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1. Estratégias metodológicas e contextos da investigação

1.3. As técnicas de observação, recolha e validade dos dados

A análise cultural está sempre intrinsecamente incompleta. E, pior que isso, quanto mais mais profunda menos completa está. É uma ciência estranha, nas quais as afirmações mais reveladoras são também as mais inconstantes, para a qual chegar ao fundo de uma qualquer questão é intensificar a sua própria suspeita e a dos outros, de que algo não está totalmente bem. Mas isso, aliado ao massacre de pessoas com questões obtusas, é o que significa ser etnógrafo.117 (Geertz, 1973, p. 29)

Após o enquadramento teórico e conceptual das principais temáticas do estudo, e uma vez selecionados os casos que poderiam constituir o universo do estudo para um trabalho com 117. No original: “Cultural analysis is intrinsically incomplete. And, worse than that, the more deeply it goes the less complete it is. It is a strange science whose most telling assertions are its most tremulously based, in which to get somewhere with the matter at hand is to intensify the suspicion, both your own and that of others, that you are not quite getting it right. But that, along with plaguing subtle people with obtuse questions, is what being an ethnographer is like.”

estas características, demos início ao trabalho no terreno. Desde o primeiro momento que considerámos importante evitar selecionar dois casos da mesma cidade, procurando asse- gurar que o olhar para cada caso seria único. Com este afunilamento, tornou-se simplifica- da a seleção dos casos, visto os casos fora de Lisboa serem em menor número. Para além desse critério, o critério de conveniência da proximidade do ateliê de Coimbra à cidade de Leiria, cidade na qual nos situamos, ditaria de modo definitivo a seleção de um dos casos em análise e a formação do universo do estudo. Partimos, por isso, para o terreno, focados em prosseguir num ajustamento contínuo entre teoria e observação no terreno, procurando registar tudo quanto era possível.

A proximidade e informalidade encontrada nos contextos selecionados tornou possí- vel o acesso privilegiado às rotinas de cada grupo, cuja atitude revelou alguma da expe- tativa e curiosidade assimilar uma figura de observador participante, sem envolvimento direto nas práticas projetuais desenvolvidas em cada lugar. Todavia, e apesar do acesso garantido, a conquista do espaço social revelou-se um desafio, pela habituação normal e necessária para abordar aspetos específicos envolvidos nas rotinas dos elementos da empresa, em particular dos designers. Pouco habituados ao escrutínio e a uma reflexão contínua das suas atividades e comportamentos do grupo, a abertura e disponibilidade dos criativos foi sendo conquistada, dia após dia, resultado da habituação à presença do investigador externo. Só com a garantia dessa capacidade de entendimento e de comuni- cação poderíamos garantir a prossecução de um trabalho com estas características, num processo marcado por cedências e trocas contínuas, de parte a parte, sendo a liberdade garantida pelos colaboradores de cada ateliê uma condição fundamental para o estudo. Se, nas fases de conhecimento mútuo, nos preocupámos sobretudo em dissipar eventuais receios causados em absorção de um corpo estranho às rotinas do grupo, procurámos ga- rantir que os sujeitos sentissem o à vontade necessário com a nossa presença, deixando as portas abertas para entrarmos, de modo tão natural quanto possível, nos seus quotidianos, como testemunha o excerto:

E.G. vai conversando acerca das propostas que acabou por ir desenvolvendo com a [Edi- tora] e dos manuais escolares desenvolvidos pelo ateliê. Aborda também a relação que vai construindo com J.S., uma relação na qual acaba por ser pedida aos designers algu- ma autonomia no processo. Acabo por assistir a partes do seu processo criativo, no qual identifico a procura de um equilíbrio entre referências atuais e históricas. Pelo e-mail, a designer acaba por receber novidades acerca da aprovação do trabalho. É o mail que veicula a “emoção” do trabalho aprovado. Fica também evidente que o cliente acaba por surgir como parceiro privilegiado no trabalho desenvolvido. (Diário do Investigador, quinta-feira, 26 Janeiro 2012 – Ateliê de Lisboa: p. 43)

Com essa ideia bem presente, e apesar da natural coexistência de momentos com maior e menor espaço de manobra, a relação com os indivíduos revelou-se, na grande maioria dos casos, de uma enorme naturalidade e tranquilidade.

Habituados a um grau de exposição mediática algo elevado, pelo facto de, por mais que uma vez, os ateliês terem sido alvo de artigos jornalísticos ou de outro tipo de expo- sição mediática (e, inevitavelmente, pela consciência do valor imagético das fotografias) os elementos do grupo mostraram-se confortáveis com a recolha de fotografias e vídeos das suas dinâmicas enquanto grupo. Também o facto de recolhermos, na maioria dos mo- mentos, fotografias não dos colaboradores do ateliê, mas do universo material que ali encontrávamos, serviu para tranquilizar o lado emocional dos sujeitos, que acabariam por demonstrar um grau de conforto elevado à exposição ao estudo. No que respeita a realiza- ção de entrevistas, a opção recaiu em escolher espaços próximos do ateliê, evitando uma sobrecarga emocional desnecessária sobre os entrevistados e garantindo a reserva necessá- ria para a condução de um momento com essas características. Pela natureza multifacetada dos projetos desenvolvidos por cada um dos ateliês, não foi nossa preocupação primordial a descrição densa do encaminhamento dos projetos criativos, desde o pedido inicial por parte do cliente, passando pela sequência de etapas da sua execução até à entrega e apro- vação final do projeto.

Quanto à validade dos dados recolhidos, a opção recaiu numa estratégia de triangu- lação de dados. Esta metodologia, de inspiração weberiana, que encontra em Norman Denzin (1989) um dos principais defensores do método, sugere-nos quatro níveis de triangulação: a triangulação de dados, cruzando várias fontes de informação sobre um mesmo objeto de estudo, pondo em evidência a coerência dos resultados; a triangulação de investigadores, quando se constituem equipas de investigação que procuram anular o fator investigador; a triangulação teórica, que consiste em analisar um problema partin- do de diferentes perspetivas de análise e de hipóteses distintas, com o objetivo de abrir o campo interpretativo; e a triangulação metodológica, sempre que, aplicando um mesmo método, o investigador combina diferentes técnicas de recolha e análise de dados, ou quando compara os resultados obtidos com dados preexistentes. Segundo Carmo & Fer- reira (1998), nos estudos de caso são empregues diversas técnicas de recolha de dados, tais como a observação, a entrevista, a análise documental e o questionário.

Dados os propósitos da nossa investigação, decidimos privilegiar o recurso a técnicas do inquérito por entrevista, as fontes documentais e a observação participante, através da qual procurámos ter uma oportunidade de contacto pessoal com os sujeitos estudados. Distinta, quer no conceito, quer na técnica, da abordagem positivista, esta abordagem sur- ge enriquecida pela experiência vivida no contexto do ateliê, materializada sob a forma de diário de campo. Desde o início da investigação que as intenções de representatividade es-

tatística não eram condicentes com o nosso quadro teórico, mais preocupado com a ideia de representatividade social inerente a cada caso abordado. Preocupou-nos que a seleção dos casos fosse significativa do ponto de vista social para a liderança projetual em design gráfico, como nos sugere Guerra (2006), e que o acompanhamento da atividade projetual pudesse contribuir com insights sobre o trabalho desenvolvido de designers de indelével qualidade e reconhecidos pela comunidade profissional como peritos.

Quando se situa num contexto da prova, a atividade de investigação tem como obje- tivo primordial a verificação de uma dada teoria, não obstante a maneira como esta foi elaborada ou formulada, não levando em linha de conta as condições psicológicas, histó- ricas ou sociais que presidiram à sua descoberta. No contexto da descoberta, contexto no qual julgamos enquadrar a nossa investigação, o investigador foca a formulação de teorias ou de modelos com base num conjunto de hipóteses que podem surgir quer no decurso quer no final da investigação (Léssard-Hérbert et al, 1994, p. 95), afastando-se da visão apriorística associada aos quadros de entendimento hipotético-dedutivos utilizando, em alternativa, técnicas indutivas para a fundamentação da investigação (Guerra, 2006). Este estudo, como refere Cross (2011), apresenta-se com uma metodologia de investigação direta, isto é, coloca-se próximo do universo em estudo, observando as diferentes ativida- des que constituem a rotina dos ateliês de design gráfico. Procura, deste modo, recorrer à abordagem etnográfica para adicionar outra camada na compreensão do ato de projetar em design gráfico, viabilizando um conhecimento mais profundo sobre a design experti- se, necessidade premente identificada por Lawson e Dorst (2009), numa investigação que, poderíamos assumir, acompanha o design em tempo real.

No que diz respeito à baliza temporal definida para o estudo, o acompanhamento etnográfico das atividades decorreu entre dezembro de 2011 e julho de 2012, num per- curso que decorreu em simultâneo nos dois contextos observados. Conciliar estes mo- mentos entre Lisboa e Coimbra, e ainda assim assumir os compromissos profissionais paralelos à atividade de investigador, assumiu-se como um dos principais desafios desta investigação, pelo receio de não-representatividade dos dados recolhidos. Todavia, a estratégia consistiu em ir alterando os períodos de investigação desenvolvidos, procu- rando garantir o acompanhamento não só dos diferentes períodos de trabalho dos ate- liês – manhãs (das 09h às 13h) tardes (das 14h às 18h30) e noites (das 18h30 em diante) – mas das ocasiões dignas de registo relacionadas com a prática das empresas118. Findo

este período de observação, a categorização das observações recolhidas serviu, aliada às premissas prévias ao estudo, para a construção dos guiões de entrevista realizados aos colaboradores da empresa. Deste modo, almejámos salvaguardar a representativi- 118. Como momentos de convívio extra-atividade do ateliê, conferências ou outros eventos.

dade dos dados e, simultaneamente, evitar a saturação de informação, que se verifica na repetição de informação para o investigador, materializada pela redundância de certos temas ou pela saturação das categorias de análise (Brandão, 2007; Guerra, 2006; Bog- dan & Biklen, 1994).