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HISTÓRICO DA CAPOEIRA ATÉ O CONTEXTO ATUAL

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 145-150)

CAPOEIRA NA ESCOLA

HISTÓRICO DA CAPOEIRA ATÉ O CONTEXTO ATUAL

A história do negro no Brasil começa no Séc. XVI quando o Brasil ainda era colônia de Portugal e foi desenvolvido o tráfico de escravos como forma de incrementar o novo rumo do comércio mundial da época. A captura dos negros em pleno território africano era feita pelas expedições portuguesas, que se especializavam em prender tribos inteiras e posteriormente vendê-las nos mercados litorâneos. Há registros também, de que conflitos entre as próprias tribos africanas rivais, levaram os vencedores a escravizar os vencidos, trocados por mercadorias como aguardente e tabaco. Da segunda metade do século XVI até o ano de 1850 (data de promulgação da lei Euzébio de Queiroz que proibia o tráfico negreiro), estima-se que mais de três milhões e meio de negros africanos foram trazidos para o Brasil. Os escravos eram trazidos de forma cruel. Pouca alimentação, com destino incerto, desprovidos de respeito, integridade, dignidade, tendo assim a perda de sua identidade. Vinham apinhados dentro dos porões dos navios negreiros que sugestivamente eram chamados de tumbeiros, pois, ali os negros que morriam de doenças, maus tratos e banzo, assim eram trazidos até o final da viagem. Castro Alves cita em fragmento IV da 53

poesia “Navio Negreiro” a situação de calamidade e maus tratos em que os negros eram transportados:

“No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar*!..."

E ri-se** a orquestra irônica, estridente. . . E da ronda fantástica a serpente*** Faz doudas espirais...

Qual um sonho dantesco**** as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! “

E ri-se Satanás!...

Aqueles que foram considerados ouros negros pelos seus grandes valores de venda, quando chegavam ao seu destino, começavam uma nova vida, não muito melhor do que a anterior. A fuga dos escravos para o interior do território colonial era frequente. O sonho de liberdade e o desejo de desvincular-se da condição de escravo, levava os negros a abandonar os latifúndios, em grupo ou individualmente. Muitos que conseguiam esse feito juntavam-se em comunidades distantes da zona canavieira, em locais estrategicamente seguros, onde iniciavam uma nova vida. Dessa forma nasceram os quilombos, conhecidos como a maior e mais expressiva forma de resistência dos africanos. O quilombo de Palmares foi um dos principais. Isso ocorria porque o trabalho dos escravos acontecia em condições desumanas. Obrigados a trabalhar de forma incessante, por longas horas, aqueles que resistiam eram castigados, presos ao tronco e chicoteados. Os relatos que se passam entre os pesquisadores desta arte e entre os próprios capoeiristas é que os escravos se uniram e criaram uma nova forma de luta na qual se utilizavam de pés, mãos e cabeça. A capoeira apresenta essas características devido à incorporação de elementos da cultura africana, rica em folguedos, jogos, rituais e também devido à necessidade de dissimular a verdadeira intenção que havia por trás daquela dança, daquela brincadeira. De tanto dizer que iam pegar o negro na capoeira (mato ralo, que foi cortado) com o tempo, aquela forma de ataque, passou a se chamar capoeira. Vários autores atribuem ao período Quilombista, iniciado no final do século XVI, o surgimento da capoeira. De fato, a organização militar, o culto das tradições e a multiplicidade étnica que existiam nessas comunidades são fatores que podem ter contribuído para a criação da capoeira. Vieira (1997, p.11) afirma "que dificilmente terá existido, em toda história do Brasil, um ambiente mais propício para o surgimento de uma modalidade de luta como a capoeira".

*dançar = movimentos corporais que os escravos faziam enquanto eram chicoteados; **ri-se = expressão facial de “mostrar os dentes” de dor;

***serpente = relacionado ao movimento do chicote;

**** dantesco = relacionado aos horrores do “ inferno de Dante”.).

Porém, vários historiadores contemporâneos vêm apresentando em suas pesquisas, que a capoeira não se restringiu a uma prática exclusiva dos negros escravizados ou forros. Inegavelmente, trata-se de manifestação que se afirmou como bem cultural, com nítidos traços culturais africanos, mas jamais se constituiu numa manifestação homogênea. A dificuldade em precisar os fatos e datas relativos à origem da capoeira é decorrente de atitudes como a do então ministro das finanças da república Rui Barbosa. Ele ordenou a incineração de vasta documentação sobre a escravidão, pautado no argumento de apagar a história negra deste período. O quadro de John Moritz Rugendas intitulado “Jogar Capoeira” ou “Danse de La Guerre” de 1835 é um dos primeiros registros sobre a capoeira:

Fonte: http://www.centroreferenciacapoeiracarioca.net/fotos.php

A capoeira segue seu destino durante a escravidão e na luta abolicionista. A partir do Século XIX toma o espaço urbano principalmente nas cidades portuárias de Salvador e Rio de Janeiro.Várias manifestações afro-brasileiras, carregadas por um discurso higienista que julgava a superioridade da raça branca, foram perseguidas, como o samba e o candomblé. Desta época há muitos registros policiais sobre capoeiras causadoras de badernas e desordens, além do uso de violência. Data-se também do surgimento das maltas de capoeira, onde passaram a incorporar e organizar aqueles que se identificavam enquanto explorados. Provocavam a desordem pelos mais diversos motivos, desde disputa territorial até serviços com fins políticos. Nas eleições tumultuavam comícios e facções rivais, protegiam figurões da política e fraudavam. De acordo com Falcão (2004) as maltas expressavam através da capoeira uma clara resistência às ordens da burguesia.

Essa complexa rede, formada por africanos, crioulos e europeus, que viviam à margem da sociedade, tinha na capoeira o elo fundamental de afirmação identitária, construída a partir de uma tensa simbiose que destruía e reconstruía valores para além de componentes linguísticos, étnicos, de território e de nação, demonstrando o quanto a cultura poderia ser transformada pelos seus praticantes 'menos ilustres', que, mesmo provenientes de diferentes origens, arregimentavam poder e reconhecimento e redesenhavam a geografia urbana da já cosmopolita cidade do Rio de Janeiro, atropelando a vontade e os projetos da sua elite empenhada em transformá-la numa 'Paris dos Trópicos'.

Por essas e outras a capoeira entra no Código Penal.

O Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, instituído pelo Decreto nº 487, de outubro de 1890, oficializou a criminalização da capoeira em todo o território nacional, ao estabelecer, em seu Capítulo XIII, o seguinte:

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas, exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação capoeiragem (...) Pena: de prisão celular por dois a seis meses. & único: É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta.

Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranquilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes

(REGO, 1968, p. 292).

Apesar da proibição a capoeira não desapareceu, embora combatidas as maltas e a violência promovida por elas, a prática da capoeira continuava na clandestinidade. Os apelidos dos capoeiras e o toque de Cavalaria (toque específico para anunciar a chegada da cavalaria militar) advêm desta época.

Durante a década de 30, Manoel dos Reis Machado (o famoso mestre Bimba) dá uma nova roupagem à capoeira até então praticada, criando sequências sistematizadas como forma de treinamento. O fato de mestre Bimba ser um exímio lutador, que contava com um grande carisma popular, credenciou-o a impulsionar tais mudanças. Ele promoveu transformações nos aspectos físicos e simbólicos da capoeira, incorporando técnicas de outras lutas. Criando rituais, como por exemplo, o da formatura, incorporando à capoeira uma linguagem acadêmica, que a aproximou, assim, da cultura da classe burguesa. Outro fato importante promovido por mestre Bimba foi a sistematização do ensino da capoeira, tirando-a da rua e levando-a para as

academias. Bimba foi o criador da “capoeira regional baiana” ou simplesmente, “capoeira regional”.

Para conseguir esse feito podemos destacar duas características referentes ao contexto histórico da época: 1) conjuntura política que estimulava ideais nacionalistas pela forte influência do “Estado Novo” de Vargas na defesa de um modelo de ginástica que pudesse ser genuinamente brasileiro. Este discurso a favor da mestiçagem foi ganhando força, na medida em que as autoridades notaram a inviabilidade de negar o grande contingente negro que o Brasil possuía; e 2) a institucionalização apresentava- se como uma possível tentativa de cooptação e controle de uma arte que insurgiu de forma subversiva em alguns pontos do território nacional. Algumas cantigas de capoeira relatam o relacionamento da capoeira com o poder, com as instituições sociais. Exemplos:

“Para rodar capoeira, para vai ter que parar para roda de capoeira que a cavalaria acabou de chegar...”

“È tava na minha casa, sem pensá nem imaginá Governo mandô chamá, para ajudá a vencê a Guerra do Paraguá, ah, ah...”

“A marinha é de guerra, o exército é de campanha o bombeiro apaga o fogo, a polícia é que apanha...” (músicas de domínio Público)

A descriminalização da capoeira ocorreu através da sua esportivização. Era necessário colocá-la dentro dos valores da classe branca para ampliar sua aceitação. Portanto, vale ressaltar que para se adequar as normas sociais, a capoeira foi perdendo algumas características que representavam sua resistência. Foi através desta nova modalidade que surgiu a capoeira como forma de treinamento físico, inclusive em áreas militares. Até hoje é fácil encontrar alguns mestres que ministram suas aulas autoritariamente com discurso em favor da disciplina. A homogeneização e perfeição biomecânica dos movimentos também são originadas dessa época. Com a criação da capoeira regional, a capoeira se dividiu em duas vertentes e a antiga (capoeira mãe) ficou conhecida como capoeira angola, tendo como mantenedor, o Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha). A capoeira regional se diferencia da angola principalmente pela sistematização do ensino da capoeira. De acordo com Mestre Pastinha a capoeira de angola é: "mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista”.

De acordo com Mello (2000)

Na verdade a capoeira é uma só. Devemos compreender essas diferenças entre Angola e Regional como consequência de um período histórico em que o contexto e as influências sociais foram determinantes para que elas ocorressem, uma vertente não anula a outra nem tampouco a ela se sobrepõe, ambas se complementam, formando o universo simbólico e motor da capoeira (21).

A ação institucional que efetivou a desportivização da capoeira foi o seu reconhecimento pela Confederação Brasileira de Pugilismo, em 0l/0l /l973, como modalidade esportiva. Em 23 de outubro de 1992 é fundada a Confederação Brasileira de Capoeira que a partir daí, incrementa a prática da capoeira pelo viés desportivo. O tratamento desportivo dispensado à capoeira foi fomentado por algumas ações institucionais como, por exemplo, os campeonatos organizados pela Confederação Brasileira de Pugilismo, pela Confederação Brasileira de Capoeira, nos Jogos Escolares Brasileiros e no Programa Nacional de Capoeira.

Hoje existem aqueles que denominam a capoeira mais “moderna” de capoeira contemporânea. Mas como é que se dá esta “nova capoeira”? Quais são seus fundamentos? Em que moldes está inserida?

Uma capoeira baseada na derrota do oponente; competição inclusive nos ringues e tatames. Isto é o que nos preocupa. Hoje podemos encontrar a capoeira em várias instituições, vários países, na mídia, só para citar alguns. Porém nem todas as formas que vêm sendo praticadas carregam em si a “essência da capoeira”. A luta de resistência perde cada vez mais espaço para a alienação. Os corpos ágeis e mandingueiros perdem para os corpos fortes e “sarados” que a sociedade valoriza. O som de uma bateria de capoeira de raiz completa (berimbaus, atabaque, pandeiros, agogô e reco-reco) é substituído por um aparelho de som, onde nem sempre é possível identificar as letras que são reproduzidas. Os mestres sábios são desvalorizados e os camaradas de jogo tornaram-se adversários.

A capoeira está voltada para o mercado globalizado. Vendem a capoeira a qualquer preço, mesmo que para isso seja necessário esconder os traços de luta e resistência que a capoeira fez surgir e que em muitos lugares ainda luta e resiste.

No documento CONTRIBUIÇÕ S ARA A P T CA DO NT (páginas 145-150)