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6 Patricia Braun

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 39-44)

reflexões a partir de cenas do cotidiano escolar

6 Patricia Braun

INTRODUÇÃO

O contexto da escola, ao longo da efetivação de suas propostas, sempre vivenciou conflitos. Os diálogos nesse processo de mudança circulam, por exemplo, entre abordagens pedagógicas, novos referenciais necessários para compor a dinâmica educacional, processos de ensino-aprendizagem, entre outros. Diante das mudanças socioeducativas com as quais a escola tem lidado, com mais ênfase atualmente, estão em pauta as suas condições e a formação que este espaço tem propiciado aos seus alunos.

Nesse sentido, o presente capítulo, tem por finalidade abordar algumas reflexões sobre o espaço de formação, tomando como eixo de problematização os conceitos de cidadania, inclusão/exclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em decorrência de deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades (BRASIL, 2008). No decorrer das análises apresentamos algumas

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charges de Francesco Tonucci para retratar o ser aluno, o ser professor, bem como algumas cenas do cotidiano escolar de uma classe dos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola pública.

As reflexões apresentadas procuram apontar as possibilidades e os entraves da escola que historicamente elegeu alguns, para fazer parte do seu contexto, quando deveria se tornar legível e sensível às especificidades de todos os seus alunos e às diferentes formas de aprender. Compreendemos aqui que a escola está condicionada à tempos e espaços culturais e organizacionais da sociedade que temos.

Mas que escola temos?

Atualmente a escola tem lidado com uma diversidade de alunos antes velada por mecanismos próprios de cada época de sua sociedade.

Podemos dizer então que o debate sobre a diversidade presente na escola é recente, mas a experiência nem tanto. Assim, diante da realidade deflagrada, a escola e seus atores têm apresentado inquietações sobre suas atuações face às peculiaridades do ambiente educacional, condensadas na diversidade da formação pessoal de cada aluno que compõe esse espaço.

A escola pública que a priori foi criada para alguns e mediante circunstâncias e princípios da influência iluminista, como bem afirma Boto (2003), se vê atualmente diante de um “todos” que vai além dos limites cerceados por uma classe social ou por padrões de pertencimento à sociedade vigente, a cada período de tempo. Via de regra, “a educação tem um caráter histórico-antropológico, ou seja, produz o homem para cada local e época, de acordo com as necessidades materiais de produção” (SZYMANSKI, et al, 2009, p. 108). Ainda que regrada por demandas sociais, econômicas e políticas de um período social, como a formação para o trabalho, por exemplo, em virtude das necessidades sociais, a escola 'abriu' suas portas e passou a ser espaço de formação também para aqueles que até então não tinham acesso aos bancos escolares.

As palavras de Cavalieri (2007) confirmam essa realidade:

[...] em cada circunstância histórica ou local, o tempo de escola é sempre função de diferentes interesses e forças que sobre ele atuam. Essas forças têm as mais diversas naturezas e origens, tais como o tipo de cultura familiar predominante, o tipo de visão acerca da formação geral da criança e adolescente, o tipo de associação entre educação escolar e políticas públicas de assistência social ou de preparação para o trabalho (p. 1018).

Contudo, embora muitos alunos, independente das condições étnicas, sociais ou acadêmicas tenham tido acesso à escola, ao espaço da sala de aula e às suas classes (mesas), as condições e possibilidades que lhes eram e são oferecidas nem sempre lhes favorecem um lugar de pertencimento, uma formação, uma aprendizagem de fato. O perfil meritocrático da escola, o qual rege normas tanto para os processos de aprendizagem quanto para o tempo e espaço em que podem ser efetivados pelos alunos, continua sendo uma realidade que descarta todos aqueles que não apresentam as condições da norma estabelecida como o tempo da seriação, forma do currículo e avaliação, assim como o espaço da sua mesa em sala de aula. Para ilustrar tal afirmação seguem as palavras de Dubet: “a escola ordena, hierarquiza, classifica os indivíduos em função de seus méritos, postulando em revanche que esses indivíduos são iguais. Os indivíduos devem, portanto perceberem-se como autores de seus desempenhos, como seus responsáveis” (2003, p. 40).

Nesse ínterim, a diversidade da sala de aula, que não é própria de uma única época, nem surgiu a partir de uma data específica, começou a ser foco de discussão com o advento de alguns fóruns como o da Conferência Mundial sobre Educação para Todos (Tailândia/ 1990) e da Declaração de Salamanca (Salamanca, 1994). Dado esse marco, questões como a escola que temos e a queremos (ou precisamos) e seus espaços- tempo com condições de ensino-aprendizagem mais efetivos para seus alunos têm

sido permanentes nos fóruns que se seguiram a essa data.

Apesar dos avanços nas discussões na realidade do cotidiano escolar, a educação com qualidade, como um direito adquirido, como condição para o exercício da cidadania, continua afastando e excluindo determinados alunos, especialmente quando esses alunos apresentam necessidades educacionais especiais.

Nessa perspectiva, o que constatamos é que o processo de formação do ser humano, principalmente, do aluno com necessidades educacionais especiais acaba ficando suspenso, adiado ou ainda sujeito a novas premissas, as quais poderão ser percebidas como desviantes, fora do padrão social estabelecido. O que parece se estabelecer é uma relação de conflito, entre o que a escola estava habituada a praticar e o que é exigido dela agora; entre o que era percebido como um processo natural o fracasso de alguns e o sucesso de outros e o que já não é mais aceito como tal.

Perante essa discussão existe ainda outro ponto relevante a ser considerado: o aluno desacreditável e o desacreditado (GOFFMAN,1988). Antes a escola lidava somente com o aluno desacreditável; o aluno do fracasso escolar, mas que não apresenta em sua identidade social uma marca tão discrepante quanto o aluno com necessidades educacionais especiais. Na conjuntura atual, além desse aluno que fracassa e evade, a escola precisou rever suas percepções, valores e práticas também em relação ao aluno desacreditado, que frequentava a escola especial, ou seja, aquele que apresenta uma diferença tão eminente que lhe é dada a condição da impossibilidade, antes de qualquer tentativa.

Conforme afirma Goffman (1988, p. 51):

[...] uma possibilidade fundamental na vida da pessoa estigmatizada é a colaboração que presta aos normais no sentido de atuar como se a sua qualidade diferencial manifesta não tivesse importância nem merecesse atenção especial. Entretanto, quando a diferença não está imediatamente aparente e não tem dela um conhecimento prévio, quando, na verdade, ela é uma pessoa desacreditável, e não desacreditada, nesse momento é que aparece a segunda possibilidade fundamental de sua vida.

As representações sociais, nesse sentido, são modeladoras dessas percepções as quais podem validar ou não as possibilidades de interação e participação social dos indivíduos que as formam. Ou seja, o homem está em construção a qual se faz mediante circunstâncias e condições dadas às representações sociais (CASTORIADIS,1992).

Dado o modo como as representações sociais são organizadas, a escola, na verdade, nem sempre tem clara a dimensão de que ela exclui, muito menos de que os processos por ela estabelecidos em seu cotidiano são excludentes. A escola é feita por pessoas as quais leem e interpretam as diretrizes e as normas desse e para esse espaço, constituindo-o, assim, segundo suas percepções e valores, os quais são validados pelo contexto social. Eis que ficamos numa ciranda: as pessoas que formam uma sociedade, regida pelos valores e percepções desses indivíduos, os quais atuam em suas instâncias, dentre elas a escola, que nada mais é do que uma representação, em escala menor, da própria sociedade que a cria.

Por isso, segundo Barroso (2003), a exclusão produzida no interior da escola está relacionada também aos fatores sociais que a envolvem. Segundo o referido autor, esse mecanismo de supressão pode assumir formas variadas e sua caracterização pode ocorrer a partir de quatro modalidades: a) porque ainda não é de acesso para todos de fato, caracterizando a desigualdade de oportunidades; b) porque não garante o sucesso e permanência dos que ingressam nela, caracterizando o fracasso e a evasão escolar; c) porque com seus processos ritualizados reforça a condição do aluno fazer parte estando a parte, ou seja, inclui excluindo; ou d) porque em muitos casos a escola acaba excluindo por não conseguir garantir um sentido para sua existência na vida do aluno. Nesse último caso é o que o autor denomina da exclusão pelo sentido, ou como entendemos, pela falta do sentido, de relação com o contexto do aluno a escola acaba obsoleta, inexpressiva e ineficaz.

Diante das reflexões-questões acima, percebemos que o ato de educar, no contexto de uma escola para todos, tem em si muito mais do que a mera pretensão de ações que resultem numa atividade ou num produto final, muitas vezes caracterizado no espaço escolar como o desenho, a leitura, a escrita, o cálculo, o passar de ano. Nesse sentido, o ato de educar e suas práticas exigem uma constante reflexão sobre as ações que o efetivam, tanto por parte do espaço caracterizado como escola, como por parte do educador e também por parte do educando.

Sendo o processo educativo uma atividade em constante construção, é imprescindível tê-la como uma prática reflexiva. Nessa ótica, a prática pedagógica tem por finalidade, além da reflexão, deliberar sobre os princípios que a regem, excluindo posições dogmáticas reducionistas e deterministas que a influenciam, inibindo, por vezes, o senso crítico, a autonomia e a capacidade criadora de todos os sujeitos comunidade, família, aluno e professores envolvidos no processo educativo.

Nesse sentido, Dewey (apud CAVALIERI, 2007) reforça a intenção de que a educação precisa estar alicerçada nas relações entre os indivíduos e sua cultura, de modo que estes possam reconhecer as situações específicas que os envolvem, as necessidades de mudanças e as ações necessárias para que as mesmas aconteçam. A atenção sistemática as demandas individuais do aluno passa a ser uma premissa; e se esta não for considerada, falar de escola “para todos” torna-se mero falatório.

Vale situar também que no contexto brasileiro há diferentes configurações da escola básica. Ainda que somente no âmbito da educação pública, existem escolas que se diferem em seu contexto de formação e organização, tanto academicamente, quanto na configuração social. Umas estão no conjunto de escolas com o quorum de alunos ditos mais heterogêneos, de massa, o que é a grande realidade nacional. Estas, quase

Esse ressentimento é abarcado pela escola em geral, de qualquer cunho, pública ou privada, pois ainda que a mesma disponha de maiores recursos por lidar com alunos mais favorecidos, “a escola espera que os pais sejam pessoas informadas, capazes de orientar judiciosamente seus filhos e ajudá-los com eficácia nas tarefas” (DUBET, 2003, p. 36).

sempre com condições muito precárias, pouco ou quase nada conseguem assumir de 8 seu papel de socialização e de ensino. Outras, as chamadas escolas de elite , fazem parte de um conjunto muito pequeno, com condições mais razoáveis para efetivar e assumir suas funções, pois parece haver uma clareza maior entre os objetivos da escola, família e aluno. Contudo, ainda que o segundo tipo de escola pareça ter condições mais favoráveis para se tornar um espaço de ensino e aprendizagem para todos, a realidade observada, independentemente da escola, é de que:

No caso da escola pública, vive-se uma grande confusão em relação à sua própria identidade. Essas escolas ressentem- se de terem que fazer muito mais do que ensino dos conteúdos escolares sem terem recursos para si. São, em geral, escolas aligeiradas e empobrecidas em suas atividades (CAVALIERI, p. 1022, 2007).

8 A caracterização dessas escolas tem sido referendada em diversos estudos como os desenvolvidos por Zaia

Brandão, pesquisadora e professora do Programa de Pós-graduação da PUCRJ.

As questões que surgem a partir dessa realidade e que também são suscitadas por uma cultura escolar construída temporalmente, como a da escola seriada [que pensa ser homogênea], por exemplo, acabam por criar conflitos, dificuldades para lidar com o imprevisível, com a quebra de padrões, legitimados socialmente. A demanda social, as novas configurações da sociedade e de seus núcleos básicos, como a família, exigem práticas as quais a escola ainda está procurando compreender, rever, aceitar.

A escola tem procurado reconhecer-se. A escola que abriu suas portas e se tornou de “massa”, mas que ainda se idealiza como homogênea, tem suas especificidades e seus alunos podem apresentar peculiaridades que indiquem a necessidade de diferenciação no processo de ensino-aprendizagem. Aliás, sempre as teve só que essas peculiaridades não eram vistas como um processo inerente ao aluno, e sim como mazelas triviais a um sistema pensado para os que pudessem acompanhá-lo.

A escola democrática de massa passa então por uma tensão que transforma o sucesso escolar em um desafio pessoal entre alunos, quando uns tem sucesso e outros não diante da competição que postula igualdade de todos, mas procura estabelecer as condições para tal competição.

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Em recente evento que reuniu professores de uma grande rede de escolas consideradas de elite, uma professora proferiu a seguinte fala: “eu não fui trabalhada para lidar com especificidades e sim com massas”. Essa fala retrata exatamente um pouco desse conflito, dessa necessidade de revisão, de reformulação de busca de subsídios para ensinar ao aluno, ainda que este apresente algum tipo de demanda especifica no seu processo de escolarização.

É de nossa ciência que a sociedade configura-se de acordo com as demandas dos que a compõe; a escola como uma de suas agências formadoras lida com essas demandas as quais, com o passar dos tempos, se diversificaram. O roteiro da escola mudou, mas ainda não foi encenado. A escola, como já dito, em seu formato ainda meritocrático, tentando manter um único formato de conteúdos, tempos, espaços e méritos para alguns, não favorece a participação e aprendizagem de todos os alunos, com ou sem especificidades. Ou seja:

A escola, tal qual está organizada, tem dificuldade em cumprir o seu mandato inicial de transmissão de valores, de seleção (tendo em vista a divisão do trabalho), de inculcação de uma ordem social. Além disso, muitas dúvidas existem quanto a sua capacidade actual de transmitir os conhecimentos e desenvolver as competências necessárias ao desenvolvimento pessoal, profissional e social dos seus alunos (BARROSO, 2003, p.26).

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 39-44)