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Mapa 10 – Síntese dos conflitos socioambientais da RDS do Rio Iratapuru

1.2 PARA ALÉM DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

1.2.1 As contradições do Desenvolvimento sustentável: sustentabilidade como utopia

A sustentabilidade pressupõe uma postura ética e de responsabilidade de todos, para que os bens naturais possam ser adequadamente usados atualmente, de modo a garantir seu uso futuro. Esses pressupostos orientaram a formulação do novo paradigma expresso na publicação do Relatório Brundtland12, em 1987, que incorporou as concepções do ecodesenvolvimento no paradigma do desenvolvimento sustentável (DS).

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O Relatório Brundtland ou “Nosso Futuro Comum”, publicado em 1987, foi elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMAD (criada pela ONU em 1983), sob a coordenação da Primeira- Ministra norueguesa, Gro Harlem Brundtland, oficializando o termo desenvolvimento sustentável sugerido nos anos de 1950 pela IUCN (BRUNDTLAND, 1987).

Mais amplo e flexível, de modo a acomodar diferentes interesses, o DS foi definido como “aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1987). Esse “conceito político”, como o caracterizou Gro Brundtland durante a Assembléia Geral da ONU em 1987 (VEIGA, 2005), desde então vem se consolidando como o maior desafio para a humanidade, uma vez que os mais diferentes atores passaram a usar desse conceito de maneira a atender aos seus interesses.

A legitimação política e técnica do paradigma do desenvolvimento sustentável, expresso no Relatório Nosso Futuro Comum, teve início durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. A Eco- 92, como ficou conhecida, reuniu 178 chefes de Estado para debaterem temas voltados à conservação ambiental e à qualidade de vida no planeta.

O Relatório Brundtland destacou diferentes problemas responsáveis pela crise global, entre os quais são destacados: a erosão dos solos provocada pela atividade agropecuária, o crescimento demográfico, a perda da cobertura florestal nativa, a destruição da biodiversidade e as alterações climáticas globais. Essas seriam as questões que deveriam ser tomadas como referência para planejamento das ações futuras, no contexto da gestão ambiental territorial.

A abordagem pautada na harmonização dos objetivos sociais, ambientais e econômicos, como um pressuposto da sustentabilidade, não se alterou ao longo dos vinte anos que separaram as Conferências de Estocolmo e a do Rio de Janeiro. Constitui-se, portanto, em condição básica para pensar o desenvolvimento na contemporaneidade.

Nessa perspectiva, é vital uma expansão do horizonte de tempo na direção da ecologização do pensamento, proposta por Edgar Morin13(apud SACHS, 2000), na medida em que se impõe uma solidariedade sintonizada com as gerações atuais e uma solidariedade que considere as necessidades das próximas gerações. Nesse sentido, Veiga (2005) afirma que a sustentabilidade

[...] compete a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço ... impele ainda a buscar soluções triplamente vencedoras (isto é, em termos sociais, econômicos e ecológicos), eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo

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O filósofo francês Edgar Morin defende a necessidade de ecologizar o pensamento, diante do fato de que a nossa cultura e a nossa civilização baseiam-se em valores e visões de mundo dissociadas das leis da natureza (uma visão antropocêntrica), o que resulta na crescente degradação ambiental, acumulação de resíduos, perda de sustentabilidade e extinção das espécies.

de elevadas externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais (VEIGA, 2005, p.171-172).

A noção de sustentabilidade como a idéia-força geradora de um novo paradigma ganha relevância, em grande medida, associada à preponderância da economia de mercado e das políticas neoliberais. Isso é determinante no fato desse conceito passar a ser usado como sufixo para distintas coisas desejáveis, resultando no surgimento de inúmeras apropriações e usos da noção de desenvolvimento sustentável.

De um lado, é notável o conhecimento teórico e as experiências práticas produzidas em torno da noção de sustentabilidade e, por outro, a realidade tem demonstrado quão difícil é consolidar o desenvolvimento sustentável no sistema capitalista, sugerindo ser questionável a viabilidade do novo paradigma a nível global.

Michael Redclift (2003) destaca como a sustentabilidade tem sido apropriada por diferentes discursos que se enfrentam na arena dos interesses internacionais. Os discursos sobre sustentabilidade mudaram de sentido, movendo-se para longe do campo das necessidades humanas, para o campo dos direitos – humanos e não-humanos –, que possibilitam apropriações diferentes e opostas, legitimando os mais variados interesses.

Envoltos nos discursos ideológicos de defesa de direitos universais e, portanto, globalizados, legitima a criação de regimes ambientais internacionais para viabilizar os princípios do desenvolvimento sustentável. Busca-se legitimar tais regimes com discurso da “parceria”, no sentido de partilhar a gestão ambiental em favor do “interesse global”.

Um exemplo notório desse processo são as áreas protegidas, na medida em que se estabelecem sistemas nacionais para orientar sua gestão, e se buscam mecanismos para que venham a fazer parte de um sistema internacional de áreas protegidas. Na prática, esses sistemas sofrem ingerência e as orientações emanadas de instâncias supranacionais e/ou das grandes ong´s ambientalistas internacionais, sob o discurso da parceria e em nome do interesse de uma sociedade planetária.

Instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) e Banco Mundial, responsáveis pela mediação dos conflitos do crescimento econômico ilimitado e pela viabilização das políticas ambientais, só têm poder de pressão sobre os países do sul, não sobre os do Norte. Em grande medida, funcionam em atendimento dos interesses desses últimos.

O que fica evidente, é que a ilusão da negociação e a legitimação do expediente da aceitação, que pode ter ou não a concordância – como demonstra, por exemplo, o caso dos EUA em relação à Carta da Rio/92 e ao Protocolo de Kyoto – asseguram que a distribuição de poder existente no sistema global não seja nem confrontada nem desafiada. Assim, a sustentabilidade tem freqüentemente disfarçado em novas vestimentas, os conflitos de velhas agendas do passado. Esses “novos” discursos da sustentabilidade têm se revestido de uma nova linguagem – a deliberação, a cidadania, mesmo os direitos das espécies – mas escondem, ou marginalizam as desigualdades e as distinções culturais que têm determinado a agenda internacional. Com base nisso, não se discute que é o consumismo da sociedade urbano industrial, o responsável último dos problemas socioambientais.

As questões ambientais se transformaram num objeto de políticas, sendo elaboradas por diferentes atores políticos, sobretudo legitimando as regras do mercado e as noções da modernidade ocidental. Nesse sentido, o principal objetivo do DS é viabilizar um processo de crescimento econômico que não cause a destruição ambiental e, ao invés de representar a quebra de um paradigma teórico, é subsumido sob o paradigma economicista dominante.

Para Banerjee (2003), muito embora se apresente como uma “descontinuidade estratégica”, que transformaria os “atuais fundamentos econômicos”, o discurso corporativo sobre desenvolvimento sustentável promove a atividade empresarial na mesma linha. Apesar da chamada “produção verde”, não se observa mudança radical de visão de mundo. Simplesmente adicionam-se conceitos como os de prevenção da poluição, reciclabilidade, gerência de produtos e gerenciamento ambiental ao sistema produtivo.

É nesse sentido, que os processos de “esverdeamento” produtivos também podem contribuir para colonizar áreas da vida social do terceiro mundo, que ainda não foram totalmente dominadas pela lógica do mercado ou do consumo. Esse é o risco que correm as florestas, as reservas de flora e fauna, as águas e lugares sagrados (ESCOBAR, 1995; VISVANATHAN, 1991, apud BANERJEE, 2003). Muitos dos espaços são transformados em áreas protegidas, numa reinvenção da natureza como mercadoria a ser vendida e consumida na forma de turismo ecológico e/ou cultural.

Com base nessa abordagem, a proteção da natureza nos países do terceiro mundo, em muitos casos tem servido para manter a exploração das comunidades locais em nome da

proteção e da conservação ambiental. Muitos são os exemplos que comprometem a sobrevivência de milhares de pessoas que precisam da terra para sobreviver, pois diminui o acesso das populações aos recursos naturais, muito embora não se pode negar os benefícios possibilitados por esse processo.

Entre os mecanismos de viabilização do desenvolvimento sustentável, oRelatório Brundtland (1987) destaca que é necessário “conservar e fortalecer a base de recursos, pois para haver sustentabilidade é indispensável que sejam conservados os recursos ambientais e que seja mantida a diversidade genética”.

Em grande medida, essa orientação tem sua origem nos países industrializados e refletem preocupações ambientais referentes aos espaços rurais, no sentido de uma valorização estética que propicie potenciais oportunidades de negócios. Isso contrasta com os interesses das populações locais, que vêem as áreas protegidas como um meio de sobrevivência, o que significa manter o controle sobre os recursos naturais que garantem sua reprodução social.

Mesmo reconhecendo que há necessidade de uma rede de áreas protegidas, isso não quer dizer que esses espaços devam se concretizar como santuários invioláveis. Há uma crise de biodiversidade, que não se resume ao desaparecimento de espécies que servem de matéria- prima para a indústria, mas, sobretudo, é uma ameaça aos sistemas de sustentação da vida e aos meios de subsistência de numerosas populações nos países pobres (SHIVA, 2001). Isso pressupõe questionar a quem pertence a diversidade biológica.

Na atualidade, parece consolidar-se o entendimento que a conservação da biodiversidade, deve estar em harmonia com as necessidades dos povos que garantiram sua manutenção até a contemporaneidade. É com esse sentido que Vandana Shiva (2001, p.92) defende a biodiversidade como um recurso de propriedade comunitária.

Para essa autora, os sistemas sociais que orientam o uso da biodiversidade pelas populações locais, envolvem a combinação de direitos e responsabilidades entre usuários e um pacto de utilização e conservação, num processo de co-produção com a natureza. Essa visão se mostra incompatível com o jogo de interesses das forças capitalistas que comandam o mercado.

O surgimento de novas biotecnologias mudou o sentido e o valor da biodiversidade, criando outra configuração de apropriação dos recursos naturais. Para Shiva (2001), a emergência do sistema de propriedade intelectual representado pelo patenteamento e o

aumento do potencial dos produtos biotecnológicos, criam novos conflitos entre a propriedade privada e a propriedade comunitária, entre uso local e uso global.

Esse quadro evidencia os desafios que se impõem à criação e consolidação de áreas protegidas enquanto uma ferramenta eficaz para a sustentabilidade da diversidade biológica, garantindo o direito das comunidades que as usam e mantém.