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Mapa 10 – Síntese dos conflitos socioambientais da RDS do Rio Iratapuru

1.3 ÁREAS PROTEGIDAS: BIODIVERSIDADE E POPULAÇÕES TRADICIONAIS

1.3.3 Unidades de conservação e gestão territorial-ambiental no Brasil

No Brasil a existência de conselhos gestores na área ambiental foi oportunizada antes da Constituição Federal de 1988, via Política Nacional de Meio Ambiente estabelecida pela Lei nº 6.938/1981. Esta Lei criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), estabelecendo como um de seus entes o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Originalmente vinculado à Presidência da República, este órgão colegiado passou a fazer parte do Ministério do Meio Ambiente – MMA (Decreto nº 99.274/1990). É paritário entre instituições governamentais e não governamentais, com funções deliberativas e consultivas em matéria de política ambiental.

O CONAMA recebe uma grande expectativa dos setores da sociedade ligados as questões ambientais para manifestar-se acerca das necessárias regulamentações, quanto ao uso dos recursos naturais num modelo de desenvolvimento dito sustentável. Naquele fórum realizam- se alguns debates nacionais que alcançam repercussão internacional, como no caso das hidroelétricas na Amazônia, padrões de emissão de poluentes em nossos combustíveis, etc. Seus encaminhamentos, principalmente através de resoluções e moções, servem de parâmetro para os conselhos ambientais dos estados e municípios.

O SISNAMA estabelece que os estados devam contar com seus colegiados ambientais, os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente. O COEMA do Amapá foi criado pelo Decreto Nº 107 de 07/11/1990, vinculado à então Coordenadoria Estadual do Meio Ambiente – CEMA. Partiu do COEMA a proposta para criação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SEMA. Também os municípios são estimulados pelo MMA a instituírem seus Conselhos Municipais de Meio Ambiente – CMMA’s.

No caso dos conselhos de UCs, Santos (2008, p. 71-74) entende que o mesmo tem o poder de decidir ou interferir nas decisões relativas à propriedade e da livre iniciativa econômica em termos individuais e sociais, em dada realidade ecológica e cultural, cabendo ao conselho gestor “ajudar a definir quais os limites que podem e não podem, devem e não devem, ser impostos a esses direitos privados”, bem como funcionar “como elaborador, intérprete e aplicador do plano de manejo da unidade de conservação”. O referido autor apresenta o seguinte conceito de conselho gestor de UC:

fórum de exercício da democracia participativa ou direta que, visando à conservação in situ de dado ecossistema e a sua gestão territorial, de um espaço técnica, política e juridicamente determinado, age, em nome da coletividade, das futuras gerações e da vida, estabelecendo limites à propriedade e à livre iniciativa econômica, medindo conflitos no entorno dos recursos naturais e representando a vida em todas as suas formas (SANTOS, p. 77-78).

No SNUC, a normatização dos conselhos gestores é tratada nos artigos 15, 17, 18, 20, 29 e 41. Estes se referem à previsão da existência dos conselhos, estabelecendo seu caráter consultivo ou deliberativo conforme a categoria da UC. Assim as UCs de uso proteção integral devem ter caráter consultivo e as de uso sustentável conselho deliberativo, excetuado as florestas nacionais.

A regulamentação dos conselhos de UC’s encontra-se no Decreto n.º 4.340/2002. O artigo 17 da regulamentação do SNUC determina que a presidência do conselho seja atribuída ao chefe da UC, que designará os demais conselheiros, relacionando representantes do poder público e da sociedade civil, que devem guardar desejável paridade.

O artigo 19 do Decreto n.º 4.340/2002, trata das competências do órgão executor. O artigo 20 relaciona as competências do conselho, como o prazo de 90 dias para elaboração de seu regimento interno, o acompanhamento das atividades do Plano de Manejo, a integração com outras UC’s, a compatibilização dos diversos interesses sociais, a avaliação do orçamento e relatório financeiro da UC. Expressa ainda que o conselho deva pronunciar-se quanto à parceria com OSCIP20, manifestar-se quanto a impactos ambientais causados por obras ou atividades que afetem a UC ou seu entorno, e propor diretrizes e ações para a relação com as populações.

20

OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público é uma qualificação decorrente da lei 9.790 de 23/03/99, também conhecida como Lei do Terceiro Setor, é um marco na organização desse setor, uma vez que faz o

No entanto, Santos (2008) afirma que a regulamentação do SNUC representa um “engodo” à participação popular nesses processos de decisão. Referindo-se ao Artigo 20 daquele Decreto, destaca que todos os verbos impossibilitam que o conselho “defina, aprove, dê a última palavra” na gestão da UC. Os verbos em questão são os seguintes: elaborar, acompanhar, buscar, esforçar-se para, avaliar, opinar acompanhar a gestão, manifestar-se sobre e recomendar rescisão, e, propor. Nessa perspectiva, as competências dos conselhos (deliberativos e consultivos) são as mesmas e se resumem a três poderes básicos:

serem consultados antes da tomada das decisões listadas no artigo 20 do Decreto regulamentar do SNUC, opinar nas questões listadas no mesmo artigo e acompanhar a gestão com poder apenas de exigir informações e encaminhar denúncias a outros órgãos de controle como as Polícias Judiciárias (Civil e Federal), aos Tribunais de Contas e ao Ministério Público.(SANTOS, 2008, p. 91).

Na prática os conselhos de UCs só podem elaborar e aprovar seu Regimento Interno (que ainda vai para homologação do órgão gestor), elaborar e aprovar seu plano de trabalho anual, e, aprovar o plano de manejo e conseqüente zoneamento ambiental. Este último poder é questionado pelo MMA, visto que interfere em atividades econômicas, e como conselho não foi eleito pela democracia representativa, ao impor limitações viria a ferir a legalidade do ponto de vista constitucional.

Na legislação a participação da sociedade civil é prevista nos procedimentos que envolvem sua criação, nas chamadas “consultas públicas”, ou seja, anterior à existência de conselhos daquelas UC’s. No seu artigo 22, o SNUC determina que “a criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento”. Além disso, “o poder público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e às outras partes interessadas”.

reconhecimento legal e oficial das ONGS, principalmente pela transparência administrativa que a legislação exige. Pode-se dizer que OSCIPs são ONGs, que obtêm um certificado emitido pelo poder público federal ao comprovar o cumprimento de certos requisitos estabelecidos pela lei.

A gestão de áreas protegidas, também, é tratada no âmbito do Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP, instituído pelo Decreto n.º 5.758, de 13 de abril de 2006. Em seus princípios, aparece a participação das populações na gestão:

XX - promoção da participação, da inclusão social e do exercício da cidadania na gestão das áreas protegidas, buscando permanentemente o desenvolvimento social, especialmente para as populações do interior e do entorno das áreas protegidas (DECRETO N.º 5.758, 2006).

Da mesma forma, a participação social na gestão, também, é destacada em suas diretrizes:

XI - assegurar o envolvimento e a qualificação dos diferentes atores sociais no processo de tomada de decisão para a criação e para a gestão das áreas protegidas, garantindo o respeito ao conhecimento e direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e locais;

XII - fortalecer os instrumentos existentes de participação e controle social, bem como os de monitoramento e controle do Estado (DECRETO N.º 5.758, 2006).

As mais recentes normatizações sobre a criação e a gestão de RESEX e RDS foram feitas pelo Instituto Chico Mendes da Biodiversidade – ICMBIO, que baixou em 18/09/2007 três Instruções Normativas (IN). A IN nº 01, trata das diretrizes, normas e procedimentos para a elaboração de Plano de Manejo Participativo. A IN nº 02, define as diretrizes, normas e procedimentos para formação e funcionamento do Conselho Deliberativo. A IN nº 03, disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para a criação dessas categorias em nível federal.

A IN Nº 1 - ICMBio, em seu Art 2º, define Plano de Manejo Participativo de RESEX ou RDS como:

o documento que representa o principal instrumento de gestão da Unidade de Conservação, definindo sua estrutura física e de administração, o zoneamento, as normas de uso da área e de manejo dos recursos naturais e os programas de sustentabilidade ambiental e sócio-econômica, construídos junto com a população tradicional da Unidade.

A IN Nº 2 - ICMBio, em seu Art 2º, entende por Conselho Deliberativo de RESEX ou RDS: “o espaço legalmente constituído de valorização, discussão, negociação, deliberação e gestão da Unidade de Conservação e sua área de influência referente às questões sociais, econômicas, culturais e ambientais”.

A IN Nº 3, no Art. 4º “estabelece que a solicitação para a criação de RESEX ou RDS deve ser encaminhada formalmente ao ICMBio por população tradicional ou sua representação, podendo vir acompanhada de manifestações de apoio”. O Art. 5º “define que o pedido deve indicar, preliminarmente, a área proposta para criação e a população tradicional envolvida, suas principais práticas produtivas, os recursos naturais manejados e o compromisso com o uso sustentável desse território”.

Todos esses instrumentos legais se constituem em normas, que estabelecem as bases para a gestão territorial das áreas protegidas. Assumir a gestão territorial nessas condições implica uma relação direta com a ampliação da prática democrática, não só na sua dimensão representativa, mas também na democracia participativa ou deliberativa.

Ao mesmo tempo, é preciso considerar, como destaca Dollabrida (2007), que a democracia deliberativa, quando ineficaz, também apresenta riscos, tais como, o reforço às posições corporativas e a dificuldade de consenso. Com isso, ao considerar a necessidade de relações de igualdade entre os atores envolvidos num processo deliberativo, pode fazer com que a própria desigualdade deixe de ser discutida.

Com base nisso, é indispensável que a sociedade civil se fortaleça, evitando ser capturada por processos de cooptação por parte do aparato estatal, sendo suficientemente autônoma para preservar sua identidade e, ao mesmo tempo, forte, para que seus interesses sejam contemplados na administração negociada dos conflitos, que resultam na formação da agenda pública.

O autor defende que o processo de gestão de um território, envolve a governança territorial como fonte de sinergia do processo de desenvolvimento, e assim a define:

Aqui se utiliza o termo governança territorial para referir-se às iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente, para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais (DOLLABRIDA, 2007, p. 2).

Ao assumir esse conceito de governança territorial, implica em admitir a sociedade civil de um território ou região como uma das fontes de poder nos processos de governança global. Trata-se da interação entre micro e macro atores, contemplando a perspectiva de afirmação dos interesses e necessidades territoriais. No entanto, é importante lembrar que, essa interação de uma forma igualitária, resulta na necessidade de estruturação de um sistema de

governança, não só territorial, mas também global, em que a sociedade tenha vez e voz, o que exige avanços radicais.

Ao enfatizar a dimensão territorial do desenvolvimento, pressupõe-se potencializar as relações sociais diretas entre os diferentes atores. Como afirma Abramovay (2003), não se trata de apontar vantagens ou obstáculos geográficos de localização e sim de estudar a montagem das “redes”, das “convenções”, em suma, das instituições que permitem ações cooperativas capazes de enriquecer o tecido social.

Como defende Dollabrida (2007), a dinâmica territorial do desenvolvimento refere-se ao conjunto de ações relacionadas ao processo de desenvolvimento, empreendidas por atores/agentes, organizações/instituições de uma sociedade identificada histórica e territorialmente. Dependendo do tipo de ação, se passiva ou ativa, dos atores territoriais na defesa dos seus interesses frente ao processo global, os territórios assumem opções de desenvolvimento que os favorecem ou que os prejudicam em diferentes intensidades, transformando-os em territórios do tipo inovadores/ganhadores ou submisso/perdedores.

Desse processo dialético global-local, de ação-reação, cujas intenções são projetadas pela dimensão global, mas acontecem no território, resultam as diferenciações ou desigualdades territoriais. Para superar os distintos obstáculos ao desenvolvimento territorial, Abramovay (2003, p. 92) propõe um “pacto territorial” que “trata-se, em última análise, da construção de um novo sujeito coletivo do desenvolvimento que vai exprimir a capacidade de articulação entre as forças dinâmicas de uma determinada região”.

Não pode-se desconsiderar as relações de poder implicadas em processos dessa natureza. Relações de poder no sentido de um conjunto de relações de força que se articula em redes, nas quais se estruturam as atividades socioeconômicas de um determinado território ou região. Nesse sentido, o poder precisa ser concebido na sua dimensão multidimensional, pois se considera que o Estado não é o único ator capaz de determinar os processos sobre o território, inserindo-se o poder da sociedade civil e do mercado. Becker (1983) reforça esta interpretação:

Face à multidimensionalidade do poder, o espaço reassume sua força e recupera- se a noção de território. Trata-se, pois, agora da geopolítica de relações multidimensionais de poder em diferentes níveis espaciais. No momento em que se retorna à análise das relações de poder (...) o território volta a ser importante, não mais apenas como espaço próprio do Estado-Nação, mas sim dos diferentes atores sociais, manifestação do poder de cada um sobre uma área precisa. O território é um produto “produzido” pela prática social, e também um produto

“consumido”, vivido e utilizado como meio, sustendo, portanto, a prática social (Grifos do autor). (BECKER, 1983, p. 7-8).

Com isso, o conceito território adquire importância, pois é o poder expresso pelos atores sobre o espaço e sua apropriação que leva à formação dos mesmos, ou a novos usos políticos e econômicos do território. No caso específico das unidades de conservação de uso sustentável, a percepção que os diferentes grupos de interesses têm sobre o território é fundamental para orientar seu uso, conforme será abordado a seguir.

1.3.4 Áreas protegidas para o agroextrativismo: percepção em territórios de populações