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CAPÍTULO 3 INTERDISCIPLINARIDADE E PRÁTICAS

3.1 As escolas experimentais

Movidas pela influência dos ideais escolanovistas, as escolas experimentais traçaram um caminho diferente das escolas da época. Opunham-se a estas, que eram apegadas ao ensino tradicional de caráter transmissivo.

Criada em 1932, a escola Bárbara Ottoni, localizada no Rio de Janeiro e idealizada por Anísio Teixeira, é sustentada pelo discurso da necessidade da escola progressista e democrática e pela busca da superação do “[...] descompasso entre o progresso material e o espiritual [...]” (SIQUEIRA; COUTINHO; PORTILHO, 2011, p. 4). Isso fornece um terreno fértil para a implementação da primeira “Escola Experimental” do Brasil. As propostas pedagógicas dessa escola estavam assentadas no respeito e na colaboração, nas atitudes de tolerância e na compreensão, no entendimento de que o saber é oferecido ao aluno e de que este vai se apropriando dele a sua medida, segundo suas capacidades e suas experiências vividas.

Adotou-se o trabalho com projetos como metodologia de ensino. Em cada ano um projeto era explorado segundo os interesses dos alunos, os quais participavam ativamente das decisões, opinando sobre o tema central a ser estudado, sobre o modo como seria conduzido, bem como sobre seu desenvolvimento. Todas essas questões eram discutidas exaustivamente pelos alunos, junto com seu (sua) professor(a), exercício que estimulava o diálogo e auxiliava de modo natural os alunos mais tímidos a colocarem o que pensavam, muitas vezes fazendo contraposição às ideias dos colegas, o que indica a eficácia do método adotado para o crescimento socioafetivo desses alunos.

Professoras que atuaram nessa época na escola Bárbara Ottoni afirmam que o trabalho realizado com os alunos por meio dos projetos superava a disciplinaridade nas questões discutidas e estudadas. A interdisciplinaridade aparece indissociável na dinâmica desse método: “Havia mais que interdisciplinaridade, havia cumplicidade,

quase se pode dizer, entre todas as matérias. O assunto que surgisse era desenvolvido [...]” (SIQUEIRA; COUTINHO; PORTILHO, 2011, p. 6).

De forma natural e fluente, a interdisciplinaridade não aparece como preocupação para as professoras, elas tratam essa questão com naturalidade, como uma forma mais rica de entrelaçar o conhecimento do aluno e os conteúdos curriculares propostos. Ela é entendida como algo inerente a esse tipo de ação pedagógica e ao aprendizado humano, o que aparece claramente na fala de uma das professoras: “Foi uma experiência ótima, em que mesmo Ciências, Geografia, História e tudo isso era estudado a partir daquela horta. As redações, todo o nosso estudo era feito assim” (SIQUEIRA; COUTINHO; PORTILHO, 2011, p. 7). Uma professora, por exemplo, relata sobre um projeto denominado Projeto casa. Nele estudava-se desde a casa de barro até a de tijolos, explorando todas as possibilidades que surgem em relação às diferentes áreas de conhecimento.

O relato das professoras nos permite afirmar que essa foi uma experiência positiva que estimulou o diálogo entre os alunos e os professores e entre os próprios docentes, sem deixar de lado a direção da escola, que também se envolvia nesse processo. Ademais, o trabalho com projetos levava alegria e prazer para os alunos e os professores, aproximando a aprendizagem de um modo mais natural, flexível e interdisciplinar de ensinar e aprender coisas novas.

A Escola Experimental Bárbara Ottoni manteve essa atividade experimental de 1932 até 1936, ano de seu encerramento. Hoje ela ainda existe, muito embora com as características normais de uma escola pública brasileira.

A Escola Experimental da Lapa, em São Paulo, conforme Viégas e Souza (2012, p. 502), foi uma “[...] unidade oficial de pesquisas da Secretaria de Educação [...]”. O então Grupo Escolar Experimental da Lapa teve sua proposta idealizada em 1959, a qual foi implementada no ano subsequente. A escola era conduzida pela ideia da aprovação automática, na tentativa de minimizar a reprovação e a evasão escolar, e tinha a intenção de oferecer um ensino democrático e de qualidade à população. Objetivava-se que suas ações pedagógicas fossem transpostas para as demais escolas públicas.

Sua proposta pedagógica tinha por princípio que cada aluno seguisse seu ritmo próprio e único de aprendizagem. Cada criança deveria ser considerada individualmente em relação às possibilidades de avanço na apropriação do conhecimento. Para além dessa inovação, a Escola Experimental da Lapa ousava como escola inclusiva, e recebia alunos

com necessidades especiais, os quais eram atendidos nas salas de aula regulares, algo bastante inovador para a época.

No atendimento a sua concepção de aprendizagem, diferentes estratégias de ensino eram utilizadas pelos professores. O lúdico e as artes se faziam presentes, na intenção de aproximar o aluno das ações pedagógicas propostas.

Outra característica desse projeto experimental é a aproximação da escola com os pais, já que por meio dessa relação se ofereciam esclarecimentos sobre a proposta pedagógica. Objetivava-se o apoio para o prosseguimento de suas ações, pois as questões da aprovação automática e da utilização de conceitos, adotados no lugar da tradicional avaliação quantitativa (sistema de notas), eram novidades muito polêmicas na sociedade, o que causava estranheza e desconfiança em muitas pessoas.

A avaliação era feita por meio da observação cotidiana dos alunos, sendo analisados os progressos e as potencialidades que cada um apresentava. Essa ação era concebida como um modo de avaliação contínua para que, ao final do ano letivo, tivessem-se parâmetros para situar os alunos no ano subsequente.

Embora não houvesse reprovação, havia preocupação com aqueles alunos que necessitavam de reforço para acompanhar minimamente o conteúdo previsto para o ano seguinte. Para eles, havia atividades pedagógicas no período oposto às aulas regulares, que se propunham a dar suporte para a superação das dificuldades apresentadas.

A Escola Experimental da Lapa foi extinta pela Secretaria de Educação de São Paulo por ser uma escola de alto custo, o que também inviabilizava que propostas dessa natureza fossem adotadas nas demais escolas públicas. Hoje ela ainda existe, mas tem os mesmos traços de uma típica escola pública brasileira.

O relato de um educador da época que trabalhou nessa escola nos mostra como aconteceram os encerramentos desse modelo de escola:

[...] tomou-se conhecimento do desmonte das escolas experimentais (iniciado na Ditadura Militar e concluído na década de 1990), caracterizado não apenas pelo fechamento das escolas, como também pelo sistemático apagar de sua memória. Corroborando sua avaliação, ele relatou que houve um incêndio na biblioteca da escola, quando muitos documentos foram dizimados. (VIÉGAS; SOUZA, 2012, p. 507).

Tanto as escolas experimentais quanto os ginásios vocacionais foram sufocados por uma política não interessada em inovações educacionais, incompatíveis com o interesse do estado totalitário instaurado em nosso país. Assim, “[...] experiências bem-

sucedidas são interrompidas por simples remoção de pessoas-chave nelas envolvidas, por corte de verbas, dificultando as soluções administrativas necessárias ou, ainda, por proposição de leis que ficam ‘no papel’ sem serem viabilizadas” (VIÉGAS; SOUZA, 2012, p. 507).

A essas questões associamos a perseguição e o exílio de muitos educadores brasileiros por defenderem interesses contrários à ideologia de um Estado totalitário, sendo considerados na época como comunistas e perigo nacional. A dificuldade do resgate dessas experiências por meio dos poucos documentos que restaram da época pode ser parcialmente transposta por histórias orais daqueles que participaram dessas propostas educacionais.

As escolas experimentais e os ginásios vocacionais tiveram um breve período na história da educação brasileira. Contudo, ainda hoje não foi concretizado em nosso sistema escolar um trabalho vanguardista como esse ou algo semelhante a essas experiências, adequando-as obviamente às necessidades e ao contexto atuais. Um olhar atento para essas experiências educativas e para a revisitação desse lócus podem contribuir para a proposição de inovadoras formas de democratização da escola pública.