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Discurso: instrumento sociolinguístico para cidadania

G: a escola integral é uma escola que está mobilizada em trabalhar com o adolescente a questão do aprendizado, mas não apenas o aprendizado de conteúdos

2.1 Discurso: instrumento sociolinguístico para cidadania

A sociolinguística surge na década de 1960 como uma reação ao domínio dos conceitos da linguística estruturalista. Alguns linguistas acharam que havia chegado o momento de se fazer um balanço do que a linguística tinha feito ou deixado de fazer. Sabiam que a tarefa era não só difícil, mas também complexa, pois era necessário fazer uma reflexão mais ampla em torno dos estudos da linguagem, levando-se em conta, principalmente, o fato de que ela funciona como um instrumento mediador entre os homens e o mundo.

A linguística, a partir do momento em que se constitui como ciência autônoma, tem como objeto de estudo a langue, estrutura homogênea. Sua preocupação básica passou a ser a análise das relações internas entre os elementos linguísticos, estabelecendo-se, assim, a chamada ―linguística estrutural‖, ou seja, ela não se preocupa com as relações entre a linguagem e a sociedade. É preciso destacar que esta opção foi de caráter eminentemente metodológico, pois Saussure reconhece a língua como um fato social. A opção de se estudar a

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langue (língua), ao invés da parole (fala), dá-se principalmente por causa das barreiras e

dificuldades encontradas neste tipo de abordagem.

Tal opção persiste na corrente gerativista que, por sua vez, trabalha com uma perspectiva bem racional no estudo da linguagem, ou seja, para saber como as pessoas usam uma língua, não há necessidade de ir a campo, pois um indivíduo por ser usuário de uma determinada língua pode saber como as demais pessoas falam a mesma língua. Se o usuário tem acesso à língua, ele tem acesso à língua dos demais falantes. Este é o falante/ouvinte ideal de Chomsky: dentro das condições normais de literatura e pressão todo mundo fala igual, os desvios que ocorrem na linguagem estão relacionados a questões de desvios de desempenho, não de competência. (CAMPOY e ALMEIDA, 2005). Estes desvios de desempenhos podem ser resultados de lapsos, falta de atenção ou outra questão qualquer.

A sociolinguística vem apresentar outra perspectiva nesse cenário e trabalhar com uma ideia não mais de que as pessoas falam de uma maneira bonita, mas existe uma maneira diferenciada, cada pessoa tem a própria especificidade devido, entre outros aspectos, à pressão, ao grupo social do qual faz parte, ao tema que se fala. Ela aparece como uma ciência interdisciplinar que lida com a relação entre língua e sociedade. Faz parte da macrolinguística e vai se ocupar da relação entre estrutura e sociedade em que a linguagem é concebida como fenômeno social e cultural, ou seja, existem elementos sociais e existem elementos culturais que vão exercer influência nesta estrutura. (Ibid. 2005).

Nesse sentido, o discurso funciona como uma característica de pertencimento, uma vez que os grupos sociais se formam em função de traços identitários como crenças, valores, escolhas linguísticas, as quais são fortemente influenciadas pelo papel social que o indivíduo desempenha no momento. A inter-relação entre língua e sociedade possibilita aos falantes de uma dada língua se constituir como sujeitos, pois no âmbito das atividades de linguagem, próprias de sujeitos social e historicamente situados, emergem e evoluem aspectos estruturais das línguas naturais, sempre em relação a contextos/papéis sociais que determinam as opções linguísticas dos falantes.

Essa perspectiva associa-se ao ponto de vista defendido por Koch (2008), que entende uma

[...] visão de linguagem como ―inter-ação‖, ação inter-individual e, portanto, social. Por meio dela realizam-se, no interior de situações sociais, ações linguísticas que modificam tais situações, através da produção de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramática de uma língua (ou variedade de língua). Assim sendo, [...] um ato de linguagem não é apenas um ato de dizer e de querer

46 dizer, mas, sobretudo, essencialmente um ato social pelo qual os membros de uma comunidade ―inter-agem‖ (p. 75).

Compreende-se, simultaneamente, a língua como um sistema e como uma prática social. Enquanto sistema ela é vista como um conjunto de elementos inter-relacionados que se manifestam em vários níveis de organização (fonológico, morfológico, sintático, semântico). No entanto, só se realiza ou se configura no interior do meio social que é o lugar de interação dos membros de uma sociedade. É neste universo de interação que se constituem não apenas as formas linguísticas, mas também todas as maneiras de falar dos sujeitos nas suas atividades de linguagem. A língua é usada nas práticas sociais, nas atividades sociointerativas e é constituída em situações sociais de interlocuções. Não é possível viver em sociedade sem esse veículo de comunicação.

Sendo assim, a relação entre linguagem e sociedade é básica para a organização humana, com a linguagem funcionando como índice de pertencimento social e constitutivo de seus indivíduos. Ao pensar a questão da língua, a sociolinguística a compreende como uma atividade, como um trabalho de pessoas que, através dessa atividade, organizam, interpretam e dão forma a suas experiências e à realidade em que vivem.

Num grupo social habitam vontades, saberes e posicionamentos diversificados, mas convergentes, que geram as possibilidades de relações internas e com outros grupos. Por meio da interação, o indivíduo se caracteriza de seu conhecimento do mundo e dos outros homens, assim como de si mesmo, ao mesmo tempo em que participa das transformações em todas essas esferas.

Incorporada à sociolinguística encontramos a linha denominada de sociolinguística interacional. Neste segmento, o estudo é centralizado nas investigações sobre a linguagem na comunicação entre os indivíduos e o contexto no qual essa comunicação se desenvolve. Analisa-se como a pessoa reage às situações de interação face a face dentro de um determinado ambiente social. Segundo Bortoni-Ricardo (2012), ―a sociolinguística interacional [trata] de um paradigma de base fenomenológica, interpretativa, que apresenta um arcabouço teórico interdisciplinar e uma metodologia bastante refinada para a descrição dos fenômenos da interação humana.‖ (p.230).

Ela não se origina de um único paradigma, ou seja, é considerada como um desenvolvimento contemporâneo da sociologia da linguagem, da etnografia da comunicação e da sociolinguística varacionista cujo maior representante é Labov (2011).

47 Como a sociolinguística interacional visa analisar uma comunicação situada na interação face a face, o discurso, para esse campo de estudo, é compreendido como uma coprodução conjunta dos participantes envolvidos durante um processo de interação, sendo assim, o resultado de um esforço conjunto entre os participantes.

Uma análise da organização do discurso e da interação social demonstra a complexidade inerente a qualquer tipo de encontro face a face, pois, na condição de participantes, estamos a todo momento introduzindo ou sustentando mensagens que organizam o encontro social, mensagens essas que orientam a conduta dos participantes e atribuem significados à atividade em desenvolvimento ao mesmo tempo que ratificam ou contestam os significados atribuídos pelos demais participantes (RIBEIRO e GARCEZ, 2013, p. 7).

Nesse sentido, verificamos que o discurso é regido pelo princípio do dialogismo (Bakhtin, 2006), concepção que está assentada na ideia de que toda palavra é dialógica por natureza, porque pressupõe sempre o outro; o outro sob a figura do destinatário a quem está voltado todo discurso, a quem se ajusta a fala, de quem se antecipam reações e se mobilizam estratégias. Esse elemento aparece quando se instaura um processo de recepção e percepção de um enunciado, que preenche um espaço pertencente igualmente ao locutor e ao ouvinte/leitor.

Segundo Bortoni-Ricardo (2012), para que se possa compreender o local que a sociolinguística interacional ocupa dentro da sociolinguística, é necessário distinguir o que Jonh Gumperz, uma das grandes referências da área, chama de ―teóricos de ação ou conflito‖ e ―teórico da ordem‖. Este, em que se enquadra a sociolinguística varacionista desenvolvida por Labov, considera que as normas e categorias sociais preexistem e atuam como parâmetros influenciadores dos usos linguísticos. Aqueles, por sua vez, entendem que a interação é constituída da ordem social.

De acordo com Figueroa (1994), Gumperz e Labov se distinguem por algumas questões como a escolha que Gumperz faz do tipo de comunicação face a face, isto é, ele elege o indivíduo para ser o ponto de interesse da análise, excluindo, dessa maneira, a análise baseada nas médias obtidas em comunidades de falantes. Outro aspecto diz respeito ao interesse, ou seja, Gumperz concentra-se no conhecimento individual e em suas problemáticas, ou ainda, o que se compartilha do conhecimento, como este conhecimento é distribuído e até que ponto ele é significante e generalizável. Outra questão refere-se ao fato de Gumperz aceitar a teoria do comportamento individual que vê na interação uma constituinte da realidade social.

48 Nesse sentido, de acordo com Figueroa (1994), Gumperz fixa-se nas interações humanas cujos significados, ordens e estruturas não estão predeterminados. Eles vão se desenvolvendo no processo de interação e se baseiam em fatores materiais e psicológicos, além das experiências dos indivíduos envolvidos no processo de interação. A língua é vista como parte do contexto social e o interesse está voltado para o conhecimento de como o comportamento linguístico cria interpretações, de como as intenções individuais induzem o comportamento linguístico, e de como o sucesso da comunicação está ligado ao sociolinguístico.

Frente a essas perspectivas da sociolinguística e da sociolinguística interacional podemos inferir que o discurso, nessa ótica, contribui para a construção da cidadania, uma vez que as interações humanas são mediadas pelo uso da linguagem. Esse uso requer capacidades para os indivíduos não apenas expressarem seus pensamentos, comunicarem-se, mas também, atuarem sobre o outro, agirem sobre o outro, modificando e construindo os objetos do discurso, produzindo os sentidos por meio da interação, além de criar mundos via linguagem, constituindo-se mutuamente ante o mundo e o outro.

Nesse ponto de vista, o indivíduo se constitui pela interação com o outro e nesse interagir ele produz cultura. Sendo a linguagem uma manifestação cultural, podemos depreender que há uma relação entre o uso da linguagem e o exercício da cidadania, pois a linguagem é produzida de acordo com as necessidades, é produto de um processo histórico, reinventada sempre que é posta em uso, possibilita uma tomada de consciência como cidadãos, não é apenas resultado da interação social, mas também condição para a própria condição humana.

Diante disso percebemos a importância que a escola possui na formação da cidadania, uma vez que ela viabiliza o ensino da linguagem na formação do cidadão quanto ao aspecto linguístico. No entanto, para que esse fato ocorra, a escola precisa considerar todas as formas de linguagens que o estudante traz de seu mundo, permitindo e possibilitando que ele seja dono de seu próprio discurso.

Associado a esse aspecto é necessário que o professor se assuma como cidadão, que ele próprio tenha o discernimento de sua cidadania e conhecimentos dos pressupostos teóricos que fundamentam sua prática pedagógica. Idealismo e boa intenção não são eficientes e suficientes para favorecer o dizer dos estudantes e garantir que eles sejam sujeitos de seus discursos, pois há professores que dedicam toda uma vida reforçando preconceitos e legitimando um sistema de ensino da linguagem que descaracteriza o sujeito como cidadão.

49 Sendo assim, ampliar a competência no uso oral e escrito da língua materna é tornar o ato de cidadania em algo concreto que pode ser vivido diariamente de forma plena e satisfatória ao indivíduo, compreendendo-se que a comunicação é a base da socialização humana, sendo o social a condição essencial da existência do homem, devido às relações interpessoais que o mantém.

Seguindo com a temática, buscaremos refletir sobre a concepção de aprendizagem significativa para a construção da cidadania no espaço da sala de aula de língua materna.

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