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1. Estratégias metodológicas e contextos da investigação

1.4. Procedimentos para a análise e tratamento dos dados

Como forma de interpretação das narrativas recolhidas, recorremos à análise de conteúdo enquanto técnica adequada para desocultar os sentidos conferidos às ações, procurando desvendar o que se encontra por detrás das palavras (Pêcheux, 1969). Com a noção de que a produção do conhecimento consiste no esvaziamento de preconceitos, numa visão que transcenda o senso comum (Silva, 1986), acreditamos que o tipo de análise de conteúdo que mais se adequa aos propósitos do estudo é uma análise interpretativa, com particular incidência nos fenómenos sociais coletivos (Guerra, 2006).

À luz do nosso enquadramento teórico, procuraremos passar além da descrição das ocorrências sociais que se desenvolvem, passando para um nível de cariz interpretativo, que vise a construção de ideais-tipo (Guerra, 2006, p. 66), um quadro estrutural que se debruça no aprofundamento da prática em design gráfico enquanto fenómeno social. Se, num primeiro momento, e aproveitando o potencial heurístico da metodologia qualitativa a que recorremos, procurámos desocultar e compreender as relações que se estabelecem entre o responsável projetual, líder do ateliê independente de design gráfico, e os restantes agentes, humanos e não-humanos, que se estabelecem como cooperativos no desenvolvi- mento da sua prática em design, fomos sendo confrontados com a complexidade social daqueles contextos, adicionando camadas de interpretação à medida da concretização do estudo. Assim, e para tornar mais clara a presença do investigador naqueles contex- tos, a experiência etnográfica é comunicada não apenas pelos registos textuais realizados aquando da observação, mas é completado através de dispositivos visuais descritivos. As plantas, os mapas e as fotografias funcionam como suporte visual de uma experiência etnográfica plural, rica na sua complexidade social e material.

Num primeiro momento, recorremos ao software nvivo para a organização dos regis- tos do diário de campo em unidades temáticas, pelas possibilidades que abre na análise de conteúdo qualitativo, como a categorização simultânea de dados, como entrevistas e notas de campo119. Deste processo, que facilita a triangulação dos dados, foram extraídos

os excertos que diziam respeito às observações mais íntimas do investigador, emergindo cinco áreas temáticas principais:

• O líder, a caracterização do seu perfil e a interpretação das relações estabelecidas com o grupo, sem descurar as suas estratégias de liderança projetual e as pré-conceções do grupo sobre as características de um ideal-tipo para uma figura desta natureza;

• A área de processo e projeto, que contemplava as ideias sobre o decurso das ativida- des de índole projetual, a imagem social construída para o ateliê, os seus pressupostos identitários, referências e valores, entre outras;

• A área de organização e procedimentos, focada na descrição dos procedimentos im- plementados, na gestão e distribuição das atividades e das etapas de desenvolvimento dos projetos;

• As considerações sobre o espaço, tecnologia e cultura material, em que os sujeitos abordavam tópicos como tecnologia, às condições físicas do ateliê e os recursos exis- tentes, viabilizando uma melhor perceção sobre a cultura material de cada território; • As ligações com agentes externos, como clientes e fornecedores, viabilizando a consi-

deração do seu perfil, a natureza das relações ou as estratégias de contacto, entre outros.

Pela natureza da recolha de dados, estas áreas temáticas não se assumiram de um modo absoluto, mas antes um guia flexível que proporcionasse um fio condutor para a realiza- ção das entrevistas semidirigidas. O recurso à análise de conteúdo, técnica transversal aos diferentes domínios científicos da grande área das Ciências Sociais (Vala, 1986), permitiu a construção de sentidos a partir da voz dos sujeitos da investigação, num pro- cesso técnico e, inevitavelmente, moroso. Uma vez feita a gravação áudio das entrevistas, procurámos aproveitar a morosidade do processo de transcrição como uma oportunidade de reflexão contínua e de cruzamento de experiências entre a voz dos sujeitos e o tempo passado nos ateliês, sedimentando a construção e a organização das categorias de análise. Os próprios registos de oralidade, diferentes de pessoa para pessoa, tornaram complexa a tradução do texto para a forma escrita. Todavia, pela sua importância em representar de modo final o perfil dos entrevistados, não fizemos quaisquer ajustes ao testemunho original, transcrevendo de igual modo as pausas e interjeições discursivas que ocorreram com a naturalidade do discurso oral, potenciando a riqueza de sentidos do discurso de cada indivíduo e a fidelidade ao discurso individual, num registo próximo da análise de histórias de vida (Poirer, Clapier-Valladon & Raybaut, 1999). Interessava-nos, mais que as palavras, o que estaria entre as linhas (Bardin, 1977), e que nos confere um olhar único para o contexto social e cultural vivido pelos colaboradores de cada ateliê.

Uma vez transcritas, as entrevistas passaram por um processo de organização em cate- gorias e subcategorias, tendo para tal sido utilizado o software gratuito rqda, não só pela

natureza democrática da sua estrutura em código aberto, mas também pela sua credibili- dade enquanto sistema de análise de conteúdo qualitativo120. Uma vez concluído esse pro-

cesso, foram organizados os testemunhos em 26 subcategorias, distribuídas por 5 grandes grupos, como podemos observar no quadro 3.

Quadro 3. Organização das áreas temáticas

Categoria Subcategoria

Agentes Externos Clientes / Diferenças entre Clientes / Relações com Agentes Perceções sobre ateliê

Espaço, Tecnologia

e Cultura Material Condições físicas do Ateliê / Principais Recursos Ateliê / Tecnologia Ateliê Líder Perfil Líder / Relações com o Líder / Liderança Ideal

Organização

e Procedimentos Colaboradores / Desmaterialização / Gestão / Organização / ProcedimentosReflexividade / Relações estabelecidas Processo e projeto Práticas Projetuais / Ambiente no Ateliê / Contributo dos designers

Divulgação do trabalho do Ateliê / Domínio Tecnológico / Filosofia Imagem do Ateliê / Referências invocadas / Valor Profissional

Dada a extensão dos dados, formatámos o texto em colunas e construímos um sistema de identificação com réguas, com vista a facilitar a interpretação e a localização do excerto invocado no texto principal, remetendo para anexo a totalidade desses registos121.

Alicerçados neste processo de análise de conteúdo, importante pilar da metodologia qualitativa (Bardin, 1977), procurámos definir modelos compreensivos para a prática do design gráfico no ateliê independente, com assinatura projetual, através do cruzamento entre teoria e saber empírico, que não só contribui para a construção de conclusões como abre múltiplas possibilidades de investigação futura. Se, à partida, o quadro conceptual definido para a abordagem aos territórios se revelou um precioso guia para a construção de significados daqueles espaços, o processo fica completo no decurso da sua interseção com os dados recolhidos que, pela sua riqueza social, proporcionam um olhar único so- bre a tecelagem do social naqueles contextos. Deste modo, a compreensão das relações que se estabelecem entre os diferentes agentes do ateliê assume múltiplas interpretações, promovendo o surgimento de perspetivas que derivam a partir de dentro deste género de contexto, percebendo a participação dos diferentes agentes no processo. A desocultação das interações entre esses mesmos agentes visa possibilitar novas leituras de entendi- mento sobre as metodologias e os processos que compõem a prática profissional nestes lugares, procurando penetrar no universo de “uma dada profissão, no segmento de um 120. Idem.

determinado estrato ou num diferente grupo de fé, num esforço de tradução equivalente ao de antropólogos clássicos como Malinowski” (Moreira, 2007, p. 182).

Num processo de compreensão através da compreensão do outro (Silva, 2003), incidimos o foco teórico na prática em design gráfico, nas relações do seu quotidiano, sem partir de verdades absolutas nem almejando a recolha de dogmas ou normas prescritivas. O que se sugere é uma perspetiva de enquadramento teórico que contemple as relações que se estabe- lecem entre agentes como pressupostos atuantes para esta prática profissional, contribuindo para a construção de memórias coletivas para a profissão (Grootens, 2010).