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CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AOS CONCEITOS DE

1.4 Erich Jantsch

A interdisciplinaridade é discutida por Jantsch22 (1973) a partir da necessidade social. Ele concede à universidade especial destaque, indicando três funções a ela inerentes: ensino, pesquisa e serviço. Dada como lócus de desenvolvimento desses três fundamentos, ela é convocada a uma organização diferente da que atualmente temos, tendo por objetivo traçar um contorno inovador nesses campos da atuação humana.

Busca-se, segundo o referido autor, a superação de um modelo linear desenvolvido e instaurado na ciência. Para tanto, a universidade é chamada a exercer o papel de agente institucional politicamente compromissado com novas formas de pensamento e ação, quando se trata das pressões que impulsionam novas formas de pensamento e organização: “[...] par as nature, notre action en faveur du changement,

pour conservatrice et linéaire qu’elle soit, suscite des pressions croissantes au profit de modifications structurales du système, et en particulier de ses formes institutinnelles” (JANTSCH, 1973, p. 101)23

O autor fundamenta sua tese tratando da consolidação de um modelo de desenvolvimento científico assentado em um modo de organização fragmentário que à época, não dava mais conta de responder às necessidades sociais de um mundo que se mostra em constante transformação. Ele afirma que deve ser estabelecido um novo modo de organização do ensino, com vistas aos avanços da ciência, já que o modelo científico técnico e linear se encontra esgotado de forma bastante visível e declarada pela insatisfação do atendimento das necessidades humanas e sociais.

Essa situação, conforme Jantsch (1973), reflete a importância crescente da criação de novas formas de ensino. Isso decorre do constante desconcerto quando nos deparamos com manifestações estudantis que declaram a necessidade de uma nova forma institucional, da organização universitária e do ensino, reforçadas pelo reconhecimento do esgotamento da ciência objetiva para responder a questões atuais de complexidade.

Nessa lógica, é proposta uma organização universitária que considere a universidade como “[...] une institution politique [...] à tous niveaux de compétence [...]"24. Com isso, "[...] l’ université devra accomplir ces tâches en tant qu’ institution, et non pas seulement para l´ intermédiaire des individus membres de sa communauté […]”25 (JANTSCH, 1973, p. 103, grifo do autor).

A universidade deverá se ocupar das novas transformações a ela impostas por essa temática (complexidade dos problemas da atualidade). Isso porque é considerada como instituição que forma cientistas e produz ciência e tecnologias. Cabe a ela reconhecer as fronteiras disciplinares e pensar, idealizar e planejar uma nova forma de introduzir funções de competência de formação, assentadas em um sistema de ensino e inovação integrados.

Nesse sentido, deverão ser observadas grandes conduções para a proposição de um sistema de ensino inovado. Conforme Jantsch (1973, p. 104), este precisa:

23 “[...] por natureza, nossa ação em favor da mudança, por conservadora e linear que seja, suscita pressões

crescentes de modificações estruturais do sistema e, em particular, de suas formas institucionais” (tradução nossa).

24 “[...] uma instituição política [...] direcionada a todos os níveis de competência” (tradução nossa). 25 “[...] a universidade deverá cumprir suas tarefas enquanto instituição e não somente enquanto

 Orientar e principalmente dirigir a invenção e a criação em um nível elevado, em que sejam considerados os sistemas sociotecnológicos, conduzindo o ensino e a pesquisa a um foco predominantemente metodológico que possua princípios de organização, em contrapartida à centralização dos conhecimentos especializados;

 Considerar relevante as repercussões ao longo do tempo quanto aos avanços da ciência, ou seja, reconhecer a importância das implicações dos resultados mais do que a dos fatores de produção da própria ciência e tecnologia;

 Valorizar em maior escala o trabalho realizado pelos estudantes em vista de um objetivo específico do que simplificadamente, senão simplista, de sua formação enquanto especialista em uma determinada área de conhecimento;

 Reconhecer que a inovação da universidade é de extrema importância por estar assentada em um modelo da ação humana baseada em atividades que valorizam a estrutura do pensamento e da ação, de modo a propor a superação do modelo mecanicista em vigor, ampliando os horizontes para o desenvolvimento da ciência.

Enquanto Piaget trata a interdisciplinaridade como um sistema de estruturas que se organiza a partir dos estágios anteriores, Jantsch (1973) a considera como uma necessidade inerente à inovação a ser mobilizada sob os aspectos do ensino, da pesquisa e do serviço prestado à sociedade, o que levará a uma nova forma de organização interdisciplinar.

Essa nova disposição das ciências será estabelecida por meio de uma organização de sistemas e níveis coordenados, contidos em um sistema de objetivos ou objetivado, o qual solicita ações de caráter interdisciplinar. A interdisciplinaridade é, desse modo, manifestada enquanto um modelo de representação do homem, inseridas nesse sistema objetivado. Assim ela se constitui em um princípio de organização que tende a uma coordenação sobre dois planos, a dos termos e a dos conceitos e das configurações disciplinares, caracterizando um sistema de dois níveis e objetivos múltiplos.

A necessidade de ampliação da colaboração disciplinar em benefício da busca da compreensão e superação dos problemas da atualidade conduz a uma nova organização da ciência, que pressupõe um modo ascendente de colaboração a partir do estado multidisciplinar em que esta se encontra, as quais Jantsch (1973) denominam, sejam elas com ou sem objetivos comuns, de: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, disciplinaridade cruzada, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

A Multidisciplinaridade se define por uma gama de disciplinas que se apresentam simultaneamente e que não estabelecem relações entre si. Muito embora possuam inerentemente essa possibilidade, manifestam-se de modo isolado, conforme a Figura 1:

Figura 1 – Representação de Multidisciplinaridade

Fonte: JANTSCH (1973, p. 109).

Desse modo, a multidisciplinaridade é definida como um sistema com um só nível e com objetivos múltiplos, sem cooperação.

O autor define a Pluridisciplinaridade como justaposição de disciplinas que se encontram em um mesmo nível hierárquico, agrupadas de maneira a destacar a relação existente entre elas, como exemplificado no esquema a seguir:

Figura 2 – Representação de Pluridisciplinaridade

Fonte: JANTSCH (1973, p. 109)

Na pluridisciplinaridade, portanto, é identificado um sistema com um só nível e com objetivos múltiplos, há cooperação sem coordenação.

O nível seguinte nessa ascendência é a Disciplinaridade Cruzada, a qual é compreendida como uma etapa intermediária entre a pluridisciplinaridade e a interdisciplinaridade e pode vir a obscurecer o estabelecimento de formas mais evoluídas de coordenação. Ela se constitui na axiomática de uma disciplina que se impõe sobre as outras de mesmo nível hierárquico, de forma que se estabelece uma polarização rígida entre as disciplinas. A seguir apresentamos um esquema representativo:

Figura 3 – Representação de Disciplinaridade Cruzada

Temos aqui um sistema de um só nível e um só objetivo, há um controle rígido imposto pelo objetivo de apenas uma disciplina.

Na relação Interdisciplinar, considerada pelo referido autor como necessária para o avanço científico, entende-se uma ação em nível colaborativo de várias disciplinas que buscam um mesmo objetivo, atuando umas com as outras por meio de uma “[...] axiomatique commune à un groupe de disciplines connexes, définie au niveau ou sous- niveau hiérarchique immédiatement supérieur, ce qui introduit une notion de finalité [...]” (JANTSCH, 1973, p. 108).26

Esse é considerado um estágio de ação ou desenvolvimento da ciência que tem um objetivo único, no sentido teleológico27 do termo, passando do nível pragmático ao normativo e desse ao objetivado, ou seja, a um nível de objetivo comum, conforme indica a figura a seguir:

Figura 4 – Representação de Interdisciplinaridade

Fonte: JANTSCH (1973, p. 109)

Essa coordenação estabelece um sistema com dois níveis e com objetivos provenientes de múltiplas disciplinas, que se coordenam para um propósito comum, de modo a alcançar um nível superior. O nível superior ao acima mencionado, ou o seguinte no nível de integração interdisciplinar, é o Transdisciplinar. Nele, sob a base de uma axiomática geral e de objetivos comuns, atinge-se “[...] un schéma épistémologique (synépistetémologique) [...]” (JANTSCH, 1973, p. 108)28. Nesse tipo de movimento se

26 “Axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas, definidas no nível ou no subnível hierárquico

imediatamente superior, que introduz uma noção de finalidade” (tradução nossa).

27 A teleologia (do grego τέλος, finalidade, e -logía, estudo) é o estudo filosófico dos fins, isto é, do

propósito, objetivo ou finalidade (WIKIPEDIA, 2013).

expressa a coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas de um ensino inovado, segundo a figura explicativa:

Figura 5 – Representação de Transdisciplinaridade

Fonte: JANTSCH (1973, p. 109)

Essa coordenação estabelece um sistema de níveis e objetivos provenientes de múltiplas disciplinas, que se coordenam para uma finalidade comum a todos os sistemas. De modo mais simplificado, podemos afirmar que o autor considera a intersecção das várias disciplinas que temos hoje desenvolvidas pela ciência moderna, que propõe a tese da possibilidade interdisciplinar entre elas, por exemplo, entre as ciências do homem e da natureza que já tem estabelecidas relações interdisciplinares, como a biofísica e a bioquímica, exemplos de resultados de sucesso decorrentes de uma coordenação teleológica.

Para que o leitor se aproprie das ideias de Jantsch (1973), podemos apresentar o raciocínio exposto pelo autor sobre o estudo das moléculas: quanto mais quisermos compreender o comportamento delas, mais precisamos de outra área de estudo específica, neste caso podemos pensar na química e na física como coadjuvantes para um objetivo único. Contudo, também devemos considerar que ambas, física e química, necessitaram se apropriar de outras disciplinas para desenvolver suas teorias de conhecimento, por exemplo, da matemática e da linguagem. Enfim, essa é a ideia que fundamenta o postulado de Eric Jantsch (1973) sobre a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, aliadas ao esgotamento das ciências para as necessidades identificadas pelo autor, que nos são apresentadas com muita propriedade.

A mesma lógica utilizada pela ciência moderna para melhor conhecer seu objeto de estudo, assentada sobre a necessidade da sua decomposição em partes cada vez menores, hoje nos impulsiona a compreendê-lo num modo mais orgânico,

interdisciplinar. Com isso, buscamos atingir a compreensão e busca de soluções aos problemas que a sociedade enfrenta na atualidade, reconhecendo a necessidade da recomposição disciplinar do macrocosmo complexificado, estudado em um sentido antropomórfico profundo29.