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Segunda camada — A estrutura organizacional do ateliê

4. O ateliê como organização – Coimbra

4.4. A evolução dos projetos

Um pormenor de destaque, ao nível dos procedimentos da empresa, é o não envolvi- mento dos designers em fases iniciais de discussão dos projetos com clientes. Tal acon- tece pela intenção em proteger a equipa responsável pelo desenvolvimento projetual, não só pela elevada taxa de projetos que nunca chega a concretizar-se ou, simplesmen-

te, porque não estão reunidas as condições necessárias para avançar com essas eta- pas do projeto, não parecendo fazer sentido em “(…) expor os designers dessa forma” (a.m.,109:55–67). Assim, cabe ao gestor comercial a filtragem das informações a trans- mitir, que se pretendem tão factuais e estruturadas quanto possível (a.m.,109:69–74), agregando outras particularidades do projeto em desenvolvimento como, eventualmen- te, preferências subjetivas do cliente (a.m.,109:76–81), esclarecidas numa reunião de apresentação (a.b.,113:20–22) em que se clarificam as condições do projeto a desen- volver (a.b.,113:24–27). Apesar do esforço, são os próprios designers quem acaba por denunciar algum do caos em torno dos projetos (a.s.,113:31–43), que “nasce de cima” (a.b.,112:67–69), isto é, da própria vontade dos clientes em desenvolverem trabalhos para os quais não conseguem ver assegurados os requisitos mínimos, não só do ponto de vista financeiro, mas sobretudo ao nível da gestão dos tempos necessários para a execução adequada dos projetos (a.b.,112:102–103), numa gestão difícil de justificar, aos olhos dos designers (d.s.,114:86–103). O testemunho de a.b. clarifica, de um modo sucinto, algumas dessas dificuldades:

(…) a seguir ao design, que já está sem tempo para fazer o projeto, ainda vem o produ- tor, que tem que cortar o vinil e ainda vem o operário que tem que ir aplicar o vinil. E se tudo isso depende… Se há uma pessoa que é incapaz de escrever um texto e respeitar o prazo que tem para o escrever… e que sabe que vai estar… o fim da cadeia alimentar fica com menos tempo para fazer o seu trabalho. Isso implica noitadas, e diretas e paga- mentos extra, etc. (a.b.,113:10–18)

A evolução dos projetos assume uma natureza dicotómica: se, em determinados momen- tos, parece sentir-se haver tempo para a execução condigna dos projetos (d.s.,114:65–77), o exemplo ilustra uma incapacidade generalizada de estabelecer prioridades, agravada pela longevidade identificada de alguns dos projetos (a.b.,112:71–75), chegando mesmo a inviabilizar o cumprimentos das etapas previstas no procedimento instituído para as atividades do ateliê:

Atualmente, as coisas estão a chegar… como não há tempo e as coisas estão a entrar muito à queima, é… ‘olha, tu vais fazer isto assim e assim, as coisas estão no Many- moon e a gente vai lá (…) lemos o brífingue, lemos… passamos aquela parte toda. No caso da [Exposição], por exemplo, eu nem sequer vi o projeto do Manymoon. Eu só tive tempo de saber que estava no projeto, de conhecer as pessoas, ir às primeiras reuniões e começar logo a trabalhar. (d.s.,114:45–63)

Assim, a evolução dos projetos do ateliê passa a caracterizar-se pela urgência em fazer e não tanto pelo enfoque na planificação e na reflexão sobre as atividades, numa condição que parece ser motivo de frustração e de desilusão para os designers (j.b.,115–116), pelo que consideram ser uma falta de respeito ante o projeto de design: “Há aqui uma despro- porção que nem sempre… Que muitas vezes acontece por essa falta básica e inicial de respeito pelo projeto…” (a.b.,112–113). Estas dificuldades diagnosticadas não só forçam reorganizações improvisadas ao nível da distribuição e do desenvolvimento dos projetos (a.s.,113:45–47), como também alteram os procedimentos do trabalho da equipa. Como já tivemos oportunidade de registar, uma rotina perdida ao longo do tempo, por exemplo, é a integração de reuniões internas em que os designers apresentavam os trabalhos em curso, mecanismo de grande utilidade e valor reconhecido (a.b.,112:77–80; d.s.,113–114) pela partilha e pelo diálogo que introduziam nas dinâmicas do grupo, em que procuravam antecipar o eventual feedback do que poderia ser a opinião do cliente (d.s.,113:92–105). A desabituação desta rotina é também um sinal evidente das alterações assumidas ao nível da evolução dos projetos, com implicações na aferição da qualidade dos trabalhos desenvolvi- dos na empresa. Sobre esta matéria, os inquiridos assumem existir apenas estratégias intui- tivas ao longo do desenvolvimento do projeto (a.s.,113:49–54), sem procedimentos defini- dos a priori e organizados enquanto grupo, dependendo em grande medida do contributo crítico proveniente dos clientes (a.s.,113:55–57) e da intuição dos designers no processo. 4.5. Estratégias de gestão comercial

Num quadro de empobrecimento crescente das condições ideais para a evolução dos pro- jetos (j.b.,115:83–99) que tende de modo inexorável para a desvalorização do trabalho (j.b.,115:22–47), a gestão comercial do ateliê é marcada por pressões de ordem económica e temporal sobre as estratégias de gestão comercial, que tendem a agudizar-se. Ainda assim, diante dos desafios impostos pelo contexto atual, os responsáveis do ateliê garantem não fazer o trabalho a qualquer custo (j.b.,115:51–54), balanceando de um modo ponderado os prós e contras antes de executar os projetos. É no contacto inicial junto dos clientes que a posição do ateliê é firmada pelo gestor comercial (a.m.,112:21–65), numa estratégia que acaba por preferir “cortar o mal pela raiz” (j.b.,115:55–64). Como resposta ao contacto do ateliê para o desenvolvimento de novos projetos ou a um pedido de orçamento, por exemplo, o procedimento instituído consiste na apresentação de uma minuta contratual que clarifica os direitos e deveres do ateliê para o trabalho a desenvolver. É a resposta dos clientes a esta atitude que denuncia se existe empatia entre ambas as partes, como explica o sócio gerente:

(…) quando me pedem um orçamento nunca é um orçamento, é uma proposta… têm sempre várias páginas… 10 páginas, 8 páginas… e tenho às vezes a reação do tipo ‘epá,

pedi-vos um orçamento… recebi aqui um manifesto e tal’… e portanto, há sempre aqui um bocadinho essa tentativa de equilíbrio… porque há questões importantes ali a clari- ficar, quer dizer… a questão de porque é que nós não vamos apresentar nenhum estudo gráfico antes do contrato estar assinado, ou desse acordo estar feito… em questões de identidade, por exemplo… nós, quando desenvolvemos projetos de identidade, já foi algo que tentámos desenvolver, algumas parcerias, mas… a garantia que não existem oposições de terceiros… de garantir que a marca é única, etc. Clarificar muito bem como é que isso funciona (…) muitas vezes provoca uma discussão que é clarificadora. E dá- nos a oportunidade também de explicar o nosso processo de trabalho. (a.m.,110:64–91)

Assim, torna-se evidente que a gestão comercial do ateliê assenta na qualidade das rela- ções que se estabelecem com os clientes, valorizando em grande medida os resultados conquistados em projetos anteriores, apresentados em detalhe na página da internet da empresa, sob a forma de estudos de caso. Esta estratégia, a que se alia a adaptação ao perfil dos clientes, visa garantir uma resposta abrangente, capaz de respeitar a natureza diversa da carteira comercial da empresa. Existem, assim, vários tipos de ateliê, que se metamorfoseiam consoante as necessidades, como podemos apurar:

Nós atuamos de maneiras diferentes consoante o cliente que temos em frente. Não é por acaso que eu não conheço esses clientes, da área da informática e não sei quê… e não é por acaso que há outros clientes que só me conhecem a mim… e há outros que não me conhecem de todo. Ou há clientes onde nós percebemos que para eles é importante terem uma referência pessoal e dizerem que trabalham com o j.b. Então aí vou eu. E outros que não, que querem trabalhar com uma empresa. (j.b.,115:66–81)

Podemos resumir, numa breve síntese, que a estratégia comercial do ateliê visa a mi- nimização de experiências falhadas e se preocupa em garantir o ajustamento das expe- tativas mútuas (a.m.,112:4–19), assegurando a qualidade da empatia, gerando novos projetos a partir de contactos preexistentes ou pela transmissão boca a boca, de antigos para novos clientes.

Através dos testemunhos de a.m.,o sócio gerente do ateliê, constatamos que a formação do ateliê não detém uma estrutura implícita ou projetada, mas antes uma adaptação pro- gressiva ao longo da história da empresa (a.m.,94:72–75), assente em regras não explícitas formadas ao longo do tempo (a.m.,94:58–70), sendo clara a definição de papéis no seio do ateliê. Se j.b. surge como líder projetual unívoco, com a responsabilidade total no que diz respeito à atividade projetual do ateliê, ao seu sócio são atribuídas as responsabilidades do foro económico, nas quais o líder projetual não detém intervenção direta (a.m.,94:77–79),

assumindo para si os papéis de angariador de novos clientes (a.m.,96:13–28) e de decisor máximo dos destinos comerciais do ateliê. Todavia, e apesar das pressões económicas com potencial para fazer decrescer o grau de qualidade dos projetos desenvolvidos pe- los designers – através da aceleração dos processos e dando primazia aos projetos mais rentáveis, por exemplo – a.m. realça a importância do papel desempenhado pelo sócio, destacando inclusive o seu afastamento das pressões exercidas pelos desafios económicos e das pressões intrínsecas ao dia-a-dia do estúdio:

(…) muitas vezes o j.b. tem ali uma função fundamental na empresa, que é garantir… é muito fácil, porque eu estou muito exposto ao dia-a-dia… à pressão do cliente, às exigências de prazos, etc… e é muito fácil, perante essa pressão diária e esse desgaste, começar a facilitar. Facilitar no sentido negativo de… enfim, ser pouco exigente com o nosso trabalho… embora eu tente não o fazer, mas acontece. A pressão pode ir nesse sentido. E o j.b. consegue manter ali uma exigência de qualidade, mas tendo em consi- deração que não podemos viver num castelo isolado do mercado. (a.m.,94:81–91)

Pelo testemunho do sócio gerente percebemos que o equilíbrio entre os dois domínios da empresa – a gestão, de um lado, e o projeto, do outro – só se torna possível otimizando, tanto quanto possível, a comunicação entre ambas as partes (a.m.,95:5–12), afirmando ser esse também o principal eixo de controvérsia nas dinâmicas quotidianas assumidas pelo ateliê, voláteis à pressão exercida pelas solicitações de clientes nos momentos de trabalho mais atribulados (a.m.,95:14–22). É o próprio gestor comercial que assegura não querer “apontar soluções” (a.m.,96:30–35) para os desafios que distribui pelos seus designers, destacando a necessidade de confiar em absoluto nas soluções gráficas apresentadas pelo líder projetual e pela equipa que coordena: “Há aqui uma confiança mútua inabalável… não preciso de conferir o que é que o j.b. faz e vice-versa. Sei que o assunto que lhe está delegado está bem delegado, e vice-versa. Isso é fundamental” (a.m.,96:7–11). Em linha de conta com esta posição dialogal entre as partes, as equipas de trabalho são formadas de acordo com as necessidades a enfrentar pelo coletivo, não havendo para tal uma conduta prescritiva ou planeada, mas antes uma análise construída pela oportunidade e pela “quí- mica” que se constrói entre os agentes (a.m.,95:55–99).

Um aspeto característico da atividade desenvolvida no ateliê de Coimbra diz respeito ao afunilamento dos processos na figura do gestor comercial e sócio gerente, identificado pelos designers como um “desbloqueador de problemas” (a.b.,94:55–56), quer ao início do projeto, quer nos momentos em que a necessidade assim o obriga, ao longo do desen- volvimento do trabalho em curso. A partir do testemunho dos designers verifica-se que, da parte do responsável pela gestão do ateliê, há consciência do esforço em assegurar todas

as condições necessárias para o desenvolvimento do trabalho, quer ao nível de recursos tecnológicos ou materiais (d.s.,98: 51–70;72–83), quer na garantia do tempo adequado ao desenvolvimento de cada atividade (d.s.,98:45–49), com uma assinalável consciência protetora dos agentes responsáveis pelo desenvolvimento projetual dos trabalhos: “(…) o a.m. protege imenso os designers. Podem dizer que os patrões são isto ou aquilo. Podem nomear uma série de coisas. Mas nunca um designer foi tão protegido… então em frente a um cliente… como é aqui.” (d.s.,98:94–101). Este instinto protetor sobre a equipa de designers ao serviço do ateliê surge balanceada com a evocação de um espírito de sacri- fício da parte destes colaboradores, na assunção de tarefas que, noutro tipo de estrutura (j.b.,99:3–5), seria assumida por diferentes tipos de colaboradores, como gestores comer- ciais ou accounts, inexistentes no modelo de gestão assumido pela empresa. Assim, se ao líder projetual é reservado um “espaço útil” (d.s.,98:103–108) que assegure a resposta adequada a cada projeto, modelo tido como exemplar nos discursos dos colaboradores, o trabalho dos designers acaba por integrar atividades burocráticas externas ao próprio desenvolvimento projetual, com os próprios a realçar a importância destes detalhes no resultado final do trabalho:

(…) um designer não é só um gajo que se senta em frente ao computador e sabe fazer umas merdas no Indesign ou no Photoshop. Não é isso. Queres que uma coisa seja bem feita… por exemplo… queres que uma tabela, uma legenda… seja impressa num ma- terial xpto, e que tenha um acabamento x… ‘deixa ver se isto é possível’. Como é que tu vais saber? Vais ligar ao a.m.? (…) Não… vais tu ligar (…) E isto faz com que os trabalhos sejam melhores ou piores. (d.s.,98:18–29)

Face ao retrato, a necessidade de assumir algumas das etapas administrativas do tra- balho, por parte dos designers, visa reduzir a carga imposta sobre o gestor comercial, cuja função não se esgota na capacidade em delegar trabalhos mediante a agenda de trabalhos em curso. A par do papel de desbloqueador dos trabalhos em curso no ateliê, a.m. assume o papel de locus de controlo do trabalho do gabinete, recaindo ainda sobre si a responsabilidade de aceitar ou recusar novos projetos, numa constante necessidade de equilíbrio entre as exigências económicas inerentes à estrutura financeira da empre- sa e a perspetiva a longo curso dos destinos da empresa, procurando antecipar se exis- tem condições para que o trabalho seja bem sucedido ou, pelo contrário, se o trabalho não justifica eventuais riscos que lhe estão inerentes (a.m.,95:34–45). Será esse o mo- tivo pelo qual o gestor do ateliê identifica como principais desafios a responsabilidade face aos restantes colaboradores e a preservação das expetativas geradas em torno da empresa e dos clientes que compõem a sua carteira comercial (a.m.,94–95), procu-

rando assegurar que estão reunidas as condições que permitam que todos cumpram o seu papel, da melhor forma possível. Nas palavras do gestor comercial, sobre quem recai o peso das responsabilidades económicas (a.m.,95:30–32) e a antecipação do futuro do grupo (a.m.,97:21–35), identificamos uma preocupação mais acentuada com a sustentabilidade do organismo (a.m.,95:101–107) do que com uma eventual reestru- turação do modelo de funcionamento da empresa. É também sua a responsabilidade de identificar oscilações “em termos de energia e disponibilidade” (a.m.,96:44–56) da sua própria equipa, em resposta às pressões e às tensões provenientes do exterior, e que condicionam as rotinas de trabalho do grupo. Ao nível da gestão e do funcionamento do ateliê a. m. garante não identificar particularidades especiais na gestão de um ateliê com estas características, apesar das idiossincrasias evocadas para a atividade e para os seus profissionais:

(…) os desafios que se colocam a uma empresa da nossa área não são assim tão dife- rentes dos desafios que se colocam às outras empresas (…) é evidente que há aqui uma componente de criação artística, na nossa atividade, apesar de ser uma prestação de serviço. Mas não partilho dessa ideia, que ‘os criativos são umas prima donas’… não. São como as outras pessoas. (a.m.,96:58–76 )

Percebe-se, pelo retrato tecido, a dificuldade de a.m. em conseguir articular a gestão do negócio com a procura e antecipação de novas oportunidades de trabalho (a.m.,97:46–53), embora o próprio considere ir conseguindo responder, quase sob pressão (a.m.,97:55–73) a essas solicitações que ultrapassam a gestão do dia-a-dia.

Como percebemos, o afastamento do líder projetual das atividades de gestão inerentes ao funcionamento do ateliê é uma condição característica do ateliê de Coimbra (a.m.,96– 97), num afastamento que surge não só por iniciativa do gestor comercial da empresa, com a intenção consciente de preservar o sócio destas matérias (a.m.,96:1–5), como é uma opção assumida pelo próprio responsável projetual (j.b.,99:1). No entanto, e apesar da reserva assumida por parte do líder criativo deste género de atividades, a equipa de designers assume etapas administrativas envolvidas nos projetos que lhe são atribuídos, procurando reservar o gestor comercial para a conquista de novos projetos, e não tanto a resolução de problemas emergentes no seu desenvolvimento:

(…) ele tem que ter liberdade, espaço, para ir buscar novos trabalhos… se ele tiver que andar a gerir os meus três ou quatro projetos, mais os teus três ou quatro projetos (…) ele não vai ter tempo para andar à procura de trabalho. (d.s.,97:92–102)