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Elisângela Santos foi eleita em outubro de 2007. Em comunicação pessoal a José Reinaldo Picanço, em 18.09.2008, na comunidade de Maranata.

Esse contexto caracteriza o mapa da territorialidade de cada instituição, distinguindo “o que é meu do teu” (RAFFESTIN, 1993), através da determinação do espaço de intervenção das entidades representativas. Com isso, cada grupo de liderança estabelece limites à interferência dos outros agentes, influenciando na conformação da identidade (BECKER, 1998, p. 19) do território por ele controlado.

Nesse sentido, foi estabelecido outro campo de correlação de forças no interior da Reserva. Foram ampliados os agentes decisórios a partir da diminuição da área de influência de uma única instituição. Criou, inclusive, um ambiente de disputa por liderança, dentro dos próprios setores que contam com mais de uma entidade atuando.

Há diversas dificuldades e problemas na condução das atividades das organizações comunitárias, com relativo afastamento do conjunto dos moradores. Por outro lado, a população demonstra desejos de mudança, como no recente processo de troca de direção da ASTEX-CA, cujo presidente comandava por três gestões consecutivas.

Segundo Ozanei Ribeiro Pinto55, recém eleito presidente da ASTEX-CA, depois de gerir por vários anos os Projetos RESEX/PPG7 I e II e do apoio recebido para aquisição de muitos bens, recebeu a associação sem nada. Para ele, hoje se vive o pior momento da organização da RESEX em relação ao desenvolvimento social (associativo-cooperativo) e econômico, sendo necessário encontrar alternativas e apoio para isso.

O depoimento de Adamor Braga da Silva56 corrobora com essa interpretação. Para ele, as associações e cooperativas já tiveram bom desempenho: projetos sociais e econômicos (fábricas de castanha e palmito), transporte (caminhão, tratores e outros veículos), que estão em decadência. Ressalta ainda, a falta de compreensão sobre a história de luta por parte dos jovens, que se reflete em pouco engajamento, o que compromete a continuidade do processo.

As marcas da violência e a extrema exploração ainda se refletem fortemente nas ações da população local, notadamente submissa e dependente das decisões das lideranças e técnicos governamentais. Nesse espaço há sempre uma interdependência, relações de parentesco e/ou de compadrio que orientam a maneira de agir. A lógica da troca de favores, em

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Ozanei Pinto foi eleito em 07 de fevereiro de 2009. Em comunicação pessoal a José Reinaldo Picanço, em 29.04.2009.

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que um precisa ou poderá vir a precisar do outro, reflete a esperança de que, de algum modo, a omissão possa lhes trazer algum benefício ou, pelo menos, não lhes traga dificuldades futuras.

Apesar dessas dificuldades, não restam dúvidas que o modelo de gestão baseado na representação comunitária, significa um grande avanço em face aos períodos anteriores à criação da reserva. Deve-se levar em conta, que a antiga realidade ainda reflete-se fortemente nas ações desse grupo social. Pode-se dizer, que a submissão e a dependência por parte da população, em relação às decisões de lideranças e técnicos, sintomaticamente, é reflexo dos antigos modos de controle.

No conjunto, essa realidade vem mudando, sobretudo pelo maior acesso aos serviços sociais básicos de educação, saúde, moradia, transporte, comunicação, etc. É o que abordaremos nas próximas seções desse capítulo.

3.2.2 Dinâmica populacional e habitação no Cajari.

Nos levantamentos realizados em 1988 e que serviram de base para a criação da RESEX do rio Cajari, foram contabilizadas em torno de 570 famílias morando na região. Em 1993, durante o cadastramento e pesquisa socioeconômica dos moradores da UC, detectou-se 647 famílias, sendo 622 cadastradas com uma população de 3.479 habitantes. Desse total, 359 famílias ou 57,8%, habitavam no município de Laranjal do Jarí, com uma população de 1947 pessoas. As outras 262 famílias (42,2%), com uma população de 1532 pessoas, encontravam- se morando no município de Mazagão (FILOCREÃO, 1993).

Atualmente não há consenso sobre o tamanho da população da UC. O relatório de avaliação do Projeto RESEX (IBAMA, 2006) estima 1600 famílias. Filocreão (2007) projeta um número máximo de 1.123 famílias residindo na RESEX, o que equivaleria a uma população de 6.310 habitantes. Para o INCRA, que trabalha com uma capacidade de suporte de 1500 assentados, há 1.473 moradores cadastrados (siprados) na Relação de Beneficiários (RB) de 2008-2009.

A RB é usada para fins de acesso à política de crédito da reforma agrária executada pelo INCRA. Esse cadastro tem sido usado como referência para estimar o tamanho

da população local, o que tem levado a equívocos quando se considera cada beneficiário como uma família. É preciso levar em conta que numa mesma família pode haver vários beneficiários, desde que tenham maioridade, como comprovam vários casos.

Considerando que não há registro de nenhum grande fenômeno migratório que justifique essas projeções, entende-se que se trata de números superestimados. Reforça esse entendimento, o fato das representações comunitárias e o IBAMA-ICMBio manterem um relativo controle da entrada de novos moradores na área, que precisam de suas autorizações para se fixar no território da UC.

Tomando como base a Contagem da População (IBGE, 2007), a partir dos setores censitários57 que recobrem a RESEX, chegou-se a uma população residente de 3050 moradores, num total de 552 domicílios. No município de Mazagão encontra-se o maior percentual dos habitantes da UC, com 42,02% (1.315), em Laranjal do Jari são 40,58% (1.146) e Vitória do Jari tem 17,40% (589).

Considerando que cada domicílio seja ocupado por uma família, como se pode deduzir da referida pesquisa, tem-se 552 famílias residindo na RESEX. Com base nisso, o tamanho médio de cada família é 5,52 pessoas, com destaque para o município de Vitória do Jari, que apresenta a média superior de 6,13 pessoas por família.

Comparando os dados da Contagem da População (IBGE, 2007) que registrou 552 famílias, com a pesquisa socioeconômica (FILOCREÃO, 1993), que identificou 647 famílias, chega-se a um decréscimo do número de famílias residentes na Unidade. Em números absolutos a diferença é de 125 famílias ou 19,31%, para um período de 14 anos.

Nesse sentido, a diminuição na quantidade de pessoas pode ser explicada, em parte, pelo deslocamento da população mais jovem para os centros urbanos, com o objetivo de estudar e/ou em busca de trabalho. Outra causa provável pode ser a queda no preço da castanha (no início de 2009, por exemplo, custava R$ 25,00 por hectolitro), que leva os moradores a buscar nas cidades e garimpos uma alternativa para melhorar de vida.

Considerando um levantamento realizado em 2006 por técnicos do CNPT, que não foi publicado, foram registradas 702 famílias, número mais aceito entre as lideranças consultadas. Essa questão deve receber atenção adequada do órgão gestor, objetivando o

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São 4 setores censitários na RESEX: no Município de Mazagão, setor 5 do distrito 15; em Vitória do Jari, setor 8 do distrito 5; em Laranjal do Jari, setores 32 e 34, ambos do distrito 5.

cadastramento das famílias da UC, no âmbito da elaboração do Plano de Manejo que se encontra em andamento, para dirimir quaisquer dúvidas e planejar adequadamente as ações.

Para efeito desta pesquisa, adota-se a população oficial registrada pelo IBGE. Sendo assim, todos os resultados apresentados tomaram como universo da pesquisa 552 famílias, com uma amostra representada por 172 famílias.

De certo, o fenômeno demográfico registrado na UC é um grande fluxo interno em direção aos vilarejos. Segundo o Relatório Socioeconômico de 1993, 62% dos habitantes moravam dispersos nos rios e igarapés e 31%, em pequenos vilarejos. Após doze anos, Picanço (2005) constatou uma realidade bem diversa, com 62,05% da população morando em vilarejos, contra 37,95%, vivendo de forma isolada.

Há indicação de uma concentração ainda maior atualmente, com forte tendência de aumentar a aglomeração em pequenas vilas comunitárias. Essa movimentação é explicada, em grande medida, pela busca de melhores condições de moradia e serviços sociais de saúde, de educação, de fornecimento de energia, transporte e comunicação.

Esse processo é fortemente influenciado pela ação de políticas públicas, que incentivam a concentração como forma de viabilizar suas ações. As intervenções do Estado, em suas diversas esferas, incidem sobre esse espaço de acordo com as intenções das diferentes políticas públicas e dos grupos políticos que estão no poder.

A sobreposição da UC em três municípios diferentes, afeta as comunidades de modo diverso, dependendo do município a que elas pertençam e das prioridades estabelecidas pelo gestor municipal. De modo geral, o fornecimento dos serviços públicos tem sido usado pelos gestores municipais como estratégia para agregar a população, facilitando a execução de seus projetos políticos.

A implantação de escolas e postos de saúde tem influenciado na reorganização das famílias no interior da UC. Um caso marcante foi registrado no município de Vitória do Jari, no local conhecido como Aterro do Muriacá, onde o primeiro prédio foi uma escola seguida de posto de saúde, onde hoje vivem dezenas de famílias (PICANÇO, 2005). Em Água Branca do Cajari, onde se concentram os melhores serviços públicos de saúde e educação, em 1993 moravam 48 famílias e, atualmente são em torno de 90 famílias.

As condições de moradia na RESEX, também sofrem a interferência da ação da esfera estadual. A construção e manutenção de escolas estaduais, bem como de passarelas,

funcionado como forte apelo para o agrupamento das famílias e a formação de comunidades. A origem do termo comunidade começou a ser disseminado localmente a partir do trabalho da igreja nos anos 70, inspirado pela teologia da libertação. A noção de comunidade passa a ter sentido quando contempla pelo menos as residências, a escola e uma igreja onde se reza o culto dominical. Os vilarejos que não tenham prédios públicos e mesmo moradias isoladas são conhecidos como localidades ou simplesmente vilas. Uma comunidade engloba o vilarejo, os moradores isolados e as localidades\vilas das proximidades. No geral, a base de formação dessas povoações é constituída por um único tronco familiar e\ou por um reduzido número de famílias, que se organizam em torno da casa de um patriarca (PICANÇO, 2005, p.88).

Embora passem a viver cada vez mais em vilarejos (Mapa 8), os agroextrativistas mantêm a exploração de suas colocações. Muitas famílias possuem duas habitações - uma permanente e outra temporária (o retiro), que tanto pode ser próxima aos castanhais e usada na época da safra, como também nas roças distantes dos vilarejos e usadas nos períodos de trabalhos mais intensos.

No campo federal, além da ação do IBAMA/ICMBio, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, como já citado, também atua na UC. Isso foi viabilizado através da Portaria Interministerial MDA/MMA/N° 13, de 19 de setembro de 2002, que dispõe sobre o reconhecimento das RESEX como integrantes do Programa Nacional de Reforma Agrária - PNRA.

O efeito direto da portaria aos agroextrativistas do Cajari foi garantir o direito de acessar as linhas de crédito gerenciadas pelo INCRA. Destaca-se que a inclusão das RESEX no PNRA foi uma grande vitória desses trabalhadores. Sua luta principal sempre foi pela terra, sendo as RESEX entendidas no seio do movimento liderado pelos seringueiros como a “reforma agrária dos povos da floresta”.

No período que antecedeu à criação da RESEX, as famílias moravam em pequenas vilas próximas às filiais dos patrões. Uma parte das casas era cedida pelos patrões, geralmente construídas de madeira e cobertas com telhas de barro ou fibrocimento. As demais eram construídas de madeira, casca de árvores, juçara ou paxiúba e coberta de palhas.

Mapa 8 – Distribuição das vilas comunitárias na RESEX Cajari.