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Mapa 10 – Síntese dos conflitos socioambientais da RDS do Rio Iratapuru

2.1 REMINISCÊNCIAS DA FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL DA AMAZÔNIA

2.1.3 Período do projeto socioambiental

2.1.3.2 Conservação e territórios de resistência na Amazônia

Diferentes grupos sociais: índios, quilombolas, castanheiros, seringueiros, entre outras ‘populações tradicionais’, organizaram-se para defender seu modo de vida e conquistar seu território. Em que pese as diferenciações internas, esses grupos mobilizam-se pela manutenção das condições de vida preexistentes aos programas e projetos governamentais. Organizam-se objetivando garantir o efetivo controle de domínios representados como territórios fundamentais à sua identidade e, inclusive, para alguns deles, à sua afirmação étnica (ALMEIDA apud ALLEGRETTI 2002, p. 25).

O caso do movimento dos seringueiros é emblemático e segue esse padrão. Ao lutar para manter seu território e estilo de vida, que pressupõe manter a floresta em pé, acabou criando um elemento diferenciador em relação aos demais movimentos sociais da Amazônia, como demonstrou Allegretti (2002). Isso acabou sendo determinante no apoio recebido do movimento ambientalista.

A solução encontrada foi inusitada e foi inspirada nas terras indígenas. Propôs-se que as áreas em conflito fossem transformadas em propriedade da União na forma de Unidades de Conservação (as Reservas Extrativistas), sendo destinadas ao uso sustentável pelas populações

tradicionais, via concessão real de uso34. Essa estratégia serviu de inspiração para outros segmentos do movimento social em luta pela terra, fazendo com que diferentes grupos também reivindicassem seus territórios na forma de áreas protegidas.

Esse processo caracterizou uma redefinição dos objetivos da reforma agrária e da proteção ambiental na região, abrindo caminho para compatibilizar duas tradições teóricas que tem estado em conflito: o desenvolvimento social e a proteção ambiental (ALLEGRETTI, 2002). Nesse sentido, a luta pela terra associada à defesa da floresta contribuiu decisivamente para a configuração do atual quadro socioambiental regional, caracterizado por um significativo quantitativo de áreas protegidas (tabela 3).

Pode-se dizer que a experiência dos seringueiros e de outros grupos de agroextrativistas da Amazônia, associada a outras iniciativas de movimentos e organizações em diferentes países, constitui uma alternativa contra-hegemônica ao processo de globalização neoliberal (SANTOS, 2000, 2005). Nesse sentido, grupos excluídos se mobilizam e criam vínculos, redes e alianças locais/globais com a aspiração de garantir seus direitos e melhorar suas condições de vida.

Tabela 3 - Unidades de Conservação federais na Amazônia Legal

NÚMERO TOTAL DE UNIDADES POR CATEGORIA

CATEGORIA SUB-TOTAL %

Área de Proteção Ambiental 31 4,26

Área de Relevante Interesse Ecológico 17 2,34

Estação Ecológica 32 4,40

Floresta Nacional 74 10,16

Parque Nacional 62 8,52

Refúgio de Vida Silvestre 3 0,41

Reserva Biológica 29 3,98

Reserva de Desenvolvimento Sustentável 1 0,14

Reserva Extrativista 50 6,87

Reserva Particular do Patrimônio Natural 429 58,93

Total 728 100,00

Fonte: IBAMA, 2006.

34

A Concessão Real de Uso é um documento legal expedido pelo Estado em favor das populações locais, através de suas entidades representativas, que garante o direito de usufruto dos recursos pelos agroextrativistas.

Juntamente com outras experiências nos países do Sul, o movimento dos agroextrativistas contribuiu para a ampliação do conceito de conservação, que considera a possibilidade de relações de equilíbrio entre populações humanas e recursos naturais. O papel das populações tradicionais é fundamental nesse processo, precisando de soluções para o ritmo acelerado da devastação na base da subsistência que, coincidentemente, são as áreas mais ricas em biodiversidade.

No que se refere especificamente à Amazônia, muitas áreas ocupadas por grupos locais foram protegidas legalmente e inseridas na política de conservação da biodiversidade do país. As populações de algumas das áreas criadas passaram a ser beneficiadas com medidas de caráter social e percebidas não como ameaças, mas como uma segurança para a manutenção da diversidade biológica.

Na Amazônia Legal, de acordo com o mapeamento do IBAMA (2006)35, há 728 UC´s federais que ocupam 10,27% da superfície da região. Desse total, 4,83% destinam-se à proteção integral e 5,44% para o uso sustentável (tabela 4). Configura-se assim, uma malha socioambiental (Becker, 2003), resultante de uma convergência entre ambientalismo e movimento de luta pela terra.

No conjunto, a estratégia de criação de áreas protegidas na Amazônia, serve como uma solução socioambiental para atender à necessidade de garantir a manutenção da diversidade biológica e para remediar os problemas agrários enfrentados por diversos grupos sociais.

Tabela 4 - Classificação por tipo de uso das unidades de conservação federais na Amazônia

Tipo de uso Área das UC´s* (ha) Área da Amazônia Legal ** (%)

Proteção Integral 24.327.223,00 4,83

Uso Sustentável 27.405.995,00 5,44

Totais 51.733.218,00 10,27

Fonte: IBAMA, 2006.

* As sobreposições entre as UC´s foram processadas incluindo-as na categoria de maior restrição. ** Baseia-se na malha municipal digital do Brasil de 1996, fornecida pelo IBGE.

35 Informação disponível no site do IBAMA, que destaca que os dados são sujeitos a alterações em função do aprimoramento dos mapas digitais utilizados e da criação de novas UC´s. As áreas de cada Unidade podem ser diferentes das encontradas na documentação legal devido à técnica utilizada no cálculo. A somatória das áreas não devem ser utilizadas para efeitos de cálculos gerais, uma vez que muitas Unidades possuem trechos no Oceano e podem existir sobreposições entre as categorias de Uso Sustentável e Proteção Integral. Lista elaborada pela Diretoria de Ecossistemas do IBAMA, atualizada em 31/12/2006.Consultarealizadaem15demarço2008.

A experiência demonstra que tanto nas UCs de Proteção Integral, quanto nas de Uso Sustentável, a presença humana é uma regra. Esse fato tem exigido das autoridades e organizações ambientalistas, um grande esforço no sentido de encontrar soluções para as demandas dessas populações. O desafio está posto para a sociedade brasileira e soluções adequadas que cada caso requer estão longe de serem encontradas.

Em Unidades de Uso Sustentável como a RESEX e a RDS, as populações se organizam em representações locais, articulando-se interna e externamente, de modo a garantir apoio na gestão territorial. Sua perspectiva é buscar alternativas de desenvolvimento que garantam a sustentabilidade não somente econômica, mas também social e ambiental.