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perspectiva dialógico-interacional

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 156-160)

54 Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é professora

adjunta em Linguística da área de Letras, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Tem experiência nas áreas de Linguística Aplicada (Ensino de Língua Portuguesa), Pragmática e Linguística Cognitiva (teoria dos espaços mentais e gramática de construções). É coordenadora da área de Letras da UFRRJ e do LIS (Grupo de Pesquisa em linguagem, interação e sociedade), no qual se desenvolvem pesquisas sobre construções gramaticais, atos de fala e representações sociais.

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Maria do Rosario Roxo

INTRODUÇÃO

Reconhecendo que o objetivo do ensino-aprendizagem da língua materna não se fundamenta em definições ou em classificações, parte-se da hipótese de que o estudo da gramática deve realizar-se numa perspectiva interativo-dialógica, adequada a diversos fatores pragmáticos, considerando-se os eventos e os estados de coisas do mundo.

Em qualquer nível de descrição e análise da atividade linguística, devem-se incluir os seguintes paradigmas: o falante e o ouvinte na sala de aula, seus papéis em diferenciadas situações comunicativas e as condições sócio-históricas relacionadas às formações ideológicas dos sujeitos. A língua não está pronta nem dada ao falante como um sistema de regras acabado e armazenado na mente. A língua é sim manipulada pelo “sujeito que nunca constrói o sentido-em-si, mas sempre para alguém” (SALOMÃO, 1999, p.71) ou para si mesmo.

Em termos gerais, o ensino da língua instaura-se em cada instância do fazer comunicar já que faz parte de sua natureza a intersubjetividade nas relações sociais e individuais; considera-se a “aula de português” enquanto instâncias de discursividade. Especificamente, propõe-se o ensino da gramática da língua portuguesa em seu contexto de uso, de acordo, especificamente, com os fatores funcionais e pragmáticos.

O objetivo deste artigo é discutir questões relevantes a respeito do ensino da gramática, tendo como ponto de partida o paradigma teórico de que a língua deve ser objeto de ensino-aprendizagem em seu contexto de uso, seja na modalidade escrita seja na modalidade oral, em diferentes tipos de variedades linguísticas (GERALDI, 1993 e PCNs).

LÍNGUA MATERNA: PERSPECTIVA DIALÓGICO-INTERACIONAL

Nos estudos da língua materna, reconhece-se que a questão do ensino- aprendizagem pode ser analisada em dois aspectos: (a) a língua como um modo de interação e de identidades culturais na relação escola/mundo e (b) a língua como uma forma de ação sobre o outro e sobre o mundo no contexto de uso.

A propósito dos aspectos citados, o ensino da língua é, por excelência, uma aprendizagem de linguagem, é um momento, um ato de reflexão, de interação de ações: é o aluno com o seu discurso, é o professor com a sua fala; e assim vão-se todos, comprometidos, na busca dos sentidos, da compreensão de estar num aqui-agora historicamente delimitado pela posição sócio-ideológica de cada sujeito.

No contexto da escola, a sala de aula deve transformar-se num espaço de interação entre os sujeitos que, numa relação intersubjetiva, compartilham o que

acreditam ou não, se revelam através da maneira como entendem e vêem a realidade. Se a linguagem é concebida como “atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos” (INGEDORE, 1995, p. 9), vivencia-se, na sala de aula, um jogo de linguagem complexo, considerando-se não só as relações estabelecidas entre aluno e professor, mas também os propósitos comunicativos, decorrentes das necessidades individuais e das demandas de uma sociedade que prestigia o letramento da língua-padrão como domínio de prestígio. O ensino é, por excelência, uma aprendizagem de linguagem, é um momento, um ato de reflexão, de interação e de ações: é o aluno com o seu discurso, é o professor com outro discurso. E assim a língua como atividade discursiva passa a ser usada pelos falantes para agir no mundo.

Numa perspectiva interacional, a língua é identidade social que se realiza discursivamente em determinadas situações de comunicação. É por isso que a língua não está pronta nem dada ao falante. Dessa abordagem, temos de repensar como esse modo de interação é construído uma vez que, pela língua e na língua, instauram-se atitudes pragmáticas responsivas e ativas. “De fato, a linguagem se realiza sempre dentro de uma língua, de uma estrutura linguística definida e particular, inseparável de uma sociedade definida e particular. Língua e sociedade não se concebem uma sem a outra” (BENVENISTE, 1976, p. 31).

ENSINO DA GRAMÁTICA:

QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS EM FOCO

Na sala de aula, vivencia-se o jogo de linguagem pelas relações que são estabelecidas entre professor e alunos, pelos efeitos discursivos usados para impressionar, mudar comportamentos, causar impactos, enfim para atuar sobre o outro, visando sempre a uma intenção.

Por isso, é indiscutível relacionar língua com ação social; diria que é pela alteridade que o sujeito compreende e estabelece suas relações com o outro (de persuadir, de modificar, de criticar) em certas situações e intenções de comunicação concretas.

No tocante ao estudo da gramática, que perspectiva adotar? Por ser a gramática concebida pelos professores, primeiro, como um manual que abarca o conjunto de regras, normas da variedade dita culta ou padrão a serem seguidas (atitude prescritiva) e, segundo, como uma maneira de adquirir a boa linguagem, ou seja, falar bem e escrever bem (atitude purista), vê-se, pelas opiniões dos professores, uma tendência a ensinar a gramática com objetivo de levar aluno a substituir seus próprios padrões linguísticos, considerados errados e inaceitáveis, por outros considerados corretos e aceitáveis: a cada “faça isto” corresponde um “não faça isto” (Ensino prescritivo na visão de HALLIDAY et alii, 1974). Segundo PRETI (mimeo), a “escola continua preservando o mito da boa linguagem, fundamentado na língua escrita, em geral literária, investindo pouco na discussão da diversidade linguística, no contraste e aproximação entre a língua escrita e a oral”.

A propósito da opinião de Preti (Op cit), o ensino de gramática deve pautar-se numa atitude produtiva em que os padrões linguísticos do aluno não são alterados, mas sim ampliados. Com o intuito de aumentar a produção linguística dos alunos, o professor deve criar estratégias para o conhecimento dos estudos sintáticos e semântico- pragmáticos das construções gramaticais em diferentes gêneros e tipologias textuais (TRAVAGLIA, 1996) como, por exemplo, propaganda, poesia, crônica, notícia, relato de experiência pessoal, narrativa fantástica, receita.

Vinculada ao texto, a gramática deve ser estudada tendo como referência as abordagens funcionalistas e cognitivistas cuja descrição se fundamenta na inclusão dos fatores sociais e comunicativos. Esses fatores são discriminados por Mateus (1993) da seguinte maneira:

(a) Estruturar, nomeando e pondo em relação, objetos e propriedades do mundo real: atividades classificatórias;

(b) Agir sobre o(s) Alocutário(s) e, através deste(s), sobre o mundo real: são as ordens, conselhos, pedidos, advertências, sugestões, proibições;

(c) Tornar público estados interiores e compromissos: exprimindo estados psicológicos, fazendo promessas, juramentos, acusações, críticas, elogios, dando apoio;

(d) Criar universos de referência, pondo em relação objetos e propriedades desses universos: comunicando acerca do que se vê, pensa, sonha;

(e) Utilizar a produção verbal (consciente e inconsciente) como insígnia de poder: convencer o alocutário, persuadir e desenvolver estratégias de controle da interação verbal;

(f) Produzir textos: discursos coerentes a nível sintático a partir do uso da sequência lingüística que constitui o texto; a nível semântico que diz respeito à capacidade de o texto agir como unidade de sentido global e a nível pragmático que correlaciona o sentido a uma intenção comunicativa.

Considera-se, de antemão, que os falantes não só codificam e decodificam os discursos, mas também usam e interpretam esses discursos interacionalmente. Uma descrição, em qualquer nível da língua (morfológico, sintático, semântico e pragmático), deve incluir as seguintes referências: o falante e o ouvinte, seus papéis dentro da situação comunicativa socialmente determinada. É o componente estrutural-semântico interligado à função pragmática da atividade linguística.

Nesse caso, a gramática é vista como um instrumento de interação social e suas estruturas portanto não estão autônomas, estão, sim, inseridas num uso efetivo, por intenções de sentido apropriadas ao enunciado que o falante deseja construir para suas finalidades comunicativas. Deve-se resgatar o ensino de gramática em nossas aulas de língua portuguesa. E resgatar, sobretudo, através de um ensino de conhecimento e produção em que o professor, livre de quaisquer preconceitos sobre a linguagem, possa correlacionar os variados recursos da língua ao uso para que o aluno produza e leia textos em situações de interação comunicativa. Parece inegável dizer que a língua é ação social, ação esta que, para VOGT (1989: 136), “une, separa, influi, persuade, modifica e fundamenta comportamentos para os indivíduos”, a língua constrói portanto uma imagem da realidade exterior e interior de cada falante.

Todos os sujeitos falantes a partir de um conhecimento intuitivo da língua, a gramática natural , a todo momento, revelam sua competência comunicativa por meio desses fatores comunicativos, usando estruturas linguísticas às condições de comunicação que regulam o seu uso no discurso. Só assim o estudo da gramática na sala de aula será entendido como “não como um instrumento de reflexão mas como um modo de ação” (BENVENISTE, 1989, p. 90).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. Campinas: Pontes/Ed. da

Unicamp, 1988.

GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

HALLIDAY, M. A. K. et alii. As ciências linguísticas e o ensino de línguas.

Petrópolis,Vozes, 1974.

KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1995.

NEVES, Maria Helena de Moura. “Uma visão geral da gramática funcional”. In: ALFA:

Revista de Linguística. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, v.38, l994.

PRETI, Dino. O ensino de língua portuguesa: na encruzilhada entre a escrita e a oralidade. (mimeo).

ROXO, Maria do Rosario. O estudo do texto em sala de aula: leitura e produção.

Dissertação de Mestrado. Niterói, UFF, 1990.

SALOMÃO, Maria Margarida Martins. “A questão da construção do sentido e a revisão da agenda dos estudos da linguagem”. Veredas: Revista de Estudos Linguísticos.

Juiz de Fora: EDUFJF, vol. 3, n. 1, jan./jun., 1999.

SILVA, Rosa Mattos e. Tradição gramatical e gramática tradicional. São Paulo:

Contexto, 1989.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. o o Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1 e 2 graus. São Paulo: Cortez, 1996.

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 156-160)