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CAPÍTULO 3 INTERDISCIPLINARIDADE E PRÁTICAS

3.3 A interdisciplinaridade nas escolas municipais de São Paulo

Em 1989, o professor Paulo Freire, na época Secretário Municipal de Educação de São Paulo, apresentou as principais diretrizes de trabalho de sua gestão, sob as orientações contidas no documento “Construindo a Educação Pública Popular”. Este se propunha a promover uma escola pública popular e democrática com base na participação, na descentralização e na autonomia. Inscrita no documento de reorientação curricular, essa base, conforme Sampaio, Quadrado e Pimentel (1994, p. 50), apresenta- se apoiada em “[...] uma visão ampla e historicizada de homem, mundo, escola e sociedade [...]”, propondo um currículo construído em um processo pautado pela participação democrática de todos os atores nele envolvidos ─ a Secretaria, a escola e a comunidade.

Essa reorientação curricular tem como um de seus focos a ação pedagógica, entendida como impregnada das relações de poder, tanto em seus aspectos socioeconômicos quanto na formação disciplinar do professor, o que dificulta um trabalho mais articulado entre os diversos conteúdos curriculares, facilmente detectáveis na

[...] reprodução de conteúdos fragmentados, no uso indiscriminado de livros didáticos como instrumentos únicos do trabalho docente, na imposição de pacotes pelas autoridades, na prática escolar divorciada da realidade escolar, na ausência de participação dos alunos e da comunidade, nas práticas

autoritárias entre os vários segmentos da escola [...]. (SAMPAIO; QUADRADO; PIMENTEL, 1994, p. 50).

Nesse sentido, a Secretaria entende que a escola precisa ser revisitada, sendo compreendida como um local de produção e não de reprodução de cultura, de modo a se estender para além dos muros escolares.

Na intenção de superar o distanciamento provocado pela “disciplinarização” escolar, aproximar as matérias de ensino com os interesses dos alunos e da comunidade e formar para a cidadania, o Projeto Interdisciplinaridade que se instala nesse período se respalda em um processo pedagógico que se assenta na relação horizontal e democrática entre seus atores. São consideradas várias dimensões nele envolvidas, como: o acesso à escolaridade, a qualidade do ensino oferecido, as singularidades de cada comunidade escolar, as relações de gestão no ambiente escolar e as relações mantidas entre as escolas e a Secretaria de Educação.

Foi objeto da política dessa gestão o reconhecimento e o apoio aos projetos que as escolas já possuíam. Havia o incentivo à criação de projetos especiais e a aproximação da Secretaria de Educação com os gestores escolares e a escola.

As reuniões entre as diferentes instâncias foram intensificadas; a formação permanente dos educadores recebeu especial atenção, com vários programas firmados em parceria com universidades; foram realizados convênios entre Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo e universidades como USP, Unicamp, PUC-SP e Unesp; houve a implantação do Projeto Interdisciplinaridade; entre outros fatores. Além disso, foram fortalecidos os Conselhos de Escola, de modo que seus membros viessem a exercer sua função pautada por uma ação consciente, participativa e colaborativa em todos os aspectos concernentes.

Além dessas ações, foram organizados encontros com os professores, pagamentos de horas extra, incentivo ao envolvimento de todos os segmentos da educação no processo educativo escolar. Esses fatores são considerados suporte para a implementação da política pública daquela gestão, a qual estava interessada em promover o estabelecimento de uma forma inovadora de trabalho nas escolas públicas da cidade.

A formação continuada, aliada às ações públicas de suporte, proporcionou um quadro interessante para a compreensão do trabalho com os temas geradores em uma perspectiva crítica, em que o currículo é situado em um contexto social e cultural indissociável e interconectado. Propôs-se, portanto, uma nova concepção curricular; o

conhecimento produzido é considerado ferramenta para a minimização ou para a superação da fragmentação das matérias escolares e da segregação do exercício da cidadania, desencadeando a ação pedagógica interdisciplinar.

O Projeto Interdisciplinaridade dessa Secretaria tinha por intenção contribuir com um ensino que fizesse sentido para as necessidades da vida. Assim, apoiava-se na dinâmica de temas geradores, a qual levava em consideração a realidade e a necessidade dos alunos e da comunidade. Criava-se um contexto de conscientização sociopolítica de acordo com a teoria freiriana, em uma busca conjunta de ações que articulavam interdisciplinarmente não só as questões sociais, mas também os conteúdos das diferentes disciplinas curriculares. Após quatro anos de trabalho e da gestão Paulo Freire na Secretaria de Educação do município de São Paulo, encontramos em Sampaio, Quadrado e Pimentel (1994) alguns pontos, por eles analisados, sobre a proposta interdisciplinar ocorrida nesse período na rede pública municipal. Os autores apontam os aspectos facilitadores bem como os dificultadores desse processo.

Observou-se que os professores insatisfeitos com a prática tradicional de ensino eram os mais dispostos a superar os conflitos iniciais da ação de implantação do Projeto Interdisciplinaridade, como o levantamento do tema gerador e a condução do processo de ensino e aprendizagem entrelaçado com os conteúdos curriculares. Em contrapartida, enquanto havia professores que se pautavam nos conteúdos curriculares já conhecidos e buscavam modos de os integrar, outros realizavam uma ação inversa, que não colaborava com as bases do desafio e da ruptura inerentes ao modelo intencionado. Considera-se que esse é um fator que contribuiu para dificultar a universalização dessas ações nas escolas públicas da cidade de São Paulo.

Foi possível observar fatores que demonstraram resultados positivos na implementação do Projeto Interdisciplinaridade, como: a satisfação dos alunos com relação à escola e ao ensino (declarada pelos próprios alunos), a consideração da escola como referência na comunidade em que estava inserida e o aumento significativo da aprovação escolar. Para além das dificuldades e dos sucessos constatados, os autores afirmam que a ação pedagógica possibilitada pelo Projeto Interdisciplinaridade “[...] revelou traços inovadores de uma política em educação [...]” (SAMPAIO; QUADRADO; PIMENTEL, 1994, p. 107), possível de ser realizada nos mais diversos ambientes escolares, onde a dialogicidade deve seguir como parâmetro metodológico das ações

integradas que envolvem o ensino, especialmente quando ensaiamos propostas de inovação curricular ou metodológica dessa natureza no ambiente educacional.