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Primeira Camada — Desvendar territórios

1.3. Os recursos e a tecnologia

Quer do ponto de vista tecnológico, quer ao nível dos recursos, o ateliê assume uma forte presença digital no seu funcionamento. O arquivo dos ficheiros de trabalho, por exemplo, encontra-se já depositado em sistemas digitais em rede – na nuvem – para além de serem preservadas cópias físicas dos trabalhos produzidos pelo gabinete (a.b.,48:101–105), cri- Figura 18. Zona de trabalho dos designers

(Fonte própria)

Figura 19. Espaço do líder projetual (Fonte própria)

teriosamente catalogadas e arquivadas no piso inferior do gabinete130. Pelas palavras de

a.b. se compreende a função percebida para aquele espaço, numa descrição que demons- tra o tipo de relação existente com o espaço:

Aquela cabine enorme, dá-nos um jeitão, desde o estúdio fotográfico, quando precisas de trabalhar com plasticina, com tintas, com sprays, com recortes… sei lá… sempre que é preciso trabalhar à vontade e não estares preocupado se estás a dar cabo da carpete com nódoas de tinta, tens um espaço privilegiado daqueles enorme, onde está tudo ar- quivado. (a.b.,48:93–99)

Na articulação dos recursos digitais e físicos do ateliê, percebe-se existir uma tendência de acompanhamento de cada uma destas características, resultando numa perceção da empresa como um contexto acessível e disponível para resolver as necessidades mate- riais dos colaboradores (d.s.,49:42–51) ou, inclusive, promover a aquisição do que se sinta estar em falta. Perante este cenário, compreende-se o sentimento generalizado de satisfação ao nível dos recursos da empresa, resultando numa sensação de haver “tudo” (a.s.,49:23–31) e, mais importante ainda, potenciando o sentimento de satisfação dos tra- balhadores. No entanto, importa assinalar a perceção apontada quer por j.b. quer por d.s. de que, de alguma forma, nem sempre estes recursos são aproveitados de um modo con- veniente, como acontece no caso da extensa coleção de livros disponível na empresa, para a qual não parece existir uma prática de leitura assídua dos designers, a quem é permitida a requisição de obras para consulta fora do local do ateliê (j.b.,49:103–105).

Indicada como primordial recurso, a biblioteca ocupa cerca de um terço do espaço disponível no piso térreo do gabinete. Para além da mais-va- lia que representa como espaço fo- mentador da inspiração dos colabo- radores, ou inclusive como cenário de descompressão e lazer à dispo- sição dos profissionais da empresa, (a.b.,48:81–84), a biblioteca (Figura 20) detém um papel importante no seio do grupo pelo modo como abra- ça o visitante que toma um primeiro 130. Esta análise é realizada em maior detalhe na Quinta Parte — 4.2. A implementação de procedimentos.

Figura 20. Biblioteca / Sala de reuniões do ateliê de Coimbra — Piso térreo (Fonte própria)

contacto com o local de trabalho do grupo, deixando fortes e memoráveis primeiras im- pressões, como patenteia o discurso de a.s.: “(…) quando cheguei aqui e vi aqueles livros todos… tu entras e aquela perceção logo das prateleiras, cheias de livros… foi… senti- me em casa.” (a.s.,49:15–18). Para além dos livros desenvolvidos pelo gabinete, grande parte da biblioteca é composta por manuais de referência das diferentes subdisciplinas que constituem o alicerce da atividade da empresa, como a tipografia, a Arquitetura grá- fica e layout, ou diferentes compêndios com a História do Design, a que se acrescentam diversas publicações periódicas assinadas pelo ateliê, cuja falta se faz notar de imediato pelo líder projetual do grupo (j.b.,49:81–94). Já ao nível da utilização do espaço da cave, por exemplo, é o retrato de d.s. que nos leva a perceber, apesar das mais-valias conti- das naquele espaço, o não-aproveitamento dos recursos disponibilizados pela empresa (d.s.,49:53–61) detém consequências ao nível das etapas de desenvolvimento e ao nível das relações desenvolvidas, num empobrecimento material do trabalho do ateliê.

Para além dos recursos materiais identificados, os testemunhos do ateliê de Coimbra focam a importância dos recursos humanos da empresa, sobretudo no que respeita o con- trolo do trabalho administrativo, que assumem grande relevância para o funcionamento adequado do ateliê, no seu quotidiano (a.m.,47:91–95). Essa ideia, reforçada por a.m.,des- taca como mais-valia o papel da colega c.a. na articulação de “todo o trabalho de gestão documental e administrativo dos processos” (a.m.,47–48). Essas competências, aliadas à flexibilização dos processos do grupo pela via das plataformas de gestão e de contacto em rede, revelam o investimento do grupo em incorporar vias de comunicação direta não só para desenvolverem o contacto com os agentes externos ao grupo mas, inclusive, com vista a otimizar a comunicação interna e a rapidez dos workflows de produção:

(…) já tinha implementado procedimentos que passavam pelo apoio informático, gestão de documentos, etc… só que não eram nada amigáveis (…) A partir do momento em que nós temos serviços online, com interfaces amigáveis, em que eu com um clique insiro uma informação, ou faço uma pesquisa e aquilo me devolve os resultados ime- diatos (…) Temos um repositório de conhecimento… aquilo que tipicamente se chama um wiki, onde agregamos todas as informações… desde informações banais que sejam os horários de aulas dos colaboradores que dão aulas ou que estão em aulas (…) São questões banais, mas que têm um impacto enorme no dia-a-dia… cada vez que é inter- rompido alguém, que está a meio do processo de trabalho. (a.m.,48:36–61)

A riqueza presente na descrição de a.m. ajuda-nos a deter uma melhor perceção sobre todo este processo e sobre a forma como os agentes não-humanos de índole tecnológica assu- mem para si um importante papel como mediadores de relações entre os seres humanos.

1.3.1. Entre o físico e o digital

A harmonização de procedimentos e a articulação entre os universos físico é merecedo- ra de um destaque assinalável, dada a necessidade de articulação entre as duas instân- cias do ateliê. Para além da gestão do arquivo da empresa estar alicerçado em suporte digital, como pudemos observar no ponto anterior, também as tarefas a desenvolver por cada um dos elementos do grupo são definidas numa plataforma online, denominada Manymoon,131 na qual o gestor comercial introduz novos projetos, numa gestão acom-

panhada em tempo real ao longo da duração de toda a atividade envolvida na execução do trabalho:

(…) temos ferramentas de gestão de tarefas e projetos, com uma componente muito social, em que se podem ir acrescentando comentários e documentos… tudo isto interligado… nós tentámos desmaterializar o mais possível a informação dentro do ateliê de Coimbra, também para não termos… para não estarmos preocupados em gerir servidores internos e

backups, etc… adotámos muitas soluções software-as-a-service. (a.m.,52:74–82)

Apesar do registo de experiências falhadas e de introdução de tecnologias às quais o grupo reagiu de um modo negativo (a.m.,53:61–62), a crença do sócio gerente na ado- ção destas plataformas parece inabalável, sobretudo pelas mais-valias que reconhece ter trazido para a dinâmica do gabinete, “uma forma muito eficaz e poderosa de conservar o conhecimento adquirido da empresa e de o difundir” (a.m.,53:46–48). Também os desig- ners, nesta matéria, parecem agradados, regra geral, com as metodologias de organização digital dos trabalhos (a.b.,52:55–59), numa tendência de digitalização de procedimentos que parece deter uma preponderância cada vez mais significativa, com resultados identi- ficados ao nível da cooperação e da gestão dos projetos:

(…) em termos dos processos e do suporte… e, de facto, aqui, nos últimos anos, isso mudou violentamente. O que o software-as-a-service veio a permitir é absolutamente extraordinário em termos de processos de colaboração. (…) como gestão da equipa, que potenciou a capacidade de trabalho em equipa… (a.m.,53:5–11)

Não obstante a defesa acérrima dos sistemas digitais de que dependem para a execução do projeto, que acabam por dispensar a presença física do gestor comercial no ateliê (a.m.,53:17–18), a.m. detém a consciência de que a prioridade deve centrar-se na compo- nente de desenvolvimento projetual dos designers, para a qual uma sobrecarga burocráti- 131. O Manymoon é uma aplicação desenhada para organização de trabalho colaborativo que permite a partilha de documen- tos, definição de metas e a distribuição de tarefas.

ca do trabalho pode ter o efeito inverso ao desejado, e que motivou a sua implementação (a.m.,54:66–77). A própria experiência de d.s. dá conta de uma cada vez mais desregu- lamentação das atividades, provocada em parte pela velocidade de execução requerido pelos projetos:

Atualmente, as coisas estão a chegar… como não há tempo e as coisas estão a entrar muito à queima, é… ‘olha, tu vais fazer isto assim e assim’… as coisas estão no Many- moon (plataforma de gestão de tarefas) e a gente vai lá, tem um conjunto de tarefas… lemos o brífingue, lemos… passamos aquela parte toda. (d.s.,56:78–83)

Dada a dimensão reduzida da equipa, que conta com um universo fixo de 10 colabo- radores, poderíamos intuir que a comunicação entre os colaboradores ocorreria de um modo direto, face a face. Todavia, não deixa de ser digno de registo que na própria comunicação interna do ateliê assenta em grande medida na comunicação por telefone e e-mail (a.s.,56:52–54), à semelhança do que sucede com algumas relações com clien- tes, dependendo dos projetos (d.s.,56:71–72). Este apontamento curioso sobre a comu- nicação entre colegas, não só é o resultado das generosas áreas de trabalho do estúdio – tornando mais fácil o contacto por telefone do que a movimentação constante entre pisos – como também reflete as metodologias de trabalho individual desenvolvidas pelo grupo, que desenvolvem o seu trabalho numa espécie de ilha digital132, em que o próprio

contacto dos designers ao trabalho desenvolvido pelos colegas é feito através dos canais de comunicação digitais do ateliê (a.s.,55:91–93).

Percebemos, deste modo, que as vivências do ateliê detêm um acentuado pendor tecnológico em três vertentes principais: por um lado, no natural acompanhamento da tecnologia, com a atualização dos sistemas e computadores (j.b.,57:16–31) e na re- ceptividade em incorporar tecnologias de vanguarda para a prática projetual do ateliê (j.b.,57:16–31; 36–54); na organização das atividades, assente em grande medida em plataformas digitais, com a calendarização e a definição dos intervenientes em cada etapa; por último, nas próprias relações entre agentes internos, mediadas em grande medida através do telefone e dos canais de comunicação digitais, em estratégias de relações similares ao que sucede com os agentes externos ao ateliê, como clientes ou fornecedores, que procuraremos caracterizar em passagens futuras133.

132. Ver Quinta Parte — 10.4. Os processos de trabalho. 133. Ver Quinta camada – Os Agentes Externos.

2. Em Lisboa

À semelhança do que procurámos fazer na apresentação do caso de Coimbra, adiciona- mos o retrato descritivo da experiência recolhida no terreno, no momento que coincide com a primeira visita ao espaço do ateliê:

Num edifício antigo no centro da cidade de Lisboa, subo ao segundo piso, entro no ateliê pela porta principal de um dos espaços do escritório. Quem abre a porta é s.v., a office manager da empresa, uma mulher alta, de cabelos negros. Sugere-me que aguarde pela chegada do líder do ateliê, na sala de reuniões. Ele é j.s., um indivíduo de estatura média, com pouco mais de 50 anos. Dos seus traços identitários, destacam-se as roupas informais e os óculos de massa graduados, grandes, num estilo casual e urbano. À esquerda da sala de reuniões, numa sala pequena com espaço para duas secretárias, encontra-se l.a., um dos designers do ateliê. Alto e de corpo esguio, com um pequeno bigode, l.a. aparenta ter um perfil mais recatado, adequado ao espaço que ocupa. A secretária em frente encontra-se vazia, para já, mas o computador de- nuncia a possibilidade de alguém poder trabalhar naquele espaço.

Continuando a apresentação dos colaboradores do ateliê, a sala comum é uma espé- cie de “nave central” do ateliê, onde percebo trabalharem 5 pessoas, no total. Junto à janela, frente a frente, encontram-se r.b. e e.g., dois dos designers mais antigos a colaborarem no ateliê. Ele, r.b., é um indivíduo jovem, poucos anos acima dos 30, ligeiramente calvo. Óculos, calças de ganga e t-shirt negra. e.g., antiga colega de Fa- culdade de r.b., com uma saia curta e meias opacas, denuncia uma atitude igualmen- te discreta, num perfil que se começa a desenhar para o grupo. O seu corte de cabelo liso, pelos ombros, com uma franja retilínea, denuncia um estilo mais urbano e tren-

dy. Ao seu lado, separada apenas por uma cadeira, encontra-se s.p., ex-companheira de Faculdade dos dois colegas apresentados e, de sorriso aberto, revela uma persona- lidade afável e dócil. À sua frente, r.m. Dez anos mais jovem que os companheiros de sala, a designer é a mais jovem do ateliê sendo, também, aquela que colabora há menos tempo na empresa. Também ela é, à semelhança das colegas designers, uma mulher de estatura média, com um corpo magro. Juntamente com e.g., diria que é ela quem, no ateliê, denuncia um estilo mais cosmopolita e contemporâneo, próprio de uma capital como Lisboa. O seu penteado volumoso e os seus óculos grandes e cas- tanhos enquadram-na num perfil com inspiração retro. A pouco e pouco, alguns das áreas de trabalho foram sendo preenchidas por outros atores sociais. Na sala comum é c.r. quem acaba por ocupar o lugar vazio entre e.g. e s.p., trabalhando a partir do portátil que trazia consigo. De calças de ganga largas, olhos claros e estatura peque- na, a designer evidencia um perfil mais móvel no ateliê, materializado pela mochila

que transporta. Junto a l.a., é m.a. quem ocupa a secretária vazia situada na pequena sala do canto. Embora com uma idade acima dos 40, o vestuário de m.a., designer, patenteia também um estilo mais cosmopolita, que não difere do trajo selecionado pelas suas colegas. O batom vermelho, a saia escura pelo joelho e o sapato de salto alto completam o seu retrato introdutório. Antes do final do dia, é c.s. quem chega ao ateliê, uma jovem cuja missão incide, em algumas horas ao final dos dias, no apoio direto às atividades de manutenção do ateliê, desempenhadas por S.V. (Diário do Investigador, sexta-feira, 13 Janeiro 2012 – Ateliê de Lisboa: pp. 13–14)

Para além de indicar, desde logo, uma sucinta descrição da organização espacial da em- presa e da ocupação distribuição dos locais de trabalho, o leitor encontra ainda uma breve descrição física dos colaboradores, com o intuito de facilitar a associação visual à expe- riência recolhida no terreno. Cumpre-nos, nestas etapas iniciais, prosseguir na descrição das condições espaciais do ateliê, que tratamos já no ponto seguinte.

2.1. O contexto físico do ateliê

A longa descrição das condições físicas do ateliê de Lisboa, que procura ser fiel ao olhar direto do espaço do ateliê, dá conta de um contexto acolhedor, cujo tom dominan- te é dado pela omnipresença envolvente dos livros, que parecem tomar conta do espaço:

É um espaço de trabalho acolhedor, sempre com muita luminosidade natural e com alguma luz artificial. O ateliê divide-se em dois espaços de escritório, espaços sem ligação entre si situados no mesmo piso. O espaço A é o maior: contém uma sala grande (onde a maioria dos designers trabalha), uma sala de reuniões, wc e uma pequena cozinha. Contém ainda uma sala mais pequena, com dois postos de trabalho, e uma zona dedicada à parte mais administrativa, ligeiramente mais recolhida. O espaço é amplo e acolhedor, e as zonas de trabalho dividem-se com divisórias curtas, permitindo uma fluidez de acesso assinalável, de área para área. O pé direito enorme dá ao espaço uma amplitude assinalável, permitin- do ainda longas filas de estantes até ao tecto, onde o acesso só é possível com escadote. A principal área de trabalho, onde se encontram quatro (ou cinco) designers, acaba por estar com uma iluminação mais ténue, embora adequado para o trabalho diante do ecrã. Há uma segunda sala para designers, mais recolhida, onde estão dois elementos, o l.a. e a m.a. (só da parte da tarde). É uma sala mais recatada, quase à parte, mas o l.a. confessou-me que não haverá grandes diferenças ou razões para as quais isso seja um factor a considerar. A luz, também aqui, está algo ténue, marcando um ambiente pacato e concentrado.

Na segunda sala, o espaço é menor, mas não o impacto visual do cenário: aqui, fileiras massivas de livros impõem-se ao olhar visitante, ‘aconchegando’ as secretárias do líder

do ateliê e da gestora do escritório. Umas escadas, esguias, dão acesso a uma mezzanine repleta de livros, num cenário que incita ao ‘mergulho’ nos livros. O cheiro do papel é intenso e, juntamente com o tom amarelecido que predomina nas estantes, percebe-se o valor patrimonial das obras ali presentes (…) Espalhados por todo o ateliê estão imensos elementos de comunicação, com especial incidência para um tipo de artefacto em parti- cular: livros antigos. Um pouco por todo o lado, encontramos em caixotes, dossiers ou capas de portfólio inúmeros objetos de comunicação que funcionam como catalisadores visuais. Há posteres anglo-saxónicos antigos, elementos publicitários de circos ou teatros. Mas a tónica prende-se sobretudo com muita comunicação visual portuguesa, produzida um pouco por todo o século xx, sendo absolutamente incrível o volume de informação recolhida nesta matéria. Dá ainda para ter uma caixa de livros para oferta, tal é o volume de informação existente. Afixados nas paredes estão alguns estudos dos projetos em curso. (Diário do Investigador, Sexta-feira, 06 Janeiro 2012 – Ateliê de Lisboa, pp. 10–12)

É o líder, j.s., quem assume a opção consciente sobre o cenário envolvente do ateliê como uma parte integrante de uma certa “projeção de imagem” (j.s.,43:30–31) que o líder deseja transmitir do ateliê, sobre o qual afirma ter opiniões favoráveis, que destacam a agradabilida- de, a informalidade e o conforto do espaço, cujo impacto se fez sentir inclusive nos próprios colaboradores (l.a.,44–45). Todavia, o líder projetual assume que a organização do espaço não obedece a nenhum programa prescrito, adaptando-se à condição bipartida do lugar, para a qual não existe intenção direta de privilegiar o líder do ateliê, como atesta o exemplo:

“durante muitos anos eu era o tipo que saltava mais facilmente, ou seja, nunca tive um lugar, o meu lugar privilegiado (…) nunca pensei ‘epá não, esta sala é para mim…a ad- ministração tem que ter uma sala’… nunca liguei muito a isso” (j.s.,43:39–47).

j.s. reconhece, todavia, que a sala onde se encontra acaba por denunciar o seu perfil colecionista (j.s.,43:55–58), tal é a multi- plicidade de artefactos que ali se encontram (Figura 21). Já a gestora do ateliê, s.v., que par- tilha a sala com o líder, aborda a capacida- de de concentração que este espaço permi- te, mas salienta a necessidade constante de ter de se deslocar entre salas, numa deslo- cação motivada pelas questões de trabalho que acabam por ir surgindo (s.v.,46:79–96). Figura 21. Artefactos dispersos no espaço de

Um dos destaques principais feitos pelos sujeitos, ao nível das condições físicas do ateliê, prende-se com a divisão das zonas de trabalho. A posição de l.a.,cujo posto de trabalho acaba por estar isolado dos colegas, denuncia diferenças ao nível do ambiente vi- vido pelo grupo (l.a.,44:49–51), numa condição que não parece desagradar o colaborador (l.a.,44:20–44:96–97). A sua posição fica a dever-se a necessidades impostas por um pro- jeto que, dado o grau elevado de colaboradores externos envolvidos (editores, fotógrafos, revisores), merecia um espaço capaz de isolar o grupo e evitar as disrupções no trabalho da restante equipa (l.a.,44:73–78). O resultado desta posição isolada, apesar da conveniência evidenciada, é a transformação das rotinas do grupo, onde diferentes elementos da peque- na equipa acabam por passar longos períodos sem trocar impressões com os colegas:

Desse ponto de vista, eu prefiro onde estou. Mas estou muito mais isolado. Estou mui- to… percebo isso… eu consigo passar uma semana sem falar com a r.m.… porque efetivamente eu não tenho nada para lhe dizer… não é o… eu não almoço com ela, saí- mos a horas diferentes e entramos a horas diferentes… o nosso trabalho não se cruza… portanto, é mais isolado. (l.a.,44:31–37)

Esta condição individualizada do trabalho não só não se encerra às características físicas do espaço, como parecer ser motivada pelas próprias condições do trabalho em si: “há momen- tos em que podíamos estar todos em salas separadas que ninguém dava por isso” (r.b.,46:3– 4). Embora o retrato, partilhado por outros colegas (r.m.,45:44–50), tenda a desvalorizar a importância do ambiente físico nas rotinas da equipa, outros apontamentos destacam o modo como o contexto surge integrado nas práticas do grupo, incutindo a possibilidade de construir um sentido crítico coletivo, partilhado entre todos (l.a.,43–44). Finalmente, os testemunhos realçam a preocupação relativa ao conforto proporcionado pelo ateliê como um fator de des- taque, quer para os que ali trabalham diariamente, quer para os agentes externos que visi-