abertura da estrada rompeu-se o isolamento das famílias agroextrativistas do alto Cajari, que passaram a ter novas alternativas de acesso a Macapá e Laranjal do Jari, através de transportes rodoviários. O mesmo vai ocorrer com os moradores do médio Cajari, que ainda vão ser beneficiados pela abertura de vicinais, pela empresa Jari, até a localidade de Aterro do Muriacá, que proporcionou uma opção de acesso à Vitória do Jari.

Aos moradores do baixo Cajari e do setor Amazonas-Ajuruxi, o acesso continua a ser, exclusivamente, fluvial, com exceção das famílias residentes no lago do Ajuruxi, cujas comunidades passaram a ter acesso rodoviário pela BR-156, através de ramal de 34 km, finalizado em 2007.

As primeiras oportunidades de transporte de passageiros e escoamento da produção para Macapá e Santana, pelos moradores do Cajari, vão ter inicio antes da construção

das estradas. O Governo do Estado, através da Secretaria de Estado da Agricultura, chegou a custear barcos para levar produtos e pessoas para a Feira do Produtor em Macapá, em viagens que chegavam a durar até oito dias e com abrangência muito restrita.

Em 1993, os agroextrativistas enfrentavam grandes dificuldades para escoar suas produções até os principais mercados compradores (Laranjal do Jarí, Santana e Macapá), como mostram os registros do levantamento sócioeconômico (FILOCREÃO, 1993). Das 622 familias pesquisadas, 28%, dependiam de transporte do Governo; 18%, do vizinho; 18%, de outros, enquanto 13% tinham transporte próprio e, apenas, 6% acessavam meios de transporte de propriedade da comunidade.

Em relação às dificuldades sobre as condições de transporte, 77% dos entrevistados responderam que os meios de transporte na Reserva "não eram suficientes" e/ou não existiam. Outras dificuldades, também, foram destacadas: “as estradas ruins”, por 7% das famílias; 4% citaram a irregularidade nos meios de transporte; 2% achavam os "preços muito caros" e 5%, achavam que ‘‘outras causas’’ eram os problemas que contribuíam para a precariedade do transporte na UC.

Com a abertura da estrada para Laranjal do Jarí, a Prefeitura passou a custear linhas semanais em caminhão, para atender aos agroextrativistas do alto e parte do médio Cajari, no escoamento da produção até a sede municipal. Atualmente, esse procedimento atende as comunidades a cada 15 dias, mas não raro as comunidades ficam sem transporte e têm que vender seus produtos aos regatões.

Para o atendimento aos moradores do baixo e médio rio Cajari, a empresa CADAM (Caulim da Amazônia, do projeto Jari) disponibilizou, temporariamente, dois barcos ("batelões") para viabilizar o escoamento da produção até Aterro do Muriacá. A partir daí o transporte é feito por via terrestre em caminhão e ônibus, também, custeados pela empresa, até a vila do Munguba, no Pará, onde se realiza a feira do produtor (PICANÇO, 2005). Hoje esse processo é garantido pela empresa e Prefeitura de Vitória do Jari.

Em síntese, atualmente as condições de transporte de passageiros e cargas menores contam com várias opções. São 4 linhas diárias de ônibus, ida e volta de Macapá a Laranjal do Jarí, com ponto de parada em Água Branca do Cajari, além do chamado transporte alternativo, constituído por camionetes e automóveis particulares.

Rural (SDR) e Prefeitura de Laranjal do Jari, através de caminhões a cada 15 dias, que levam os produtos das comunidades, respectivamente, para a Feira do Produtor em Macapá e a Feira do Agroextrativista em Laranjal do Jari.

A população do baixo-médio Cajari, também é atendida por um barco custeado pelo governo do estado através da SDR, para fazer o escoamento da produção no trecho da Boca do Braço do Cajari ao porto de Santana, onde se realiza a Feira do Produtor. As comunidades do setor Amazonas-Ajuruxi contam com o apoio governamental através de barcos para o transporte de produção até o porto de Santana, a cada 15 dias.

Na percepção dos moradores das comunidades locais, as mudanças que ocorreram na infraestrutura de transporte de passageiros e carga, favoreceram a melhoria desse serviço. Como pode ser verificada no gráfico 2, a avaliação da população foi muito favorável, quando se procurou averiguar se a condição de acesso e escoamento da produção melhorou depois da criação da RESEX.

Gráfico 2 – Demonstrativo da percepção da população

quanto à condição de transporte (%). Fonte: Pesquisa de campo (2007-2008).

Como demonstra o gráfico, na percepção de 86,63% das famílias pesquisadas, a condição de acesso e transporte para escoamento da produção melhorou depois da criação da RESEX; para 5,81%, o transporte atual é pior que antes da UC e para 7,56% dos moradores, a situação de acesso/transporte de pessoas e cargas, permanece igual ao período anterior à RESEX.

A abertura da BR-156, ligando Macapá à Laranjal do Jarí, ao atravessar a Resex Cajari, quebra com o isolamento da região e possibilita uma maior liberdade às familias agroextrativistas. Ao possibilitar a oferta de novas alternativas de transporte, proporcionou acesso a outras fontes de informações e comunicação, bem como às novidades da vida urbana, também, fomentando novas necessidades.

Até o início dos anos 90 (do século passado), as informações que prevaleciam na região eram veiculadas e orientadas pelos interesses dos patrões, regatões e do Projeto Jarí. A

comunicação interna entre as famílias, e com o mundo exterior ocorria através de recados e pelo rádio. A pesquisa socioeconômica em 1993 registra como eram as principais formas de troca de informações entre as pessoas:

[...] Assim, os recados -- forma de comunicação baseada na linguagem oral -- e as mensagens radiofônicas são as principais formas de troca de informação possíveis entre as pessoas da Reserva e entre elas e outras localidades fora da RESEX. Esta constatação permite inferir que a escrita não faz parte do cotidiano da maioria das pessoas, embora muitas delas leiam e escrevam. Essa realidade perpetua-se por falta de serviços de correios: não escrevem porque não há agências de correios e por não havê-las não desenvolvem a capacidade e o hábito de escrever (FILOCREÃO, 1993, p. 45).

Fora as ‘verdades’ veiculadas pelos controladores da região, todas as informações da vida exterior chegavam pelo rádio e dos moradores em viagens. Através do rádio chegavam programas com notícias diversas e dos parentes e amigos da cidade, através de mensagens radiofônicas.

A pesquisa registra que para o envio e recebimento de informações de parentes e amigos de fora da reserva, 77% dos entrevistados utilizavam membros da comunidade em viagens; 15% os regatões; 14% os patrões; 23% utilizavam dirigentes da associação e 47%, os programas radiofônicos. Desses programas, 77% das famílias ouviam a Rádio Difusora de Macapá e a Rádio Cultura do Pará, enquanto 56% diziam, também, serem ouvintes da Rádio Nacional de Brasília.

Para atender aos seus interesses de organização e mobilização social, a CNS-AP e a ASTEX-CA passaram a buscar apoio para viabilizar um sistema de comunicação interno. A partir de escritório base em Macapá, passam a utilizar radiofonia, como a alternativa mais viável de comunicação entre Macapá e a Unidade, implantando rádios transmissores nas principais comunidades, como registrado em 2005:

[...] a vida nos vilarejos também facilitou a comunicação interna, a partir da instalação de um sistema de radiofonia que integra diversas comunidades. Ao todo, são 22 rádios transmissores instalados na reserva e mais um na capital do Estado, onde funciona uma base comum. Assim, é possível passar e receber informação diariamente como avisos de reuniões, de doenças, de invasões e comunicações pessoais, entre outros, embora se observe a falta de manutenção adequada de boa parte dos equipamentos (PICANÇO, 2005, p. 90-91).

A falta da adequada manutenção registrada acabou por deteriorar quase, totalmente, os equipamentos de radiofonia. Dos 22 rádios transmissores encontrados em 2005, hoje restam 8 e em condições precárias de funcionamento (em Água Branca, Santa Clara, D. Maria, Santo Antônio, Ariramba, Santa Ana, Santa Helena e Santa Rita, comprometendo a articulação, mobilização e comunicação entre os moradores.

Em contrapartida, a partir de 2006, o telefone público passa a ser uma alternativa de comunicação para 4 comunidades da Unidade: Água Branca no alto Cajari (3); Paraíso (1) e em Conceição do Muriacá (1), no baixo e médio rio Cajari; e, Vila Betel (1) e Santo Antônio (1), no setor Amazonas-Ajuruxi.

Moradores de comunidades próximas às que possuem esses telefones, são obrigados a deslocarem-se até as mesmas, para dispor desse serviço. A telefonia celular pode ser acessada desde que se ‘ache o ponto’ em algumas poucas comunidades, como Conceição do Muriacá (no médio Cajari), Maranata, Santo Antônio (no Amazonas-Ajuruxi) e Sororoca (no alto Cajari).

Contraditoriamente, em 2005, foi implantada uma torre às margens da rodovia, no alto cajari, para retransmitir sinal para a região do Jari, mas não liberou o serviço para os moradores da Unidade. Nesse ponto pode-se fazer uso de celular desde que a cobrar. A principal demanda das comunidades em relação à comunicação, é que a empresa concessionária compense os moradores pelo uso da Unidade, através da disponibilização do acesso à telefonia celular.

Ainda hoje, o rádio continua a desempenhar importante papel no recebimento de notícias, seja através de mensagens, seja proporcionando acesso a informações culturais e de lazer. Por outro lado, compartilha essa função com a televisão, favorecida pelo fornecimento de energia elétrica nas principais comunidades, como registrado em 2005.

A vida nos vilarejos passou a influenciar os hábitos de consumo e o linguajar, principalmente, dos mais jovens, em virtude das influências sofridas pelo onipresente conjunto antena parabólica e televisão, fazendo com que todos parem para assistir às novelas, durantes as poucas horas de fornecimento de energia, normalmente das 18 h às 22:30 h, motivado pelas aulas noturnas e subsidiadas pelas prefeituras (PICANÇO, 2005, p. 89-90 ).

moradores a oportunidade de acessarem as programações dos principais canais televisivos abertos. Isso acaba por fomentar a introdução de novas necessidades e estimular a aquisição de bens, até então, inacessíveis.

O fornecimento de energia é feito através de conjunto motor-gerador, normalmente, garantido pelas prefeituras para o funcionamento das escolas, viabilizando iluminação e conservação de alimentos da merenda escolar. Com base nisso, estima-se que pelo menos 33 comunidades contam com a oferta de energia elétrica produzidas por geradores termelétricos. Quando não há esse serviço, a iluminação é feita à base de lampiões a gás, lamparinas e velas, como nas fases anteriores à instalação dos geradores.

As mudanças ocorridas nos meios de comunicação e, principalmente, a ampliação das alternativas de movimentação da população entre as comunidades e as cidades, incidiram, diretamente, sobre o acesso aos atendimentos de saúde por parte dos moradores.