• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 INTERDISCIPLINARIDADE E PRÁTICAS

3.4 A Escola da Ponte

As escolas abertas portuguesas surgiram da necessidade de reconstruir o espaço escolar. Conforme Marchelli, Dias e Schmidt (2008), em 1941 um ciclone destruiu muitos prédios escolares, o que levou ao aproveitamento de espaços abertos. As paredes entre as classes deixaram de existir, possibilitando uma ação pedagógica diferente da tradicional. Alunos e professores começaram a compartilhar um mesmo espaço; portanto, foi necessário repensar as formas metodológicas de ensino tradicionais que na época foram adotadas, o que conduziu a uma linha de ação pedagógica progressista.

Apesar de terem sido criadas várias escolas com essa característica em Portugal, muitas delas foram deixando de existir ao longo das décadas de 1970 e 1980 para retomarem o caminho e a arquitetura das escolas tradicionais. Na década de 1990 quase todas fizeram esse caminho de volta. Segundo os autores aqui citados, possivelmente vários fatores influenciaram esse processo: o despreparo dos professores para esse tipo de ação pedagógica, a falta de formação adequada para que se sentissem seguros, a falta de informação ou todos esses fatores contribuindo uns com os outros.

Na contramão do movimento de volta ao trabalho tradicional, a Escola da Ponte buscou um caminho próprio para resolver seus problemas cotidianos e efetivar um trabalho que dignificasse as experiências de aprendizagem de seus alunos (PACHECO, 2001). Essa escola foi fundada pelo Professor José Pacheco, em Lisboa, Portugal, na década de 1970, muito embora seu início remonte a 1941. Hoje, encontra-se consolidada como escola de referência pelo Ministério da Educação de Portugal, mantendo as características de escola aberta desde que foi (re)criada.

Resistindo ao retorno para a adoção do modelo tradicional ensino, a Escola da Ponte hoje se apresenta com características próprias, progressistas. Tais traços subjazem em um projeto pedagógico que apresenta uma Carta de Intenções, a qual é elaborada conjuntamente com a comunidade escolar.

Nessa escola se trabalha com um currículo organizado em seis dimensões consideradas fundamentais, quais sejam: desenvolvimento linguístico, desenvolvimento lógico-matemático, desenvolvimento naturalista, desenvolvimento identitário,

desenvolvimento artístico e desenvolvimento pessoal e social. Todas elas são trabalhadas por meio de metodologias próximas ao paradigma construtivista.

O voluntariado é parte das formas de trabalho que ali acontecem como meio de enriquecimento do ensino formalizado, social ou afetivo de que participam membros da comunidade e da família dos estudantes. Engenheiros, jardineiros, donas de casa, entre outros, colaboram com a escola ou com a aprendizagem dos alunos ─ neste último caso, tratando de temas específicos, realizando palestras ou subsidiando trabalhos escolares. Nesse universo de voluntários, há pessoas que possuem desde uma formação elementar até uma pós-graduação, sendo todos considerados importantes no papel que desempenham na colaboração escolar.

Embora o currículo da Escola da Ponte seja declarado disciplinar em sua Carta de Intenções (PORTUGAL, s.d., p. 19), na aprendizagem não há separação por disciplinas. É realizado um trabalho transversal, que considera as dimensões fundamentais curriculares e o currículo subjetivo. Este último é entendido como aquele próprio de cada aluno, considera tanto sua capacidade de aprendizagem quanto o momento de gradação de aprendizagem singular de cada um; assim, não são gerados nos alunos os sentimentos de fracasso e incapacidade.

Na proposta curricular dessa escola não se separa a aprendizagem do sentimento, do sujeito subjetivo, daquele que aprende. Cada aluno é concebido como “[...] único e irrepetível na sua complexidade [...]” (PORTUGAL, s.d., p. 18); e a aprendizagem é considerada como um movimento que envolve um sujeito completo, que percorre um caminho também único e irrepetível, um percurso complexo entre razão e sentimento.

O trabalho de desenvolvimento do conhecimento é pautado em projetos de estudo, selecionados pelos alunos com a ajuda do professor. Não há aulas dadas como vemos nas escolas comuns, mas um esforço individual e coletivo em aprender, respeitando a cultura do aluno. Nesse processo, os estudantes se ajudam em regime de colaboração individual ou em grupo, exercitam a autogestão do tempo, dos espaços e da aprendizagem e, quando necessitam, solicitam ajuda do professor/orientador educativo.

A ação do professor se caracteriza por um trabalho de orientação educativa ou de coorientação. Os alunos são reunidos em grupos de oito a dez crianças para receber orientações do docente, como suporte para o avanço do conhecimento.

As avaliações escolares são singulares, não há dias ou momentos pré- determinados para aplicação de provas que avaliam o conhecimento, como a grande

maioria das escolas que temos na atualidade. Na escola da Ponte, é o aluno quem indica o momento em que se sente preparado para ser avaliado, não havendo, portanto, um período previsto para que se concluam tópicos de aprendizagem. Todavia, na avaliação não é considerado só o currículo objetivo. Também faz parte dela o domínio afetivo e emocional que o aluno apresenta, além das competências tecnológicas avaliadas em uma perspectiva de domínio transversal do conhecimento.

A participação dos pais, dos funcionários e dos gestores no projeto pedagógico construído colaborativamente é uma das características em que se apoia a escola. Conforme apontam Marchelli, Dias e Schmidt (2008, p. 8), “[...] se estabeleceu no âmbito da comunidade envolvida referenciais de pensamento e ação balizados e orientados segundo a participação democrática de todos os agentes e parceiros na vida escolar e na administração educativa [...]”. Isso permite que a qualquer tempo os pais participem e interfiram na aprendizagem dos alunos, desde que se mostrem concordantes com as propostas explicitadas na Carta de Intenções e fundamentados nas necessidades por eles observadas.

Anualmente, professores, alunos e projeto pedagógico passam por uma avaliação externa, que denota um forte controle comunitário sobre as ações da escola aberta e auxilia na condução do projeto. De acordo com Marchelli, Dias e Schmidt (2008, p. 5), “não há planos de ensino preestabelecidos, nem currículos, apenas propósitos que são cumpridos segundo o controle rigoroso da avaliação externa, que submete a todos, professor e alunos, a um trabalho exaustivo de ensinar e aprender [...]”. Esse tipo de ação sinaliza o quanto a participação externa é presente e atuante, podendo o projeto pedagógico ser rediscutido em suas intenções declaradas, se necessário.

Apesar do forte controle avaliativo no que concerne ao sucesso ou ao fracasso dessas declaradas intenções, as responsabilidades são consideradas na horizontalidade das relações. Ademais, a avaliação é considerada um ponto importante de análise e discussão para a proposição de mudanças cujo planejamento é necessário e não um modo de culpabilização.

Várias escolas no Brasil adotaram o percurso pedagógico da Escola da Ponte, algumas com assessoria direta do Professor José Pacheco, seu idealizador. Pouco se tem divulgado sobre essas experiências, que ainda estão estágio inicial, muito embora algumas delas já acumulem vários anos nesse trajeto.

Como não é possível a importação das estratégias de ensino, da Carta de Intenções ou do projeto pedagógico da escola da Ponte como manual para as escolas interessadas nesse modelo de ensino, o percurso de estabelecimento para trabalhos com essas características necessita de tempo para que haja um auto olhar para todos os aspectos que envolvem a situação escolar e principalmente para os que precisam ser revisitados. Desse modo, cada escola deve buscar seu próprio caminho e considerar sua realidade, sua comunidade e suas necessidades para estabelecer um modelo próprio, desencadeador do que se quer seguir.