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R OUSSEAU E O C ONTRATUALISMO S OCIAL

Se trabalhamos o contratualismo na sua formação com os ingleses Thomas Hobbes e John Locke, não podemos deixar de citar o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que com sua obra “O Contrato Social” fomentou o ideário iluminista francês que guiou os preceitos básicos da Revolução Francesa.

Natural de Genebra, onde dois séculos antes João Calvino juntamente com outros pensadores implantou sua filosofia reformadora, Rousseau nasceu numa família que seguia exatamente os preceitos calvinistas, fugindo para França aos 16 anos, trabalhando em diversas profissões e caminhando em várias camadas sociais.108

106 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Ob. Cit. São Paulo: Editora Saraiva, 9ª Edição,

2008, pp. 169-70.

107 Neste sentido: “O despotismo de um só – indivíduo, corpo ou povo – tem por origem a confusão das

três instâncias, legislativa, executiva e judiciária, que compõem um Estado. A condição da liberdade é, pois, uma separação dos poderes – concebida como independência e complementaridade – que garante sua cooperação e um funcionamento justo e eficaz. Da lei de divisão dos poderes, Montesquieu espera a realização da liberdade política. Nisso ele é moderno: substitui a confiança nos atores do corpo político, com os riscos que ela comporta pela necessidade de um mecanismo (o funcionamento imanente a poderes separados”. (BARAQUIN, Noëlla; Jacqueline Laffitte. Dicionário Universitário dos Filósofos. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p. 221).

108 BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Ob. Cit. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p.

Inicialmente, estuda a natureza do homem, partindo do pressuposto do estado de natureza. Contudo, diferentemente do seu antecessor Hobbes, não considera o homem mau por natureza ou em constante estado de guerra. Identifica, outrossim, que o homem é corruptível pelo nível de socialização na qual encontra-se inserido.

Rousseau considera que a corrupção não está ligada à natureza da sociedade, mas no resultado da socialização desta. Em outras palavras, a corrupção não é anterior, e sim posterior, de modo que primeiro a sociedade se forma e somente após esse processo será possível perceber como a socialização acontecerá.

Se analisarmos esta parte da filosofia rousseauniana podemos identificar que para ele o homem não é bom ou mau, como classifica Thomas Hobbes desde o princípio. O homem pode, na verdade, se tornar bom ou mau de acordo com o modelo principiológico que rege sua sociedade.

Por isso o homem natural se caracteriza e se diferencia dos outros animais por sua liberdade, que pode ser reconhecida por ele próprio, motivo pelo qual o homem pode, utilizando-se de sua liberdade, agir de acordo com sua consciência liberta, seja para o bem ou para o mal.

O que caracteriza o homem natural? Ele está próximo da animalidade, vive num estado de dispersão e ignora o trabalho. Distingue-se porém do animal por sua liberdade; o animal não faz mais do que obedecer ao instinto, enquanto o homem “se reconhece livre de aquiescer ou resistir”. Ele pode portanto fazer tanto o bem como o mal.109

A ideia de liberdade do homem vai além daquela pensada antes, sobretudo por Thomas Hobbes, na qual todos os homens abrem mão de sua liberdade em nome do Estado-Leviatã para que este governe em busca de um Estado Eclesiástico e visando o fim do estado de guerra.

Esta liberdade de Rousseau foi erguida como uma das bandeiras primordiais da Revolução Francesa, isto porque o homem, apesar de próximo da animalidade, se distancia da mesma a partir do momento em que usa sua liberdade e age na sociedade de acordo com uma consciência pensante e ciente de ser livre.

Ademais, diferente dos animais, o homem também pode se aperfeiçoar não apenas ao meio em que vive, mas num todo, desenvolvendo suas plenas faculdades, enquanto os animais agem por instinto e se adaptam ao meio. O homem, assim, pode se

109 BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Ob. Cit. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p.

tornar melhor ou pior do que já é, uma vez que este desenvolvimento não significa necessariamente que será um progresso moral e ético.

Novamente em contrassenso com Hobbes, Rousseau pensa, com isso, que o homem natural é naturalmente bom e que o fato de haver corrupção na sociedade não faz pressupor que todos os homens são maus por natureza, mas sim que ela se desenvolve e se aperfeiçoa com sua socialização, do mesmo modo que as virtudes também podem se desenvolver com esta mesma base.

Rousseau entende que não é necessário supô-lo mau por natureza para explicar sua corrupção: “Não há perversidade original no coração humano, e os primeiros movimentos da natureza são sempre retos”. Essa bondade não é um valor ético e se situa aquém da consciência do bem e do mal. Ela constitui uma “moral natural”, uma inocência original, uma disposição psicológica.110

O homem natural, portanto, parte do “zero”, sem pender para o “lado bom” ou o “lado mau”. No seu nascimento o homem está naturalmente sem quaisquer juízos de valores, sendo os axiomas resultados da socialização inerente ao grupo em que ele está inserido e convive.

Não se trata de afirmar que o homem natural será totalmente influenciado pela sua sociedade, mas que esta exerce sim influência capital sobre a formação do pensamento, até porque se considerarmos o homem inteiramente determinado por esses valores não teríamos mudanças e revoluções, de modo que o seu raio de alcance seria relativo, de acordo com a sociedade e com a mentalidade, bem como a consciência do ser que a recebe.

Todavia, isso não significa que Rousseau não tenha concebido um “estado de guerra” entre os homens, como o fez Thomas Hobbes. Mas, diferente deste, Rousseau considera a corrupção do estado de natureza à desigualdade existente entre os homens, principalmente quando analisado o direito de propriedade, em que poucos possuíam muito, encontrando assim o estado de guerra como ponto final deste processo (e não o ponto inicial, como no modelo hobbesiano).

A desigualdade encontra sua expressão na propriedade, apropriação arbitrária do que, pertencendo a todos, não pertencia a ninguém. Ora, como não é reconhecida por nenhum direito, ela só pode ser defendida pela força e é submetida portanto à lei do mais forte, donde uma guerra de todos contra todos. Encontramos aqui, como ponto de

110 BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Ob. Cit. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p.

chegada desse processo de corrupção do estado de natureza, o que Hobbes considerava um ponto de partida.111

Tal qual em Roma com os Patrícios, a lei surgiu para proteger a propriedade dos abastados, separando os ricos possuidores de terras dos pobres, que pouco ou nada tinham no quesito liberdade. O abismo social entre ricos e pobres, em alguns lugares do mundo, separa mais do que a diferença racial entre brancos e negros, por exemplo, como pode ser visto na História Geral do Brasil.

A saída, por evidência, foi a criação de um sistema capaz de legitimar a propriedade, ao mesmo tempo em que propiciava a criação do abismo econômico entre as classes dominantes frente aos “seus subjugados”, que apesar de em número muito maior, não possuíam o controle do aparato estatal da minoria abastada.

Apesar disso, Rousseau pensa numa forma de “impedir” o abuso legal realizado pelos ricos em detrimento dos pobres pelo uso de sua força legal, momento no qual surge a ideia do Contrato Social como mecanismo regulador de toda a situação.

Sendo assim, os ricos criaram um sistema que legitimava sua propriedade, mas na verdade usurpavam algo que não lhes pertencia. Entretanto, o Contrato Social que regularia a situação estabelecida traria benefícios para todos, tanto os ricos como os pobres, nos dizeres do professor Milton Meira do Nascimento: “O maior beneficiário dessa nova situação é aquele que possuía mais bens, o rico. Por outro lado, o pobre, que já não possuía muita coisa, continuará na mesma situação. As leis fornecerão a todos a condição nova da igualdade apenas, e se construirão no mascaramento da desigualdade de fato”.112

A questão do contrato é importante de ser analisada, porque no pensamento de Rousseau ele vai além daquilo que fora pensado antes por Thomas Hobbes e John Locke. Não é um simples instrumento que convalida a existência do Estado e do poder de atuação deste. É, mais do que isso, uma forma de impedir as desigualdades que surgem pelo sistema legal legitimador da propriedade.

Inferimos, assim, que o contrato social se coloca contra o modelo jurídico até então existente, no qual a lei nada mais é do que a legitimação da força (como no exemplo da usurpação da propriedade). Não há realismo jurídico, pois o contrato não pode advir da experiência e sim da razão humana.

A transição do estado natural ao civil produz no homem mudança notável, substituindo em sua conduta a justiça do instinto e dando aos

111 BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Ob. Cit. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p.

263.

112 CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Ob. Cit. São Paulo: Editora Revista dos

seus atos a moralidade de que antes careciam. Somente então, substituindo a voz do dever ao impulso físico e o direito do apetite, o homem que, até tal ponto, não observava senão a si mesmo, vê-se obrigado a agir, tendo em conta outros princípios e a consultar sua razão antes de atender a caprichos. [...] O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele ganha, é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.113

Renunciando ao direito natural, o homem encontraria nas leis civis aspectos que não possuiria na sua naturalidade, uma vez que egoísta, como acontece com a usurpação da propriedade. A moralidade vem pela razão, constituída pelo contrato social e atingida por todos os homens quando renunciam a sua naturalidade.

O contrato social seria a forma de legitimação do poder político com base na razão humana. Apesar de parecer conflitante com o princípio primeiro de Rousseau sobre a liberdade natural do homem, tal legitimação encontra total respaldo justamente nesta condição, em que a sociedade se estabelece com regras comuns a todos, respeitando-se a liberdade.114

Estas cláusulas [do contrato social], bem entendidas, reduzem-se a uma só, a saber: a alienação total de cada associado com todos os seus direitos a favor de toda a comunidade, porque primeiramente, entregando-se cada qual por inteiro, a condição é igual para todos, e, por conseguinte, sendo esta condição idêntica para todos, nenhum tem interesse em fazê-la onerosa aos outros. Ademais, verificando-se a alienação sem reserva, a união é tão perfeita quanto possível e nenhum associado tem direito a reclamar, porque se restassem aos particulares alguns direitos, como não haveria superior comum que pudesse sentenciar contra eles e o público, sendo cada qual, em certo ponto, seu próprio juiz, pretenderia sê-lo em tudo. O estado natural subsistiria e a associação degeneraria necessariamente a tirânica ou vã.115

Chegamos à ideia de soberania trabalhada na filosofia rousseauniana, na qual o povo soberano é a força legítima e o detentor único de todo o poder, que emana dele e legítima o Estado, sendo o povo o agrupamento de pessoas que, unidos, formam um corpo coletivo e moral pela virtude de um contrato social.

113 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social – Princípios de Direito Político. Rio de Janeiro:

Editora Ediouro, 19ª Edição, 1999, p. 39.

114 Neste sentido: “Trata-se de definir as condições de uma ordem social justa, em que a liberdade e a

igualdade serão garantidas contra toda forma de opressão, em que cada um, ao mesmo tempo que obedece a regras comuns, sem as quais não há sociedade organizada, não obedecerá a ninguém em particular”. (BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Dicionário Universitário dos Filósofos. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p. 264).

Desta feita, o contrato elaborado se caracteriza por ser original e fundador desta determinada sociedade, na qual todos os homens abrem mão de sua liberdade natural em prol da coletividade, desde que a condição estabelecida no contrato social seja igual para todos, sem distinção, fazendo com que da renúncia à vontade individual nasça no seu âmago a vontade geral.

“Encontrar uma forma de associação que defensa e proteja a pessoa e os bens de cada associação de qualquer força comum, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, ficando assim tão livre como dantes.” Tal é o problema fundamental que o Contrato Social soluciona.116

A ideia de renúncia da vontade não nos soa estranha e se assemelha ao que vimos sobre o pensamento de Thomas Hobbes, não fosse por um detalhe: enquanto no pensamento hobbesiano o homem abre mão de sua liberdade em nome do Estado Soberano, Rousseau concebe que cada homem renunciará à sua liberdade em nome dos outros homens, da comunidade, da sociedade em que vive.

Não se pode olvidar ainda que no modelo de Thomas Hobbes não existe a particularidade da participação do homem, isto é, na sua concepção, cada homem abre mão de exatamente tudo para criação do Estado-Leviatã. Em Rousseau o homem conserva direitos e liberdades e ainda participa do resultado, que é o corpo político.117

Podemos perceber essa distinção mais claramente quando analisamos os termos utilizados por ambos. No modelo hobbesiano, temos o “Estado Soberano”, enquanto no pensamento rousseauniano encontraremos a expressão “Povo Soberano”, estabelecendo com isso uma importante diferença, até mesmo nos seus fundamentos (o primeiro serviu de base ao modelo de absolutismo e o segundo ao de monarquia constitucional).

O homem entrega sim seus direitos naturais ao Estado, mas em troca recebe um emaranhado sistema de direitos civis capazes de resguardar a sua integridade física e

116 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ob. Cit. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 19ª Edição, 1999, p. 35. 117 Ainda: “Entende Rousseau que, no momento em que todos renunciam à totalidade de seus direitos,

com a criação do Contrato Social, forma-se um corpo político detentor de todos os direitos e do qual todos participam. O eu absoluto cede ao eu relativo. A esse corpo moral, corpo político, Rousseau dá o nome de soberano, que consiste num resultado da soma dos direitos de todos os homens, e todos os homens dele participam. Com efeito, cada um tem uma parte indivisa nos direitos do todo, igual àquela com que contribuiu para formá-lo. O soberano é assim constituído pela vontade unânime de seus componentes. Portanto, vê-se que, para Rousseau, o corpo político chamado soberano tem sua vontade própria, que ele chama de “vontade geral”. Ela, por definição, não pode errar, então não pode deixar de conduzir ao bem comum. Com efeito, Rousseau não atribui o caráter quantitativo, mas sim qualitativo a essa vontade. Para ser verdadeira, a vontade geral deveria ser, nos seus fins, como na sua essência e deveria partir de todos para ser aplicada a todos, caso contrário, tenderia a uma vontade inicial que não seria regida pelo princípio da equidade”. (CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria Geral do Estado e Ciência Política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, 2012, p. 213).

moral, pois são características encontradas no próprio homem que fundamentam a auto- sobrevivência do Estado.

Entregando, momentaneamente, ao Estado os direitos naturais, em toda sua pureza, e recebendo, em troca, os direitos civis, todos se beneficiarão, a igualdade ficará resguardada, ninguém será prejudicado, todos conservarão sua parcela de liberdade, porque o cidadão se torna súdito não de outro cidadão, mas do Estado, síntese das liberdades individuais.118

Certamente agora rompemos completamente com a ideia de que Hobbes e Rousseau possuem o mesmo postulado teórico, já que para Hobbes o homem abandona o seu estado natural e entrega ao Soberano a sua liberdade, enquanto para Rousseau o homem entrega o seu direito natural ao Estado em troca das leis civis que lhe garantem a preservação dos seus direitos, o que inclui a sua liberdade, moderada pela própria lei que a garante para que não sejam cometidos abusos em seu nome.

Também não podemos nos esquecer de que em Hobbes os homens, ao entregarem sua liberdade, se tornam súditos do Soberano, seja um homem ou uma assembleia reunida. Rousseau prega o sentindo inverso, no qual os homens permanecem com suas liberdades (moderadas) e se tornam súditos do Estado, jamais de uma pessoa, ou haveria a desvirtuação da liberdade.

A autonomia (ou liberdade) é preponderante para compreensão do desenvolvimento do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, isto porque nenhum individuo é obrigado a participar da associação de homens, já que a validade do contrato social é a unanimidade dentre os contratantes. Uma vez aceita, passará a ser essa regra majoritária que determinará a regra geral.

Tal concepção parece arbitrária, mas na realidade demonstra a maturidade da construção da ideia contratualista de Rousseau, sendo inclusive base posterior para o primado democrático das repúblicas ocidentais, isto porque a obediência à vontade geral, ainda que contrária aos pensamentos de alguns cidadãos se torna a expressão da soberania e esta obediência vem justamente da liberdade.

Embora a vontade geral, expressão do interesse comum, vá de encontro aos meus interesses egoístas, a própria lógica do contrato exige que eu, como sujeito obediente à soberania, me sinta obrigado

118 CRETELLA JÚNIOR, José. Ob. Cit. Rio de Janeiro: Editora Forense, 12ª Edição, 2012, p. 139.

Ainda neste sentido, Jean-Jacques Rousseau considerou: “Submetendo-se cada um a todos, não se submete a ninguém em particular, e como não há um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se cede sobre si próprio, ganha-se a equivalência de tudo o que se perde e maior força para conservar a que se possui”. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social – Princípios de Direito Político. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 19ª Edição, 1999, p. 36).

por uma decisão que resulta do exercício dessa soberania. Obedecendo, continuo livre, pois é a mim mesmo que obedeço: “Quem se recusar a obedecer à vontade geral será constrangido a fazê- lo por todo o corpo, o que não significa outra coisa senão que será forçado a ser livre”.119

A lei, portanto, não é arbitrária, mas sim imperativa, de modo que a vontade geral, aquela expressada pela unanimidade quando da deliberação legislativa, será obrigatória ainda que alguns não concordem com ela. Tudo isso decorre porque a vontade geral é soberana.120

Claro que como em toda relação que envolva grande número de seres humanos é necessário ter a consciência de que estes erram e se enganam, mas não a vontade geral, de modo que a sua natureza será sempre a mesma e buscará, a exemplo do preceituado por Aristóteles, o bem comum, que jamais terá base errônea.

As cláusulas deste contrato determinam-se em tal forma pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de sorte que, embora não tenham sido nunca anunciadas, são elas sempre as mesmas, embora tacitamente aceitas e reconhecidas até que, violado o pacto social, cada qual entra de novo na posse de seus direitos e recupera sua liberdade natural, perdendo a convencional em virtude daquela que renunciou.121

Essa passagem expressa bem o que se deve entender pela obediência ao contrato social. Uma vez desvirtuado ou tendo suas regras caráter puramente individualistas, cada homem participante deste contrato retoma o seu status primitivo, retirando do Estado o outrora cedido direito natural e retomando sua liberdade, até que nova associação de pessoas crie novo pacto que vise o bem comum e não seja desvirtuado para excentricidades particulares.

Ademais, é importante distinguir na filosofia rousseauniana que vontade de todos não é a mesma coisa que vontade geral, sendo que “todos” concebe a ideia de soma de vontades particulares, enquanto a vontade geral advém da soma de pequenas diferenças, em que cada cidadão exprime exatamente a sua opinião.

119 BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Ob. Cit. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p.

264.

120 Neste sentido: “A lei não é imperativo arbitrário, mas expressão da vontade geral, já que a vontade de

todos é consubstanciada na soberania, que não é privativa de um ou de pequeno grupo: quando o povo, de posse da informação adequada, mantém suas deliberações, sem que os cidadãos tenham tido comunicação entre si, o total geral das pequenas diferenças originará sempre a vontade geral, e a decisão será boa”. (CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 12ª Edição, 2012, p. 139).

Essa importante distinção somente é possível pela deliberação, em que se poderá identificar quando o individuo se exprime visando uma finalidade particular sua ou em conjunto com um grupo (“todos”) e quando a sua opinião, mesmo que divergente,