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Primeira Camada — Desvendar territórios

3. Síntese comparativa – Desvendar territórios

Na conclusão desta primeira etapa de desocultação das relações dos ateliês, importa salien- tar os aspetos primordiais que caracterizam os contextos físicos de cada empresa. Assim, no que respeita a sua estrutura física, um pormenor evidente que caracteriza o contexto do ateliê de Coimbra é a separação física intencional das duas partes integrantes que com- põem o ateliê, numa dimensão que, como perceberemos adiante134, enceta em si mesmo

uma importante condição identitária para o funcionamento da empresa como organização. Talvez por isso os testemunhos salientem a importância de rodear os designers com os pares como forma de construir sinergias criativas entre os colaboradores, num espaço de- marcado pela inexistência de zonas fechadas na totalidade, viabilizando a livre circulação 134. Ver Segunda camada — A estrutura organizacional do ateliê.

e o deambular dos colaboradores por todo o espaço, numa distribuição confirmada com a sobreposição dos mapas C1, C2 e C3 (à direita). Na análise das condições físicas do ateliê de Coimbra, é ainda salientada a importância da sua localização na cidade de Coimbra, não só pela sua implementação na malha urbana da cidade (comparada lado a lado com o ateliê de Lisboa, nas Figuras 30 e 31), próximo das margens do Mondego, mas também pelo sentimento de pertença identitário que surge em torno desta condição, distante dos polos aglutinadores de Porto e, essencialmente, Lisboa, numa condição que parece ter assumido uma importância relevante na formação e desenvolvimento da identidade do ateliê.

Voltando à análise do território físico circunscrito ao ateliê, é destacada a preponde- rância da ação da cave como espaço de exploração material e de diálogo relacional com materiais, numa linha de entendimento que poderá situar-se mais próximo da conceção do designer-artesão que vimos em passagens anteriores, uma linha de entendimento que perspetiva craft mais como um processo do que como uma categoria isolada (Newell, 2007). O recurso a este espaço, todavia, parece ser alvo de controvérsia no seio da empre- sa, tornando evidentes a distinção de abordagens projetuais assumidas pelos designers, num detalhe que merece uma reflexão mais profunda135.

Apesar das diferenças de abordagem ao espaço, acaba por haver semelhanças quanto à separação entre as duas áreas distintas de operação do ateliê: de um lado, a gestão e a administração; do outro, os designers. Todavia, o que se percebe é que, se no caso de

135. Ver Quarta Camada — A Prática Projetual. Figura 30. Representação do espaço do ateliê

Lisboa, conforme podemos constatar através da sobreposição dos mapas L1, L2 e L3, essa separação entre os designers deriva das condições proporcionadas pela ocupação do espaço – tanto que só mais tarde se viria a concretizar a ocupação da sala B do ateliê – ao passo que a separação das duas áreas de atividade se apresenta intencional no ateliê de Coimbra. Torna-se evidente, desse modo, que a organização do espaço não segue um programa específico, tendo antes sido evolução de um processo de adaptação às necessidades que foram sendo identificadas, e pela sua condição de espaço permeável à integração de agentes externos no seio das práticas do grupo, como ilustra a posição mais isolada de l.a. no grupo, que ocupa uma sala distinta da ilha principal onde se encontram os restantes designers residentes da empresa. Apesar da abertura do espaço e da proximidade física entre os colaboradores, ressalta a ideia de isolamento dos indiví- duos, suscitadas mais pela natureza dos projetos que pelas condições físicas do espaço, numa característica com repercussões visíveis para a prática do grupo136.

Ao nível dos recursos identificados, e no que respeita a empresa de Coimbra, é de realçar o peso conferido à tecnologia, sobretudo na implementação dos procedimentos, com grande parte do arquivo a ser armazenado na nuvem. Esta abordagem, que se percep- ciona como proveitosa para a organização e procedimentação dos trabalhos da empresa, é também sinónimo do espírito de partilha colaborativa, com peso significativo na cadeia de processos do grupo. Para além disso, este processo de desvendamento do ateliê de Coimbra dá também relevo ao papel detido pela cave como zona de exploração material e local de metamorfose projetual, para o qual se reconhece, todavia, um menor peso no seio das dinâmicas do grupo, derivado do incremento do papel da tecnologia no processo, num registo similar ao que sucede com o peso da Biblioteca no quotidiano do ateliê. Importa, no entanto, registar que, apesar de haver uma redução das relações com estas zonas do ateliê, tal não significa uma menor preponderância destes dois espaços (cave e biblioteca) no desenrolar das atividades do grupo, e a sua disponibilidade um fator preponderante para a ação do grupo, mesmo que as relações estabelecidas com o computador e o acesso à informação disponibilizada em rede assumam uma maior preponderância.

Também no ateliê de Lisboa a tecnologia assume uma preponderância assinalável, como tivemos oportunidade de perceber. Se o investimento em equipamento obedece à otimização da relação custo/benefício, o interesse do líder em procurar estar na vanguarda da tecnologia parece motivar a aceitação de novos suportes para o trabalho da empresa, como sucedeu com o desenvolvimento de projetos para dispositivos móveis. Se, no entan- to, a relação com a tecnologia assume uma importância particular no seio das dinâmicas projetuais do grupo, ganha preponderância a veia colecionista do líder, pela presença

constante das referências pessoais que introduz no ateliê (Figuras 27, 28 e 29, p. 155), com papel relevante no despoletamento dos processos criativos dos colaboradores da empresa. Se, tal como no ateliê de Coimbra, a presença de livros e publicações de referência de temas relacionados com a atividade projetual da empresa, em domínios como a Tipografia, a Composição Visual e o Design Editorial, a título de exemplo, compõem a Biblioteca do ateliê de Lisboa, é a miríade de livros antigos e artefactos gráficos que se revela dominan- te na perceção do espaço da empresa.

Constatadas as particularidades de cada caso, no que respeita ao desvendamento indi- vidual de cada território, é de destacar o sentimento de satisfação dos trabalhadores ao nível da cultura material patenteada no espaço, quer num caso, quer no outro. Se, nesta primeira camada, fomos apresentando alguns principais agentes não-humanos do ateliê, as próximas etapas contribuirão para percebermos ainda melhor a importância indelével da sua presença e para reconhecermos de modo cabal a validade do seu contributo.