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9. No original: “The real difficulty in design is not reaching that very first level of apparent competence; it is in attaining the higher levels And that is where the design profession sits.”

1.1. Múltiplos sentidos para o Design

Perante a impossibilidade de encontrar uma definição unívoca para Design, tal a multipli- cidade dos seus significados (Erlhoff, 2007), variáveis no tempo e no lugar (Côrte-Real, 2010), procuramos avançar com diferentes perspetivas teóricas que aludam a uma clarifi- cação dos pressupostos que detiveram particular relevo no decurso deste trabalho. A utili- zação indiscriminada do termo como nome e como verbo (Flússer, 1993/2010) incorpora diferenças na sua compreensão, podendo referir-se ao produto final de um dado processo ou, por sua vez, ao próprio processo (Lawson, 2005). Traídos pela polissemia do termo, vasto na sua amplitude e aplicação na descrição de experiências díspares e completas, que seguem desde a conceção, desenvolvimento e resultado da produção material dos artefac- tos (Potter, 2008), resta-nos apresentar breves definições do design para que o leitor possa compreender o rumo adotado para este trabalho e, assim, tornar viável a resposta a esse complexo quadro conceptual.

Partindo de uma perspetiva radicalista ecológica, Papanek (1975/1999, p. 251) apre- senta-nos uma definição de design como uma série de mitos desenhados para proteger e enriquecer elites compostas por falsos detentores do bom gosto, tecnocratas e persuaso- res. Em Edugraphology – The myths of design and the design of myths, Papanek sugere mesmo uma redefinição do ensino da disciplina, que acusa de perpetuar uma falaciosa interpretação do Design, prejudicial à preservação ecológica e estável do Mundo. Nesta visão, partilhada por outros autores, “todo o ser humano é um designer” (Potter, 2008, p. 10), num quadro que não só concebe os limites da disciplina como um território flexível (Papanek, 1971) como entendem que o seu raio de ação se sobrepõe ao de outras ativida-

des e disciplinas. Compreendendo-a como uma capacidade inata do ser humano, o autor austríaco advoga a redefinição dos pressupostos subjacentes ao Design, conforme a sua interpretação na cultura Ocidental, criado para funcionar como estratégia escamoteada de venda, persuasão e criação de necessidades, assente em mitos que alicerçam a disciplina. A profissionalização do design é o primeiro desses mitos11, que mais não cumpre que a

invenção de necessidades que não existem. Uma redefinição necessária do que constitui Design, no entender de Papanek, passaria por desmantelar tais mitos, maximizando o po- tencial participativo do design, com vista ao benefício coletivo e à preservação do capital ecológico à disposição do ser humano, libertando-o de uma dependência obsessiva dos produtos e encetando um esforço consciente em impor uma nova ordem nos significados da condição humana (Papanek, 1999).

Concebendo o Design como um espaço de fronteira entre arte e técnica, Flússer (1993/2010) aponta conotações sobre o termo que derivam dessa mesma multiplicidade semântica. Tendo já sido alvo de reflexão mais profunda (Estêvão, 2009; Cruz, 2006), as ideias de Vilém Flússer no essencial incidem sobre o caráter artificial inerente à própria condição de designer, para o qual este não é senão um conspirador dotado de artimanhas que servem o simples propósito de enganar, tal como uma máquina (Flússer, 1993/2010). Nesse mesmo sentido, a pluralidade de sentidos apontada ao termo Design não se encerra no própria conceção semântica, mas sobretudo na proximidade linguística e conceptual com outros termos, dos quais deriva uma mesma visão existencialista do mundo: “Os termos design, macchina, tecnica, ars e arte estão estreitamente ligados entre si, nenhum deles é pensável sem os outros (…)” (Flússer, 1993/2010, p. 11).

Uma visão concretista para o Design diz-nos tratar-se de uma atividade laboral, um ser- viço prestado a terceiros – identificado de modo tradicional como um cliente – que surge envolvido na produção ou comercialização de bens, materiais ou serviços. Nesta descri- ção surge incorporada uma matriz antitética à prática artística, que prioriza a expressão das ideias inerentes ao programa do cliente em detrimento da expressão individual do designer. A proximidade dos dois territórios na compreensão do mundo como experiência estética é, no entanto, evidente, com incidência particular para o campo da comunicação visual (Lawson, 1980/2005). Nesta linha de entendimento, Rand (1981/2007), por sua vez, alude às dificuldades resultantes da sobreposição de camadas burocráticas que com- põem as instituições, a que se acrescentam as diferenças de perceção existentes sobre o trabalho de design: se, para o designer, o trabalho é sinónimo de um modo de estar na vida, a perceção externa assim não o entende, resultado do desconhecimento das etapas envolvidas neste processo. Desse modo, Rand aponta como cenário ideal para o bom design 11. O princípios lançados por Papanek são dez, no total. Edugraphology - The Myths of Design and the Design of Myths. Texto integral publicado na Revista britânica Iconographic n.9, em 1975.

o acesso direto ao máximo decisor: “A não ser que o design esteja tão interligado nas estruturas burocráticas de uma empresa que seja possível ter acesso ao decisor máxi- mo, tentar produzir bom trabalho é, muito frequentemente, um exercício inútil”12 (Rand,

2007, p. 233). Pelos argumentos do norte-americano, somos levados à compreensão de que o designer detém uma certa despreocupação material, apontando como sua principal motivação o exercício de design em si mesmo. O discurso de Rand pauta pela constante necessidade dos designers de contrabalançarem um suposto lado lírico (leia-se, artístico) da profissão com a sua componente pragmática (leia-se, comercial). Numa visão impreg- nada da perspetiva neoliberal que se ajusta em pleno no adn capitalista dos eua, as ideias de Rand parecem atacar em várias frentes: por um lado, aborda conceções estereotipadas inerentes à figura do designer como alguém de difícil relacionamento e intransigente. Por outro lado, fala dos clientes como indivíduos preocupados sobretudo com a vertente comercial do trabalho, com limitações na aferição da qualidade estética e valorativa do próprio trabalho que encomendaram. Muito embora os seus argumentos sejam exacerba- dos, com vista à melhor ilustração do seu ponto de vista, Rand dirige-se sobretudo aos designers, apelando à necessidade de se educarem não só no domínio visual, mas também numa esfera cultural.

A dificuldade surge, do mesmo modo, identificada por J. Christopher Jones, que acu- sa a proliferação de tentativas de definição do design em critérios mensuráveis como um obstáculo à prossecução do bom design (Jones, 1984), um conceito não menos subjecti- vo, dotado de valor simbólico individualizado. Na sua resposta aos princípios do design formulados por W. H. Mayall, em 197913, Jones afirma ser a altura para ultrapassar essa

necessidade de empacotar definições de design, que não são mais que obstáculos à sua efetividade como agente de mudança: “(...) É altura de repensar o design, a educação em design e a necessidade de profissões na área do design face ao aumento da insatis- fação com a tecnologia, o design, o planeamento, e os seus efeitos”14 (Jones, 1984, p.

79). Uma das observações mais contundentes do autor prende-se com a sua crítica ao Princípio das Relações, que Mayall concebe e Jones (1984) recupera, e que abordava a necessidade do designer em estabelecer “relações funcionais com todas as atividades que envolvem a conceção, fabrico e marketing de produtos e, mais importante, com o potencial utilizador”15 (Jones, 1984, p. 78). Embora não estando em desacordo com a

12. No original: “Unless the design function in a business bureaucracy is so structured that direct access to the ultimate