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A DOMINAÇÃO DOS CÉREBROS

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 191-196)

um breve estudo da estética do oprimido

A DOMINAÇÃO DOS CÉREBROS

No desenvolvimento da criança, o primeiro contato que ela tem com o mundo é através das percepções sensoriais. O bebê, ao entrar em contato com as sensações no mundo tende aos poucos a percebê-las. Sente o cheiro da mãe e seu corpo se relaxa, se é exposto ao frio seu corpo se retrai. Se entrar em contato com uma música suave, tem boas sensações, diferente se é incomodado por um alto som. Essas sensações iniciais são percebidas pela criança que aos poucos vai fazendo associações. Ver o rosto da mãe pode estar associado a saciar a fome com o leite materno, um som intenso de grito pode ser associado à dor ou ao perigo. De forma natural, o cérebro vai associando as sensações de acordo com que elas vão acontecendo. Mais tarde a criança aprende que além de perceber o mundo e se associar a ele, ela pode transformá-lo. Como vimos anteriormente, a criança ao entrar em contato com a areia da praia pode produzir esculturas. Desta forma, percebe a areia, se relaciona com ela e a transforma em outra coisa. E todo esse processo de percepção, associação e transformação é neuronal. É um processo químico que ocorre dentro de nossos cérebros.

Progressivamente, as sensações, emoções e memórias a elas referentes organizam-se em permanentes estruturas mnemônicas e emotivas que, em sua interação e conversão em atos, são pensamentos sem palavras - Pensamento Sensível (BOAl, 2009 p.60).

De acordo com que essas associações acontecem, surgem os gostos pessoais, as escolhas. Lentamente a personalidade da criança vai sendo delineada. Isso em consonância com o meio onde a criança está inserida, com o que lhe é oferecido para complementar seus conhecimentos de mundo. Um indivíduo que nunca ouviu música clássica, dificilmente terá inclinação para esse estilo musical. Uma pessoa que cresce acostumada a ouvir tecno ou funk tende a gostar desse tipo de ritmo. Claro que tudo tem exceção, mas é uma tendência ser assim.

Em parte sua criatividade pode ser cópia: se faz castelos de areia, é porque viu castelos ao vivo ou desenhados sua obra é metáfora substantiva, portanto, a criança está em vias de humanização, pois só os humanos são metafóricos. Tendo visto o modelo, é capaz de repeti-lo em outras substâncias.

Em países capitalistas, as crianças podem gostar de jogos como o execrável Monopólio e os games de assassinatos porque a isso foram induzidas. Na Idade Média as crianças não eram reconhecidas como seres humanos completos: brincavam com jogos de meios-seres humanos o que jamais os impediu de serem criadores dentro das limitações culturais impostas (BOAL, 2009, p.61,62).

Claro que muitos teóricos já falaram da percepção do mundo e de nossa associação com ele. Mas o que difere na teoria de Augusto Boal é a hipótese que levanta da existência de neurônios especializados na estética, o que ele chama de Neurônios Estéticos.

Quando nosso cérebro é formado, determinados neurônios se perdem por não estar ligados a nenhuma atividade. Por exemplo: existem neurônios especialistas na audição, que se integram ao sistema auditivo. Outros neurônios se especializam na visão e se ligam ao nervo óptico; outros que nos fazem ter sensações, dores e prazeres, e assim por diante. Muitos neurônios, cerca de bilhões deles, se perdem no decorrer de nosso desenvolvimento, pois não conseguem se encaixar em nenhuma rede neuronal que lhe dê funcionamento. Porém, para Boal, há neurônios especiais ligados a mais de uma atividade sensorial. Ele os batizou de Neurônios Estéticos. Através das sinapses realizadas por esses neurônios, podemos perceber o mundo de forma sensível e nos comunicarmos com ele. Quanto mais utilizamos esses neurônios estéticos, através da arte, mais sinapses acontecem e aguçamos ainda mais nossa sensibilidade e possibilidade de abstrações artísticas. Porém, esses mesmos neurônios são atrofiados e enfraquecidos pelos opressores ao utilizarem a estética contra nós.

Para que nossa percepção compreenda algo e faça daquilo um hábito, é necessário que tenhamos uma relação íntima com o que nos é apresentado. Por exemplo: de tanto o bebê ver a imagem da mãe associada à satisfação, o cérebro registra aquela informação. De tanto ouvirmos uma música associada à pessoa amada, as redes neuronais que são produzidas em nosso cérebro nos fazem registrar a mesma sensação ao ouvirmos a mesma música, ou vermos a mesma pessoa em momentos diferentes. Se virmos uma imagem na TV, repetidas vezes, e junto com aquela imagem uma mensagem, naturalmente com o tempo associaremos a imagem à mensagem. Mas que tipo de mensagens nos são atribuídas pelos meios de comunicação? Se formos abrir os olhos e realmente percebermos o que nos é apresentado, vamos notar que grande parte do que nos chega através da mídia, da comunicação estética que nos é imposta, é imperativo. Beba isso!, Leia aquilo!, Vá a tal lugar se divertir!, Vista-se assim!, e pode-se dar inúmeros exemplos. Com o tempo, nosso cérebro vai registrando essas informações como corretas e únicas possíveis. E chegamos ao ponto de acreditar que aquilo que nos impõem é o melhor para nós. E Boal completa enfático:

Tememos a invasão da floresta amazônica por cobiçosas potências estrangeiras e por latifundiários autóctones que promovem queimadas e destruição. É certo: devemos temê-la e combatê-la! Muito mais perigosa, porém, é a invasão dos cérebros promovida pela TV e pelo cinema colonialista que dominam nossos espectadores com seus exércitos de homens- morcegos e verdes maravilhas.

Mesmo o Brasil, que sempre produziu fascinantes ritmos e melodias, mesmos nós somos invadidos pela música massificada das companhias transnacionais, cada vez menos acústicas e mais eletrônicas: mais máquinas e menos gente, mais baratas e fáceis de vender. Da mesma forma que se quis, um dia, decretar o fim da História, a indústria fonográfica quer agora decretar o fim da Música (BOAL, 2009, p. 152,153).

Para Boal, essa repetição da mesma informação, além de fazer com que todos creiam que o que nos dão é o melhor para nós, cria em nosso cérebro coroas neuronais de idéias refratárias. Essas coroas seriam formadas através das informações repetidas, sem um fundamento ou uma explicação subjetiva.

Segundo a Teoria dos Neurônios Estéticos, quando um ser humano é bombardeado diariamente com as mesmas informações dogmáticas repetitivas, - sejam elas de cunho religioso, político ou esportivo; belicista, sexista, racista ou de qualquer outra ordem -, essas informações, por absurdas que sejam, cravam-se em nossos cérebros e formam impenetráveis e agressivas Coroas de Neurônios Fundamentalistas que rejeitam qualquer pensamento contraditório e transformam suas vítimas em seres sectários da religião, do esporte, da arte e da política. Transformam seres humanos em estações repetidoras de conceitos que não entendem, e de valores vazios (METAXIS, 2007,p.08).

Portanto, para Boal, somente através da Estética, da prática da arte é que podemos desconstruir essas redes de neurônios fundamentalistas e nos libertarmos da opressão. E para minimizar esse processo de invasão cerebral, Boal descobriu através de suas pesquisas pelo mundo um arsenal de atividades, que podem, aos poucos, fazer com que o oprimido se redescubra criador, artista e por consequência, humano. Essa estrutura orgânica e em constante transformação Boal intitulou de Estética do Oprimido. E Estética do Oprimido é uma filosofia, que defende a idéia de que todo ser humano é mais capaz do que ele próprio acredita ser. Como o ser humano é o único capaz de se ver em ação, analisar essa ação e modificá-la, é o único capaz de produzir arte. E é essa arte que o liberta da opressão.

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Através de projetos realizados em diversos setores sociais, Boal e os Curingas do Centro de Teatro do Oprimido experimentam teoria e prática no campo concreto. Saem dos laboratórios teatrais e dos seminários para validarem a filosofia do Método. Trabalham com grupos populares de empregadas domésticas, usuários de saúde mental, camponeses, homossexuais, mulheres, negros, e todo tipo de pessoas que querem transformar sua realidade através da arte. Os projetos se baseiam na Estética

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do Oprimido e nas práticas do Projeto Prometeu , que utiliza atividades para a desmecanização intelectual e corporal dos participantes. Exercícios de análise da Bandeira do Brasil e a construção de uma nova bandeira, a criação de poemas e músicas, a construção de instrumentos musicais utilizando sucatas, a produção de esculturas através do lixo limpo são algumas práticas realizadas nas oficinas e cursos de Teatro do Oprimido pelo Brasil e pelo mundo. É uma forma de observar o presente, refletir sobre ele, mas não parar nesse estágio. As práticas da Estética do Oprimido propõem que o espect-ator transforme esse presente de opressão para uma realidade mais justa e democrática.

Na vida adulta e cidadã temos que fazer o que fazíamos, crianças, em outro nível, outras necessidades. Para isso temos que dominar todas as línguas que possamos escrever e ler; temos que revitalizar nosso Pensamento Sensível através de todas as linguagens sensoriais que formos capazes de dominar (BOAL, 2009, p.62).

E quando temos a possibilidade de refletir sobre nossa realidade, temos a oportunidade de pensar como desejamos que ela seja, e podemos imaginar onde queremos chegar.

62 Curinga é o especialista na Metodologia do Teatro do Oprimido. Artista com função pedagógica responsável

em teorizar o método, aplicar oficinas de formação, escrever e coordenar projetos sociais, etc.

63 Projeto Prometeu: homenagem ao Titã que ensinou os humanos a fazer o Fogo que ele havia roubado dos

Deuses do Olimpo, que o queriam só para si (Centro de Teatro do Oprimido, 2007).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas. Volume 1 3ª edição. Editora Brasiliense: Rio

de Janeiro, 1987.

BOAL, Augusto. A Estética do Oprimido. Artigo ainda não publicado, 2009.

BOAL, Augusto. O Arco Íris do Desejo. Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro,

2002.

CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO. Metaxis - A revista do Teatro do Oprimido.

Periódico institucional do CTO-Rio. Nº 3 Rio de Janeiro, 2007.

CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO. Metaxis - A revista do Teatro do Oprimido.

Periódico institucional do CTO-Rio. Nº 5 Rio de Janeiro, 2008.

ECO, Umberto. Obra Aberta. 9ª edição. Editora Perspectiva: São Paulo, 2008. ESTÉTICA do oprimido. Disponível em:

www.arenadecristo.we.bs/materialdeapoio/augustoboal. Acesso em 15 de Junho de 2009.

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 191-196)