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Mapa 10 – Síntese dos conflitos socioambientais da RDS do Rio Iratapuru

1.3 ÁREAS PROTEGIDAS: BIODIVERSIDADE E POPULAÇÕES TRADICIONAIS

1.3.1 Biodiversidade em Áreas Protegidas: entre novas interpretações

A polêmica do direito de uso e conservação dos recursos da biodiversidade coloca as áreas protegidas no centro da discussão. A experiência tem mostrado que o uso de baixo impacto feito por populações tradicionais ao longo de diversas gerações, continua a manter preservada e mesmo potencializam a diversidade biológica e o funcionamento dos processos ecológicos. Essas áreas são tidas como preferenciais para a criação de várias categorias de áreas protegidas.

Em termos globais, a criação de áreas protegidas é uma estratégia política adotada como uma forma de possibilitar a conservação dos ecossistemas naturais, uma vez que é considerada a via mais efetiva de proteção dos processos ecológicos fundamentais. De um lado, essa estratégia tem servido para escamotear outras intencionalidades, no sentido de garantir estoques de recursos naturais como reserva estratégica para serem incorporados, no futuro, ao sistema capitalista. De outro, tem servido para garantir o território de vários grupos sociais.

Entre os programas de ação estabelecidos pela Conferência do Rio de Janeiro14, a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) é um indicativo da nova mentalidade internacional sobre a conservação da biodiversidade. Delineia-se a oportunidade para estabelecer as áreas protegidas como um dos pilares do processo de desenvolvimento de uma nação (MILLER 1994 apud RYLANDS e PINTO, 1998), ficando previsto o estabelecimento de um sistema de áreas protegidas em diferentes escalas.

A CDB foi assinada pelo Brasil durante a Rio-92 e ratificada em 1994, passando a ter efeito de lei. A mesma estabelece as diretrizes orientadoras para a regulamentação dos mecanismos de conservação e acesso à biodiversidade, assim como para a repartição dos benefícios advindos de sua exploração.

Para atender à CDB, os países signatários passaram a ter que elaborar e regulamentar normas, diretrizes e estratégias específicas para este tema (FERRO et al., 2006). São três os objetivos apregoados pela Convenção da Diversidade Biológica:

• a conservação da diversidade biológica;

• o uso sustentável de suas partes constitutivas e,

• a repartição justa e equitativa dos benefícios que advêm do uso dos recursos genéticos.

Em seu segundo Artigo, a CDB apresenta a seguinte definição para a biodiversidade:

variabilidade entre organismos vivos de todas as origens compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os

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Os encaminhamentos definidos pela “Cúpula da Terra” durante a Conferência do Rio de Janeiro foram organizados em cinco documentos principais: Declaração do Rio, Agenda 21, Convenção sobre Mudanças Climáticas, Princípios para Manejo e Conservação de Florestas e Convenção sobre Diversidade Biológica.

complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas (CUNHA, 1999, p.32).

Esse conceito restringe-se, basicamente, aos aspectos biológicos, desprezando as contribuições antrópicas. Porém, passou por transformações ao longo do tempo, incorporando novas interpretações decorrentes do reconhecimento da importância da ação humana sobre a biodiversidade.

No que se refere à propriedade sobre a biodiversidade, a saída defendida pela CDB foi atender ao interesse capitalista em que tudo deveria ser privatizado: recursos genéticos e conhecimentos seriam protegidos na mesma medida em que os produtos da biotecnologia (CUNHA, 1999). Os recursos genéticos não são patrimônios da humanidade, mas objeto da soberania dos países em que se localizam. A compensação pelo acesso a eles será essencialmente a transferência de tecnologia, ficando por conta de cada país, definir os procedimentos de transmissão dos benefícios aos grupos locais.

O documento reconhece que a conservação da biodiversidade é condição necessária para se alcançar o desenvolvimento sustentável, partindo do suposto que a diversidade biológica necessita ser protegida para garantir os direitos das gerações futuras. Assim sendo, reforça a concepção de que o principal instrumento para a conservação da biodiversidade é o estabelecimento de áreas protegidas, na perspectiva de que se mantenham os processos que geram e mantém a vida.

Apesar do paulatino reconhecimento da importância das áreas protegidas para a sustentabilidade e dos esforços para criar novas reservas, muitas foram instituídas em gabinetes. Nesse sentido, nada progrediu além do ato de sua criação, são os chamados “parques de papel” que só existem em teoria.

Atualmente, as áreas protegidas estão presentes em torno de 80% dos países e ocupam 11,5% da superfície terrestre do planeta (MULONGOY e CHAPE apud BENSUSAN, 2006). Grande parte das mesmas foi criada com base no mito da natureza intocada, o que tem gerado inúmeros conflitos com as populações locais, muitas das quais mantenedoras de sua integridade biológica.

A definição de parque nacional da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)15, por exemplo, em 1969 estabelecia que estas áreas deviam ser relativamente grandes e sem alterações por exploração humana. Nelas, as autoridades deveriam tomar providências para prevenir e eliminar a exploração e/ou a ocupação em toda a área (MCNEELY et al apud CIFUENTES, 2000).

Em contrapartida, a visão sobre a função dos grupos humanos nessas áreas foi mudando ao longo da realização dos eventos internacionais sobre a temática. O 4º Congresso Mundial de Parques, realizado em Caracas, em 1992, é um marco nesse sentido, pois recomendou maior respeito às populações tradicionais e rejeitou o remanejamento das mesmas (DIEGUES, 1996). A partir de então, a importância da contribuição de grupos humanos para a manutenção da biodiversidade passou a ser reconhecida.

Finalmente, no 5º Congresso Mundial de Parques, realizado em 2003 na cidade de Durban, na África do Sul, selou-se o compromisso de conservação da biodiversidade calcada em dois eixos: nas áreas protegidas e nas populações locais. Segundo Bensusan (2006), o Acordo de Durban também serviu de base para as ações adotadas pela Convenção sobre Diversidade Biológica a partir de 2004.

Por muitos anos, as áreas protegidas instituídas pelo poder público ocuparam o centro da política de conservação mundial. Atualmente, observa-se um movimento crescente de ampliação das iniciativas da sociedade civil para instituição de reservas particulares e outras com populações em seu interior (MORSELLO, 2006), tendência que tem sido seguida também em terras brasileiras.