• Nenhum resultado encontrado

Segunda camada — A estrutura organizacional do ateliê

5. O ateliê como organização – Lisboa

5.5. Estratégias de gestão comercial

Quanto às estratégias de gestão da empresa, o destaque primordial segue para a concilia- ção de papéis detidos por j.s., que assume em simultâneo os papéis de líder projetual e gestor comercial do ateliê. Para o auxiliar nesta dupla missão, o responsável projetual do ateliê de Lisboa conta com a presença de s.v. não só para assegurar as questões mais téc- nicas do foro económico, mas também para garantir que o cumprimento das responsabili- dades a esse nível, na articulação com os agentes externos – clientes ou fornecedores – ou na gestão quotidiana intrínseca ao funcionamento do ateliê. A descrição de s.v. contribui para o retrato do perfil do líder enquanto gestor:

Para o negócio… para o negócio em si (…) Se ele pudesse ser um bocadinho mais… linear… no fundo mais… menos emotivo em relação aos trabalhos, se calhar perdia alguma qualidade em relação a alguns, mas aumentava em relação a outros… acabava por conseguir olhar de fora… não tão dentro… (s.v.,100:102–105)

Este sucinto testemunho dá-nos conta das dificuldades suscitadas na gestão da empresa pelo cariz emotivo da personalidade do líder, cujo envolvimento e entrega aos trabalhos acaba por impedir uma análise mais fria ao ateliê como negócio. O relato parece ser

reforçado pela consciência do próprio j.s., que se considera um patrão atípico, com “as qualidades e os defeitos” (j.s.,71:19–21) que daí advêm, numa conduta que não é distinta das características que o distinguem como indivíduo ou responsável projetual. Socorre- mo-nos, uma vez mais, das próprias palavras de j.s., que ilustram de modo veemente a sua conduta como gestor:

(…) tudo aquilo que eu faço, como gestor e empresário, é muito intermitente. E está re- fém das minhas qualidades e defeitos pessoais. (…) Tenho uma memória miserável, que só me arranja problemas… tenho uma tendência para a procrastinação, não no trabalho em concreto, mas nas decisões e até, às vezes, a enfrentar as situações que implicam ponderação e estudo (…) Tenho dificuldade com isso. (j.s.,70:20–34)

Apesar deste discurso autocrítico, o líder parece não perder de vista os aspetos mais concretos da realidade do negócio e dos problemas que podem afetar a sustentabilida- de da empresa. Assumindo que “estruturas como esta estão condenadas a desaparecer, porque não têm sustentabilidade, a médio-prazo” (j.s.,99:47–56), resultado não só do incremento da carga fiscal imposta às empresas do género, por um lado, mas também da desvalorização do valor atribuído ao trabalho, por outro (j.s.,99:31–33;100:49–52), j.s. revela a preocupação em manter a empresa num nível de segurança financeira ade- quado à sobrevivência do grupo.

Assumindo responder de um modo intuitivo aos desafios que vão sendo identifica- dos, numa conduta profissional interligada com as ligações da vida privada (j.s.,99:79– 87), a gestão do ateliê não parece ser distinta do modo como este surge, em que a principal preocupação era a de “normalizar a minha situação contributiva e financeira” (j.s.,99:98–101), nunca tendo havido um plano identificado ou uma linha estratégica definida (j.s.,99:89–92;100:47). Talvez por isso, o líder do ateliê de Lisboa assuma de um modo descomplexado que “como negócio somos uma espécie de empresa à beira do desastre permanente” (j.s.,99:82–83), dando primazia ao valor projetual e, sobre- tudo, à mais-valia promocional inscrita no trabalho, mesmo que nessa aceitação do trabalho surjam eventuais riscos económicos com potencial para colocar em causa a sustentabilidade económica da empresa. Um exemplo evocado por j.s., embora longo, ilustra de um modo conveniente a atitude assumida para o ateliê a este nível:

Fizemos um trabalho interessante para o tapume da Praça do Comércio, para o restauro da estátua, que foi durante muito tempo, como negócio, uma ruína completa. Depois, ficou simpático, no final… com mais um patrocínio que eles conseguiram arranjar. E no qual eu, aliás, ajudei a cimentar, a angariar. Mas ao princípio, aquilo era um trabalho

ruinoso. Havia 10.000 euros para fazer aquilo e eu disse que sim, que fazia. Até sei fazer contas. Porquê? Porque queria imenso fazer aquele trabalho. Porque queria imenso que uma produção do ateliê, que não era só o design gráfico… era a conceção toda… e até os textos, que foram escritos por mim. Tudo era nosso. E portanto eu queria muito ter uma coisa ali, naquele sítio, uma coisa que pudesse ser assinada por mim durante mais 1 ano. E parece publicidade gráfica…portanto, eu queria muito fazer aquilo. E durante um mês e tal, andei a chorar aqui pelos cantos, a dizer que ia perder uma fortuna com aquele trabalho… e perdia-a. Que se lixe. Perdia-a. Porque aquele trabalho era importantíssimo para o ateliê. Portanto, eu diria, se quiseres, que este é o principal objeto de avaliação. Não regateio recursos para uma coisa que eu considero que é importante para a imagem do ateliê, no sentido obviamente de gerar ruído mediático e novos negócios, ou novas oportunidades de negócio. (j.s.,99–100)

Um de vários exemplos do sistema de valores incorporado na estratégia de gestão do ateliê (j.s.,100:25–45), evidencia que o valor primordial para o líder é a qualidade reco- nhecida no trabalho, princípio de que não parece estar disposto a abdicar, mesmo que para tal possam ter que assumir papéis não-remunerados como forma de garantir a qualidade total do serviço (j.s.,99:23–29) ou, numa postura mais arriscada ainda, possam correr o risco de ter perdas financeiras na execução do trabalho. Neste quadro, é s.v. quem acaba por deter um papel mais acentuado no controlo sobre as questões financeiras da empresa (s.v.,101:14–16), servindo de igual modo como a voz da consciência financeira do grupo (s.v.,102:1–15), num processo nem sempre isento de dificuldades (s.v.,102:17–23). Ape- sar das diferenças de abordagem, é a própria assistente a reconhecer existirem vantagens na adoção de uma filosofia de gestão mais intuitiva (s.v.,101:96), adotada pelo seu líder, pela adaptabilidade proporcionada pelo modelo de gestão (s.v.,101:42–47), permitida pela preservação da estrutura diminuta da empresa, sem níveis estratificados ou modelos de funcionamento mais rígidos (s.v.,101:72–73), numa atitude coerente com a conduta assumida noutros domínios do ateliê.

Às estratégias de gestão financeira adotadas pelo ateliê de Lisboa acrescentam-se apon- tamentos da atitude aplicada para o dia-a-dia da empresa, que dá primazia a uma ma- nutenção de um nível de conforto elevado para os trabalhadores da empresa, designers, num exemplo similar ao que verificamos suceder na empresa conimbricense, procurando garantir que nada falte à equipa de trabalho, como livros, revistas ou internet sem fios (r.b.,100:81–86). Já sobre a remuneração dos colaboradores, o líder aborda sem rodeios a conduta adotada, num exemplo revelador do modo como o líder premeia a exigência sobre o trabalho:

(…) eu nunca paguei horas extraordinárias a ninguém. Nunca me lembro de ter feito isso. Às vezes, quando alguém da equipa é particularmente bombardeado com trabalho, e tem uma sobrecarga continuada durante algum tempo, nós compensamos com uma viagem, ou damos-lhe uma maquineta ou uma coisa qualquer. (…) no geral, nós traba- lhamos mais do que devíamos. E as pessoas têm mais trabalho do que deviam. (…) Por outro lado, eu nunca os penalizo demasiado pelo facto de aquilo que fazem não estar tão bem como devia estar. (j.s.,99:7–22)

O exemplo, que patenteia o interesse em valorizar o trabalho criativo dos seus colabora- dores, é uma demonstração da conduta utilizada pelo líder para garantir a satisfação da equipa com a qual colabora, numa conduta que acaba por promover a “credibilidade em termos do negócio” (s.v.,101:18–28), quer na ligação aos colaboradores internos, quer nas relações com os colaboradores externos.

Uma última ideia concreta que fica da análise dos testemunhos reforça a importância do modelo de funcionamento assente na linha autoral do líder. Enraizado na própria con- duta comercial assumida para a empresa, percebe-se ser indissociável o funcionamento do ateliê sem a figura do seu líder projetual mesmo que, ao nível do desenvolvimento pro- jetual, a sua presença possa ser lacónica, como teremos oportunidade de perceber adiante. As fortes linhas identitárias do líder, e o adn que incute ao ateliê tornam fundamental a sua presença na empresa, sem a qual esta não sobreviveria, numa opinião sustentada pelos colaboradores: “(…) o que eu sinto é que este ateliê, se não tiver cá o j.s… É um ateliê de autor… Se eventualmente acontecer alguma coisa ao j.s. que o impeça de estar aqui, sinto que… é uma empresa que se dissolve” (s.v.,100:105-108).