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Segunda camada — A estrutura organizacional do ateliê

4. O ateliê como organização – Coimbra

4.1. Descrição do ambiente

Na perceção do ambiente do ateliê de Coimbra ficamos com o retrato de um contexto laboral com uma atmosfera de trabalho positiva, marcada pelo à-vontade entre os co- laboradores (a.s.,151:32–39), que usufruem da liberdade de movimentos – nos seus hábitos, nos seus trajos e nas suas rotinas – promovida pelos sócios da imprensa:

(…) É uma atmosfera de escritório, administrativa, talvez mais distante de uma conce- ção esterotipada do ateliê de design gráfico (…). (Diário do Investigador, sexta-feira, 16 março 2012 – Ateliê de Coimbra, pp.124)

Em dia de greve geral, as ruas parecem ter o mesmo movimento do costume. O ambien- te é calmo (…) com pouca interação entre os diferentes elementos do ateliê. (Diário do Investigador, sexta-feira, 22 março 2012 – Ateliê de Coimbra, p. 132)

Apesar de assumir que o conjunto de opiniões não é consensual (d.s.,151:76–100), d.s. sente que a participação dos seus superiores em determinadas brincadeiras é um sinal evidente do bom ambiente vivido na empresa. A acrescentar a esta referência, recursos como a máquina de café ou a disponibilidade temporal para usufruir de mais-valias como a biblioteca da empresa (d.s.,152:10–15), a que acrescem as próprias condições físicas do espaço, parecem contribuir para o reforço da ideia dominante de um ambiente percecionado como positivo:

é muito open space… é e não é, ouvimo-nos todos, sentimos a presença uns dos outros, mas não estamos em cima uns dos outros, há espaço também para alguma reserva quan- do é necessária. Há um espaço de café onde muitas pessoas se cruzam de manhã, fazem o seu café ou bebem água. Há um pote de biscoitos ou de bolachas onde as pessoas também vão fazer uma pausa… (a.b.,150:82–96)

A influência do espaço físico surge reforçada nos testemunhos dos colaboradores do ateliê, sobretudo no que respeita à divisão das áreas de trabalho reservadas aos desig- ners que acaba por estar dividida por alas, resultado da presença de estantes ao centro da área comum. Mesmo considerando as facilidades de comunicação entre todos, o testemunho de a.s. não deixa de registar a influência dessa condição física nas suas rotinas: “é esquisito, porque estamos ali tão perto… não é? Mas a verdade é que eu não tenho grande contacto com a ala de lá (risos)…” (a.s.,151:23–25). Patente nesta descrição está um forte sentido de pertença a cada uma das alas que, muito embora passe despercebido ao quotidiano vivido pelos designers, atua de um modo indelével na transformação do ambiente vivido no ateliê.

Elemento marcante para a perceção do ambiente do ateliê de Coimbra é a inexistência de uma banda sonora coletiva. Os relatos dão conta que a música ambiente disponibili- zada para todos surge, quase em exclusivo, pela iniciativa dos sócios (a.s.,151:16–17). É também através da descrição de a.b. que ficamos com uma ideia muito clara do modo como este aspeto marca o ambiente atual da empresa, sobretudo quando comparado com instâncias passadas:

(…) No início [do Ateliê de Coimbra], havia mais música… mais presente. Tínhamos uma aparelhagem, e havia… As pessoas iam trazendo cds e a música era ouvida pelo ateliê todo. A partir de dada altura cada um começou… os gostos musicais começaram a ser tão dispersos, tão dispersos, não… tão diferentes… que cada um começou a trazer a sua música os seus phones (…) às vezes já sinto que há um ar de call center e acho isso mau. Até porque lá está… acho que é um bocadinho anti-espírito de ateliê, mas lá

está… às vezes é a única maneira (…) de te isolares, te concentrares, bloqueares a tua desatenção. (a.b.,150-151)

Esta ideia nostálgica do passado do ateliê evidencia, no entanto, que o ambiente da empresa parece ter vivido tempos mais estimulantes ao nível do envolvimento dos co- laboradores, num cenário dominado por grande fervor projetual. São transversais, quer da parte dos designers mais antigos, quer da parte do líder projetual da empresa, as me- mórias de um tempo em que os horários de saída eram ignorados, mesmo que tal não se justificasse (a.b.,150:71–80), como bem patenteia o retrato de j.b. sobre esse período inicial da empresa:

(…) o tipo de dedicação era completamente… não era maior, mas era completamente diferente, era uma coisa… eu lembro-me de uma coisa que era normal era estarmos to- dos os dias no ateliê até às oito da noite, jantarmos e voltar… vivíamos ali… aquilo era uma coisa full time… passávamos ali noites inteiras… É um período interessante… mas não podia ser sempre assim. (j.b.,152:41–56)

Apesar do desgaste proporcionado pelos contextos de stress e das dificuldades vividas no ateliê, num processo de perda de inocência do estúdio, a.m. acredita que o quotidiano do ateliê é marcado por um cenário onde as pessoas “gostam de trabalhar” (a.m.,150:6–15). O gestor do ateliê não esconde, no entanto, e apesar da estrutura informal identificada na empresa, que o ambiente no seio da empresa é influenciado pela inexistência de dinâ- micas de trabalho em grupo ou “de reflexão conjunta, seja em torno de projetos concre- tos de design, seja, inclusivamente, de questões mais estratégicas, macro, da empresa” (a.m.,150:21–29), de que resulta um sentido de elevado pendor isolacionista para a prá- tica do design gráfico do ateliê, numa posição reiterada em diferentes momentos. Tam- bém na interpretação de a.b. acima transcrita ficamos com a noção de que o isolamento incorpora, na essência, um valor contrário à utopia idealizada para o ambiente do ateliê (anti-espírito do ateliê), dada a natureza relacional inscrita na prática em design gráfico, numa conduta que tende a enclausurar os colaboradores no seu próprio universo, como percebemos nos testemunhos de outros colegas: “(…) há quase como um ligeiro egoísmo perante as pessoas, perante os colegas… ninguém sabe o que é que os outros andam a desenvolver… eu acho que há pessoas que até têm medo de ajudar…” (d.s.,151:58–74). Os horários estruturados (embora flexíveis) não parecem estar, face ao exposto, a ser ren- tabilizados como oportunidades de entrosamento coletivo, na partilha de momentos entre todos, como o almoço. O que se verifica, no contexto, é que acabam por se fomentar sub- divisões numa equipa, já de si, pequena. Mas se o almoço partilhado no ateliê poderia ser

um contributo para a fomentação de um melhor ambiente, o testemunho de a.m. defende que uma imposição do género deve surgir de um modo natural, sob pena de se transformar em mais uma rotina de trabalho, e exemplifica a experiência de j.f., o estagiário dinamar- quês que passou pelo ateliê:

(…) ele [j.f.] disse-me que no ateliê onde ele estagiou antes de vir [para o Ateliê de Coimbra], as pessoas almoçavam todas na empresa, em torno de uma mesa… entravam a trabalhar, e almoçavam em torno da mesa… mas ele próprio reconheceu que a coisa não funcionava muito bem, porque invariavelmente o almoço era também de discussão sobre trabalho (…) eventualmente, um almoço uma vez por semana, em que o assunto não é trabalho e é um momento de… agora, isso tem que ser natural. (a.m.,150:46–64)