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O presente estudo visou à análise dos processos de interações sociais produzidos em sala de aula de língua materna como espaço que auxilia a formação da cidadania. A análise dos processos interacionais envolvidos no ambiente de aprendizado de uma sala de aula de uma EREM do estado de Pernambuco nos levou a observar a necessidade de estratégias de ensino que sejam efetivas no processo ensino/aprendizagem e que possibilitem o contato do estudante com uma variedade de conhecimentos e informações relevantes ao seu progresso enquanto cidadão, e sua sociabilização no mundo acadêmico, profissional e cultural.

O processo de aprendizagem possibilita o despertar dos processos internos do indivíduo no seu nível de desenvolvimento e em relação ao ambiente sociocultural no qual está inserido. Reconhece que a pessoa total não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros atores sociais.

Gradativamente, as experiências de aprendizagem possibilitam a consolidação e a automatização das formas de ação e criam oportunidades. As potencialidades do sujeito não se caracterizam apenas como simples vir-a-ser que se atualiza pela influência social, mas se estabelece na ocorrência concreta de capacidades emergentes manifestadas na relação com o outro.

Nesse sentido, o ensino de língua materna deve ser compreendido como uma prática social e cultural fundamental na formação do estudante, ou seja, deve ser considerado como uma atividade situada em contextos nos quais se consideram os conteúdos e as situações de linguagem, analisando, assim, a interação na sua elaboração, em seus saberes e poderes que envolvem discursos e sujeitos.

As atividades que visam auxiliar a formação de um cidadão traz em seu bojo a obrigação de se construir um estudante que se comunique bem, expressando ideias e sentimentos com clareza, consistência e coerência, argumentando de maneira fundamentada, valendo-se dos recursos e formas disponíveis de representação e de interação comunicativa com o outro e com o mundo. Dessa forma, a linguagem não serve apenas para ―dizer‖ a realidade dos diversos contextos nos quais os sujeitos atuam, mas constrói a realidade por meio dos enunciados, passando a ser prática cultural que fabrica as coisas significadas por ela; logo, nessa perspectiva, é importante considerar os sujeitos, seus contextos e suas intenções.

Viver em comunidade, particularmente a constituída em sala de aula, pressupõe objetivos, crenças, aspirações, conhecimentos, mentalidades, ou seja, partilha de cultura. A

192 boa comunicação potencializa essas ações, assim como abre novos horizontes para a forma de olhar e estar no palco da vida. A atuação do estudante de compartilhar conhecimento, de argumentar e contra-argumentar, de apresentar publicamente suas ideias, é incentivada e explorada no espaço da EREM João Bezerra, embora em algumas situações sem uma metodologia adequada.

Acreditamos que a oralidade e a produção escrita precisam ser prioridades em todas as áreas do conhecimento, uma vez que as realidades e os objetos não estão prontos e acabados, pois mudam de acordo com o contexto. Considerar o ensino de língua materna nessa perspectiva dá ao estudante a oportunidade de construir seus saberes, sua compreensão do mundo por meio dos discursos presentes nos diversos suportes, como livros didáticos e atividades pedagógicas, diferentes mídias e suas linguagens.

O professor que busca favorecer as melhores vivências aos seus estudantes explora, nas cenas de aprendizagens, a comunicação e todas as suas possibilidades de significar, de forma a ampliar as visões de mundo do estudante. Nesse sentido, as verdades apresentadas pela cultura dominante, sobretudo pelas ciências, que circulam nos jornais, revistas, livros didáticos, deixam de ser incontestáveis para serem transitórias, entendidas como próprias para aquele momento histórico, mas não mais definitivas e acabadas. Assim, a configuração de novos cenários sociais está implicada na produção de novos discursos acerca do mundo.

O ensino de língua materna por esse viés do discurso influencia a qualidade das aprendizagens. A mediação promovida no contexto escolar passa a considerar que os discursos realizados por professores e estudantes produzem a maneira como os estudantes passam a avaliar e julgar determinados acontecimentos históricos, científicos, filosóficos, econômicos, artísticos etc.

Ao entender os conteúdos escolares como elementos que possibilitam descortinar, problematizar e dialogar com o mundo, busca-se oferecer aos estudantes o melhor aprendizado. A qualidade de uma aula de língua materna está relacionada, diretamente, à qualidade da interação empreendida, pois os modos de dizer geram significados, conceitos, noções. Atuamos em uma sociedade com base naquilo que interpretamos, pois, por meio dos discursos, fabricamos maneiras de ver e estar no mundo.

Acreditamos que o ensino de língua materna contribui para a formação do cidadão desde que planejado, embasado e desenvolvido por meio de uma metodologia adequada. Ao iniciarmos este estudo, apresentamos a hipótese de que a negligência dos aspectos sociais,

193 ideológicos, individuais e coletivos nas práticas pedagógicas está presente na interação em sala de aula e se reflete nas ações dos estudantes que frequentam as escolas de tempo integral.

Esta foi elaborada tendo como referência a realidade de escolas públicas que não são classificadas como EREM. Buscando encontrar respostas que comprovassem ou refutassem nossa hipótese partimos para uma reflexão em torno dos documentos que embasam o ensino do estado de Pernambuco. Seguimos apoiados em conceitos da sociolinguística interacional e da análise conversacional a fim de compreender os dados coletados na EREM João Bezerra.

No que tange às ações desenvolvidas na escola com os projetos sejam eles desenvolvidos por áreas ou os interdisciplinares chegamos a conclusão de que existem bastantes ações que contribuem muito para o desenvolvimento do estudante enquanto cidadão, pois presenciamos ações que visavam à interdependência entre os estudantes como sujeitos comprometidos com a sociedade e capazes de formar uma visão ampla de mundo que resultou no fortalecimento da responsabilidade, principalmente, social e consequentemente da solidariedade.

Inferimos que as ações nos eventos voltados para toda a comunidade escolar buscavam potencializar o ofício de estudante, pois eram permeadas, integradas pelas áreas do conhecimento em um movimento de retroação, prospecção e integração, como também convocavam o envolvimento de todos os atores da comunidade educativa, dos diferentes setores da escola, tanto da área administrativa como educacional, dos funcionários em geral, incluindo os terceirizados, familiares e responsáveis imbuídos do processo educacional.

Compreendemos que os valores e as habilidades essenciais que se desejam desenvolver nos estudantes são apreendidos e internalizados por meio de uma vivência constante, ou seja, todos os contextos nos quais os estudantes atuam e todos os sujeitos com quem compartilham são responsáveis por sua formação.

Relacionando a atuação dos estudantes em eventos dentro e fora de sala de aula, observamos que estudantes com dificuldades em sala de aula, muitas vezes se revelaram sujeitos hábeis, capazes e inventivos. Procurando compreender como aqueles estudantes hábeis e capazes em seus jogos, brincadeiras e relacionamentos denotem dificuldade em aprender, verificamos que em sala de aula algumas significações próprias nem sempre eram atendidas, outras lhes eram impostas e estas sempre se apresentavam descontextualizadas de seus universos significativos e, consequentemente, de difícil entendimento e aprendizagem, uma vez que lhes faltava a base onde ancorar as novas informações que, por sua vez, facilitariam as conexões e as transferências do que aprenderam para outras situações. Ao

194 revelarem dificuldades em aprender o que lhes foi ensinado, esses estudantes comprometem a capacidade de aprender a aprender.

Diante de tal situação pudemos inferir uma dupla vertente na dificuldade apresentada por alguns estudantes ao interpretarem seu papel: uma relacionada à própria estrutura do saber; e outra ligada ao domínio do procedimento intelectual. A primeira relaciona-se fundamentalmente à dificuldade do estudante em identificar os elementos através dos quais se constituem as noções e se estrutura o saber.

Nesse sentido, pode-se dizer que o domínio conceitual, que em sua maioria era corrente e lógico para P, nem sempre se apresentava com tais características para os estudantes. Quando, após uma explicação extensiva, P pedia a alguns estudantes específicos que lhe desse um exemplo, era visível, particularmente, pelos elementos não verbais (gestos, inquietações, olhares, acomodação na cadeira etc) que eles não haviam compreendido algo relativamente simples.

Cremos que a ausência de saberes para identificar o que mobilizar nos conhecimentos dados para responder à questão dificulta o aprendizado, ou seja, alguns estudantes não foram capazes de compreender a estrutura, a ligação formal entre os diversos elementos conceituais.

Em relação à segunda vertente, percebemos que o procedimento intelectual dos estudantes detinha-se, muitas vezes, no domínio do imediatamente perceptível, revelando o aspecto imediatista muito presente na turma do 3º ano A. Os estudantes reproduziam as suas primeiras observações espontâneas e nelas se fixavam, não estando consciente da necessidade de, em seguida, tratarem a informação, e nem saberem como fazê-lo.

É fato que quando se realiza a aquisição de um conhecimento novo, dois elementos intervêm: a estrutura do conhecimento e a abordagem intelectual. A representação inicial do conhecimento a adquirir é fundamental para a respectiva aquisição por parte do estudante, pois não podemos, enquanto professores de língua materna, pedir a eles que aprendam um conceito, assimilem determinado conhecimento, sem antes explorar a natureza da tarefa.

Nesses aspectos reside a capacidade de transferência, fundamental à aprendizagem. Frente a esse fato, comungamos com Bruner (1983) ao declarar que aprender requer a capacidade de discernir atributos, de selecionar o que se retém, distinguindo uma ideia de outra, um objeto de outro. No entanto, a aprendizagem de um conceito depende ainda de seu nível de complexidade, de abstração e de validade, uma vez que, ao formar um conceito, relacionamos necessariamente um conjunto de elementos, de atributos, de similaridades, organizando assim todas as coisas que conhecemos.

195 Essas questões presenciadas em sala de aula atestam em parte nossa hipótese inicial, pois a ausência de um planejamento mais bem elaborado - visível em algumas práticas pedagógicas - como também de uma metodologia mais bem organizada e de uma avaliação mais apurada sobre o fazer pedagógico dificultaram o aprendizado. É fato que o ofício de estudante estabelece uma relação muito específica com o saber. As representações desse saber, como componente de uma relação mais global, com respostas fechadas, devem ser substituídas por representações mais abertas, flexíveis e emancipatórias. Ao evitar o estabelecimento de relações utilitaristas com o saber, tornamo-lo um ofício do saber.

Embora P em sua relação e interação com os estudantes ponha o respeito pela pessoa como ponto de partida, subverta a assimetria e fomente a criatividade, a argumentação, a discussão de pontos de vista, percebemos que nessa relação – para alcançar um melhor aprendizado – é preciso estabelecer relações pedagógicas mais produtivas, ou seja, equacionar as situações que acontecem durante as situações em sala de aula, elaborar um contrato pedagógico coerente com os estudantes, com as formas de comunicação, com a cooperação e com a tomada de decisão compartilhada, com a intencionalidade e monitoramento das práticas pedagógicas, pois o currículo adotado, o trabalho cotidiano em sala de aula, a transposição didática, a autoridade exercida por P etc favorecerão à emancipação do estudante.

Assim sendo, compreendemos que esse movimento poderá suprimir a antinomia ordem-desordem presente, muitas vezes em sala de aula, por meio de uma práxis educativa coerente com a contemporaneidade e suas demandas. No entanto, é preciso que os professores consigam definir e assumir o profissionalismo e a profissionalidade que a docência exige, de modo a dar respostas às mudanças que vêm ocorrendo no contexto escolar e na sociedade ao longo dos anos, além de auxiliar os estudantes a se transformarem e efetivarem-se enquanto cidadãos.

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