• Nenhum resultado encontrado

A etnografia como método de abordagem qualitativa em sala de aula

Segmento 1: transcrição de aula 18/

27 P: exatamente, ou seja, nós temos muito da nossa criação em parte somos o que somos 28((somos o reflexo de uma criação))

4.1 A etnografia como método de abordagem qualitativa em sala de aula

Uma pesquisa de abordagem qualitativa, segundo Martin (2010), tem como recurso básico e inicial a descrição. Esta, numa análise qualitativa, possui uma importância significativa para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que os dados da pesquisa qualitativa são coletados por meio da descrição.

A etnografia, segundo André (1995), visa à compreensão do significado que têm as ações e os eventos para os sujeitos ou grupos estudados. É uma tentativa de descrição da cultura, recordando o que foi mencionado no capítulo anterior, ou seja, que as culturas permeiam a produção de sentidos, as relações sociais, produzindo, dessa maneira, modos de ser sujeitos e significando mundos. A função do etnógrafo equivale à aproximação gradativa do significado ou da compreensão dos participantes, isto é, o etnógrafo deve deslocar-se de uma posição de estranho e chegar mais perto das formas de compreensão da realidade do grupo estudado, partilhando com eles os significados.

Posto isso, destacamos que entre os tipos de pesquisa qualitativa está a do tipo etnográfico. Para André (1995), uma pesquisa é reconhecida como do tipo etnográfico, quando preenche os requisitos da etnografia, ou seja, tem como princípios a observação das ações humanas e sua interpretação, a partir do ponto de vista dos sujeitos que praticam as ações. Corresponde à geração de dados aproximando-se da perspectiva que os participantes têm dos fatos, mesmo que não possam articulá-la. Para conseguir captar esse sentido, as ações do próprio pesquisador precisam ser analisadas da mesma forma que as ações das pessoas observadas. Logo, todo processo é interpretativo.

110 Segundo André (2005), a etnografia é um ponto de vista de pesquisa tradicionalmente usada pelos antropólogos para estudar e revela os costumes, as crenças e as tradições de uma sociedade, que são transmitidas de geração em geração e que permitem a continuidade de uma determinada cultura ou de um sistema social. A diferença básica do foco de interesse entre os etnógrafos e os pesquisadores em educação está no fato de que estes têm sua preocupação voltada para o processo educativo; aqueles para a descrição da cultura de um grupo social.

No prefácio de um livro organizado por Cox e Assis-Perterson, Erickson (2001) declara que o trabalho etnográfico abrange a observação e a participação de longo prazo no espaço que está sendo utilizado para o estudo, pois, dessa maneira, o pesquisador poderá familiarizar-se com a rotina das ações e interpretação e como consequência, ele se aproxima do sistema de representação, classificação e organização do contexto estudado.

Essa compreensão une-se a de Oliveira (2006) que chama à atenção para o questionamento das três etapas de apreensão dos fenômenos sociais que merecem reflexão no exercício da produção de conhecimento, ou seja, o olhar, o ouvir e o escrever. Essas ações podem ser questionadas em si mesmas,

[...] embora, em primeiro momento, possam nos parecer tão familiares e, por isso, tão triviais, a ponto de sentirmos dispensados de problematizá-los; todavia, em um segundo momento [...] essas ―faculdades‖ ou, melhor dizendo, esses atos cognitivos delas decorrentes assumem um sentido todo particular, de natureza epistêmica, uma vez que é com tais atos que logramos construir nosso saber (Ibid. p, 18).

No que tange ao olhar, Oliveira (2006) esclarece a necessidade de uma apropriação teórica do mesmo, pois o objeto sobre o qual o olhar é dirigido sofre modificação pelo próprio modo de visualizá-lo. Seja qual for o objeto, ele não escapa de ser apreendido pelo esquema conceitual da disciplina que forma a maneira do pesquisador ver a realidade. O esquema conceitual assume uma espécie de prisma por meio do qual a realidade observada sofre um processo de refração.

O autor declara que o ouvir e o olhar não devem ser tomados como faculdades totalmente independentes, no que se refere à pesquisa, pois o ouvir completa o olhar e participa das mesmas precondições desse último, à medida que está preparado para subtrair os ruídos que pareçam insignificantes ao pesquisador, ou seja, que não façam sentido no corpus teórico da disciplina ou para o paradigma no interior do qual o pesquisador foi treinado.

111 Oliveira (2006) afirma que enquanto o olhar e o ouvir podem ser considerados atos cognitivos mais preliminares no trabalho de campo, o escrever corresponde à questão mais crítica do conhecimento; pois,

[...] escrever [é] o ato exercitado por excelência no gabinete, cujas características o singularizam de forma marcante, sobretudo quando o comparamos com o que se escreve no campo, seja ao fazermos nosso diário, seja nas anotações que rabiscamos em nossas cadernetas. [...] o escrever ―estando aqui‖, [...] cumpre sua mais alta função cognitiva [...] devido ao fato de iniciarmos propriamente no gabinete o processo de textualização dos fenômenos socioculturais observados ―estando lá‖ (Ibid. p, 25).

No contexto escolar, a pesquisa do tipo etnográfico dá condições ao pesquisador para buscar compreender o que se passa na escola, a partir de atividades que visem entender os significados das ações dos sujeitos envolvidos no processo educacional, interpretar fatos e estabelecer relações. Nesse sentido, a pesquisa etnográfica se destaca como ferramenta de muita utilidade para o conhecimento da face oculta da escola, de suas regularidades e contradições, além de permitir a reconstrução dos processos e das relações que envolvem a experiência escolar.

Conhecer a realidade cotidiana de uma escola mostra um espaço de confrontos e interesses entre um sistema oficial que delega funções, define modelos a serem seguidos e estabelece hierarquias, e outro, o dos sujeitos – estudantes, professores, gestão, funcionários, parceiros – que não são apenas agentes passivos diante da estrutura. Esses sujeitos em seu fazer cotidiano realizam por meio de relações que inclui alianças e conflitos, transgressões e acordos um processo permanente de construção social.

Segundo André (2010), estudar o cotidiano escolar viabiliza o entendimento de como a escola desempenha o seu papel socializador, quer na transmissão dos conteúdos acadêmicos, quer na veiculação das crenças e valores que aparecem nas ações, interações, rotinas e relações sociais que caracterizam o dia a dia do contexto escolar.

É captando o movimento que configura esta dinâmica de trocas, de relações entre sujeitos [...] que se pode visualizar melhor como a escola participa do processo de socialização dos sujeitos que são, ao mesmo tempo, determinados e determinantes. Todo esse processo se materializa no cotidiano, quando o indivíduo se coloca na dinâmica de criação e recriação do mundo (Ibid. p, 44).

A autora acrescenta ainda que o estudo do cotidiano escolar envolve três dimensões que se inter-relacionam. Elas possibilitam o alcance das relações sociais que se fazem

112 presente no cotidiano escolar, num enfoque dialético entre o sujeito e a sociedade nos diversos momentos dessa relação. Identificar e explicar esse movimento, segundo André (2010), possibilita a apreensão do que ocorre dentro do contexto escolar sem desvinculá-la da práxis social mais ampla.

A primeira diz respeito ao clima institucional que age como mediação entre a práxis social e o que acontece no interior da escola.

A práxis escolar sofre as determinações da práxis social mais ampla através das pressões e das forças advindas da política educacional, das diretrizes curriculares vindas de cima para baixo, das exigências dos pais, as quais interferem na dinâmica escolar e se confrontam com todo o movimento social do interior da instituição. A escola resulta, portanto, desse embate de diversas forças sociais (Ibid. p, 44).

A segunda dimensão refere-se ao processo de interação de sala de aula que envolve de maneira mais direta professor e estudantes, mas, ao mesmo tempo, associa-se à dinâmica escolar em toda sua totalidade e dimensão social. Por último, a terceira dimensão envolve a história de cada sujeito que se manifesta por suas formas concretas de representação social, por meio das quais ele age, se posiciona e se aliena ao longo do processo educacional. ―A dimensão subjetiva do indivíduo em uma dada posição socializadora é fundamental para se verificar como se concretizam, no dia a dia escolar, os valores, símbolos e significados transmitidos pela escola‖ (Ibid. p, 45).

Antes de finalizarmos este tópico, assumimos que nossa tarefa de construir e de interpretar os dados não só influenciou nosso objeto de investigação, como também fomos influenciados por ele, reproduzindo, dessa maneira, o que Labov (2011) chamou de paradoxo do observador, ou seja, não há isenção completa, uma vez que nossas formações discursivas, formações ideológicas vão, de certa forma, contaminar a coleta. No entanto, buscamos minimizar essa questão por meio de uma atitude de ação-reflexão-ação, crítica e cuidadosa, no sentido de transcender o explicitado pelos atores envolvidos no processo e buscando expor as relações, os significados e as interações significativas do cotidiano escolar observado.

Esclarecidos os pressupostos metodológicos que dão sustentação a este estudo passamos, então, a apresentar o contexto da escola João Bezerra, os projetos e parcerias da escola, a seleção dos sujeitos, os instrumentos e as etapas de coleta.

113

Outline

Documentos relacionados