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ANÁLISE FUNÇÕES DISCURSIVAS DO TEXTO PUBLICITÁRIO

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 163-168)

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO

ANÁLISE FUNÇÕES DISCURSIVAS DO TEXTO PUBLICITÁRIO

De acordo com os dados, apesar de no total haver um equilíbrio entre as interrogativas que buscam informação e as que cumprem outras funções, percebe-se que a função de buscar informação é realizada tipicamente por interrogativas abertas e que outras funções são preferencialmente expressas através das fechadas. Isso poderia levar a crer que as perguntas abertas oferecem mais possibilidade de participação por parte de quem responde porque simulam não conhecer a resposta. No entanto, elas limitam a possibilidade de resposta pelo fato de apresentarem um universo semântico restrito a áreas específicas como saúde e o mundo doméstico. Portanto, se por um lado elas permitem possibilidade de contribuição da leitora, por outro, elas podem induzí-la a responder dentro de um universo limitado.

A função das interrogativas que buscam uma informação é focalizar o tópico, trazê-lo à superfície evidenciando lacunas a serem preenchidas. É possível que buscar uma informação seja uma estratégia interessante para a propaganda porque isso possibilita o estabelecimento de determinados desconhecimentos que suscitam na leitora a necessidade de se informar, ou seja, preencher as brechas de conhecimento providas pelo escritor e, por extensão, a necessidade de adquirir o produto. Buscar informação, então, cria necessidades e explora lacunas antes não evidenciadas.

Como mencionado, as interrogativas abertas do corpus são na sua maioria relacionadas com um mesmo assunto, explorando, de forma preponderante, a área da saúde conforme sugere os exemplos: Who can I turn to when I need the best advice? Neste anúncio a leitora quer uma informação sobre a quem recorrer durante a gravidez. Outro exemplo claro onde a função da interrogativa é buscar informação sobre a saúde é encontrado no anúncio de xampu, cuja interrogativa é: How does stress affect my hair? Aqui a função é buscar uma informação sobre a possibilidade de o stress emocional ter relação com a saúde dos cabelos. Também as interrogativas What is cystitis?, Where can I find out more information about having a healthy happy pregnancy?, How will I cope with the pain? são exemplos que indicam busca de informação. Nestes casos, a interrogativa apresenta claramente a função de perguntar, mas restringe a resposta ao universo de um mesmo assunto. O campo de atuação do escritor é amplo porque todas essas perguntas teoricamente feitas pela leitora são respondidas por ele.

Já nas interrogativas feitas à leitora, a função pode ser buscar uma informação trazendo à superfície situações desagradáveis a ela, como por exemplo, But do you suffer pain when you eat something cold or have a steaming-hot drink?, ...but is your skin allergic to it [the sun]?, Would you take more care of your heart if everyone could see it?. No primeiro caso, busca-se sensibilizar a leitora chamando a atenção para problemas com os dentes. No segundo, tenta-se explorar a possibilidade de a leitora ser portadora de alergia sem saber e, no terceiro, explora-se a possibilidade de adquirir doenças do coração. A diferença aqui é que, em todas essas interrogativas igualmente genuínas, não é dada a oportunidade de a leitora responder. Em todas elas há uma continuidade imediata da interação verbal pelo escritor.

A teoria dos atos de fala faz uma distinção entre o ato ilocucionário e o ato perlocucionário onde o primeiro corresponde à produção de uma elocução com força comunicativa que expressa uma intenção do interlocutor ao falar. O ato perlocucionário, por sua vez, corresponde ao efeito ou resultado causado pelo que é falado. No discurso publicitário da revista She, o ato ilocucionário é desempenhado principalmente pelo escritor e o perlocucionário pela leitora.

De acordo com Myers (1994), por um lado, perguntas podem ser comparadas a uma chamada telefônica no sentido de que ambas requerem uma resposta. Por outro lado, elas também possuem um efeito mais sutil que é o fato de poderem conter

pressuposições. Na interrogativa Got a life?, por exemplo, dirigida à leitora, vê-se que o ato ilocucionário é uma provocação porque essa expressão idiomática traduz a intenção de afirmar que o ouvinte não tem vida.

Também a interrogativa When was the last time you shared the same point of view?, aparentemente, busca informação e tem força ilocucionária porque, formulada pelo escritor, provoca a leitora. Neste caso, o efeito perlocucionário, ou seja, o resultado causado pela pergunta na leitora é desconhecido. Sugere-se aqui que aquilo que traduz a voz do escritor é ato ilocucionário. Portanto, no exemplo ilustrado pela interrogativa acima é o escritor quem tenta levar a leitora a pensar em sua relação amorosa, sendo este um ato ilocucionário. Ele faz isso chamando a atenção para o fato de que a leitora não compartilha uma vida satisfatória com o parceiro e a promessa do produto é a recuperação de uma vida harmoniosa e compartilhada.

Apesar de haver nesta interrogativa um maior espaço de interpretação por parte da leitora pelo fato de ser do tipo aberta com uma provável intenção de fazê-la pensar ou refletir sobre a vida, ao observar o seu conteúdo semântico, nota-se que a reflexão que a mesma tenta provocar parte de pressuposições que a posicionam na condição de um ser insatisfeito com a vida pessoal.

Outros casos mostram que a interrogativa busca uma informação na superfície, mas o ato ilocucionário revela uma provocação por parte do escritor como, por exemplo, em Isn't this the same roundabout you failed on last time?; ou de um escritor que toca em pontos sensíveis para provocar a lembrança de momentos desagradáveis como na interrogativa Tired of dragging your family around clothes shops?

Do mesmo modo, no grupo das tag questions, todas parecem apresentar o ato ilocucionário de forçar a leitora a pensar sobre algo, como mostra o anúncio de vitaminas Efalex, cuja interrogativa é Makes you think, doesn't it? A própria escolha lexical do verbo pensar precedido de um verbo com mais força ilocucionária como make leva a esta percepção. O mesmo ocorre nas interrogativas When you're busy in the throes of passion, spectacles don't stack up too well, do they? e There's nothing quite like the feeling you get when you watch them sleep peacefully is there?. Na primeira, mostra- se a inconveniência pelo uso dos óculos, como podem atrapalhar e, na segunda, mostra-se a sensação de alívio em ver os filhos dormindo. Todavia, como tag questions são sempre direcionadas para favorecer àquele que pergunta (Tsui, 1995b), este tipo de reflexão aqui tem o fim apenas de persuadi-la a comprar ou fazer com que a leitora adquira o produto e não fazê-la refletir ou reagir sobre uma experiência amorosa ou familiar.

Ainda no que concerne à oportunidade de a leitora fazer uma reflexão sobre si própria, nota-se que o escritor explora esta possibilidade relembrando-a de sua juventude. No presente corpus, uma das promessas da propaganda é a de que o produto manterá a juventude ou a trará de volta. No anúncio de creme para pele, o ato ilocucionário é tentar provocar uma lembrança de um passado ideal, cuja interrogativa fechada You know that radiance your skin had when you were younger? feita pelo escritor serve para provocar na leitora uma lembrança do passado. Aqui, a pergunta não apenas tenta trazer a lembrança de que a leitora tinha uma pele reluzente, como promete a recuperação dela pelo uso do produto uma vez que a resposta é You can enjoy it once more with Daily Renewal Cream from Oil of Ulay, traduzida como Você pode usufruir dela novamente com Renewal Cream from Oil of Ulay.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo se propôs analisar a maneira como a realização linguística das interrogativas reflete o modo como a mulher é socialmente representada em textos publicitários de uma revista feminina inglesa contemporânea. Entendeu-se representação social como um fenômeno da linguagem que, no discurso da propaganda, associa a mulher a determinados papéis sociais. Observou-se que o discurso publicitário recorre a estratégias linguísticas que o caracterizam como um discurso interativo social. Considerou-se o diálogo construído entre os participantes do evento comunicativo como a estratégia mais relevante para contribuir com uma análise da forma como a leitora é representada nos textos publicitários.

Analisou-se vários tipos de investigação das estruturas interrogativas com o intuito de se chegar à questão mais ampla que deu origem ao presente trabalho: a representação feminina nos textos publicitários da revista She. Este primeiro passo levou a descobertas de determinadas fórmulas sintáticas presentes nos anúncios que estariam ligadas a certas brechas de conhecimento por parte da leitora. Ou seja, detectou-se que a leitora idealizada pelo produtor do texto, de modo geral, desconhecia vários níveis de informação que variavam de um desconhecimento sobre o produto, sobre problemas com a consumidora que sugerem a necessidade de aquisição do produto até um desconhecimento sobre si mesma.

Em um segundo momento fez-se uma análise funcional das interrogativas concluindo-se que as mesmas podem apresentar diversas funções além da de buscar uma informação. Estas funções implicam certos atos subjacentes à pergunta que, por vezes, tem o propósito de representar a leitora usando formas discriminatórias da linguagem. Além disso, apontou-se para o fato de que as interrogativas podem conter pressuposições que podem vir a posicionar a leitora de maneira preconceituosa. De todo modo, a conclusão mais relevante diz respeito ao fato de que o discurso publicitário aqui analisado utiliza recursos linguísticos como as interrogativas para retratar a leitora- consumidora da revista She como uma mulher que tem baixo nível de informação e com preocupações predominantemente voltadas para a saúde, beleza e um bom desempenho no mundo doméstico, o que, aparentemente, contradiz a proposta moderna da revista que, no pós-guerra, quis se impor como um veículo de comunicação dirigido à mulher que inaugurava uma etapa revolucionária na mudança dos papéis sociais femininos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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