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6. Åbäke é um ateliê de design gráfico transdisciplinar, fundado em 2000 por antigos alunos do Royal College of Art Mais informação em Coles, A (2012) The Transdisciplinary Studio Sternberg Press.

1.6. Enquadramento teórico

Partindo de um paradigma socioconstrutivista, o qual visa a compreensão do modo como os indivíduos vivem e trabalham (Creswell, 2006), pretendemos entender os comporta- mentos dos indivíduos, os seus pontos de vista e os significados que conferem às suas ações, constituindo deste modo o eixo central da investigação. Procuramos, assim, re- colher os sentidos múltiplos da complexidade dos pontos de vista dos sujeitos, dando primazia à sua forma de perspetivar o mundo. Com a consciência de que o investigador tem à sua disposição várias formas de construção do conhecimento científico, cada qual com uma variedade de opções, é da responsabilidade de quem investiga o ato de assumir as opções adotadas no decurso de investigação. Estas opções, como sublinha Silva (2003, p. 15), apresentam-se de certo modo hierarquizadas, não sendo explícitas, definitivas, pré-programadas ou executadas em simultâneo.

Dada a natureza interpretativista do estudo, numa linha de inquirição que conta com uma longa tradição (Miles & Huberman, 1994), entendemos como objeto geral de investi- gação “o mundo humano enquanto criador de sentido” (Lésard-Hérbert et al, 1994, p.26) que visa compreender os comportamentos e motivações de cada sujeito a partir das suas próprias lógicas (Bogdan e Biklen, 1994). Creswell (2009) define a investigação qualita- tiva como uma forma de inquirição que visa a exploração e compreensão do sentido dado pelos indivíduos a um dado problema ou facto social. É claro o enfoque dado ao signifi- cado construído pelos indivíduos, privilegiando uma visão indutiva da investigação. Con- sideramos que este tipo de análise se circunscreve na esteira do pensamento weberiano, que confere importância à capacidade humana de racionalização das suas ações e atitudes comportamentais, que configuram um contexto em mutação constante (Guerra, 2006).

Ao enveredarmos por um estudo de casos múltiplos, pretendemos compreender casos únicos que integram um contexto real situado (Yin, 1987), visando compreender o como e o porquê (Bogdan e Biklen, 1994), ou seja, o significado que as ocorrências e as redes de interação têm para pessoas comuns, em contextos situacionais particulares. Interessa-nos, por isso, perceber a forma do que os sujeitos experimentam e o modo como interpretam as suas experiências, para além da sua conceção de estrutura do mundo social que os envolve, como salientam Bogdan e Biklen (1994, p. 51) através das suas leituras do pen- samento de Psathas. Avançamos, pois, numa linha do verstehen, de Max Weber (1983), que se opõe à explicação de ontologia positivista da sociedade.

Ao afirmar que “as ferramentas e o equipamento são próteses do corpo que transpor- tam a ideia do criador, totalmente diferente de um mecanismo autónomo de produção”8

(Margetts, 2011, p. 40), a autora apresenta-nos uma visão Modernista de relação com a 8. No original: “tools and equipment are prosthethic extensions of the body that carry the thought of the maker, wholly differ- ent from the autonomous production of machines.”

cultura material, que mais não faz que reduzir o processo criativo à relação de dependên- cia entre máquinas e humanos, na condição falaciosa de súbdito e soberano. Esta perspe- tiva teórica parece não ter em linha de conta as transformações epistemológicas que têm lugar no entendimento que detemos da sociologia, e que começam a aceitar uma leitura capaz de conceber o estatuto de agente social a outros agentes que não seres humanos, como sejam artefactos, sistemas informáticos ou animais (McLennan, 2011, p. 149). Esta posição, assumida pela Actor-Network Theory (ant), uma parte relevante do quadro teó- rico tecido para este estudo que, pela sua complexidade, decidimos explicitar com maior destaque nos últimos dois pontos da sua Terceira Parte. Face ao exposto, quando falamos de artefactos assumimos que não estamos perante passivos intérpretes da vontade huma- na, conforme se inscreve nas teorias de Gibson (1979) ou Gell (1998), mas antes agentes ativos e cooperantes no ato criativo (Yaneva, 2009), dado que vemos como simplista a afirmação de Margetts na análise da complexa rede de relações entre agentes. Do mesmo modo, assumir que a criação contemporânea reside na acomodação entre o manual e di- gital (Margetts, 2011, p. 42) é conformar-se com a existência em pleno das caixas negras que compõem esse processo. Se, como tivemos oportunidade de constatar, a missão do artesão é a de dar vida às coisas (Margetts, 2011, p. 43), parece-nos fulcral ir mais longe na observação que detemos das ligações que se estabelecem com as coisas.

Situado num espaço de fronteira, o design gráfico contemporâneo vacila entre a rapidez dos processos tecnológicos nos quais assenta e a craftsmanship de outras eras, num tempo em que o rigor e o cuidado com o detalhe ditavam as melhores práticas da disciplina. À tecnologia conferimos não só a responsabilidade de ditar a celeridade com a qual traba- lhamos, mas sobretudo no modo através do qual dita formas de viver e trabalhar, comu- nicar e socializar, viabilizando uma muito anunciada quebra de barreiras geográficas e uma abertura total das fronteiras que nos limitam. Mas será mesmo assim? Não estaremos nós tão habituados à arquitetura que nos rodeia, às áreas de trabalho nas quais estamos, aos trajetos que vamos repetindo, que ignoramos a sua importância para a nossa prática? Será que estes mesmos elementos têm, ou alguma vez tiveram, influência direta nessa mesma construção profissional em design gráfico? Acreditamos que o ateliê de design representa uma mística e um universo próprios, visto estarem longe de serem “inocentes” (Sudjic, 2009, p. 9). É neste espaço que, enquanto investigador, procuraremos entrar, abandonando uma conceção da prática em design à distância, algures encerrada numa qualquer “torre de marfim” (Dorst, 2009, p. 292). É na transposição para o outro lado, na estranheza do outro que Malinowski (1997) refere, que esperamos conseguir interpretar as interações que decorrem neste espaço, que Bos (2009) reconhece como um centro de orgulho profissional, nos melhores exemplos. Também Twemlow (2010) aponta para o espaço do ateliê e a materialidade que o integra, como vestígios mais físicos do processo

de design, impregnados da atmosfera que se vive no ateliê. A secretária, algumas imagens de referência ou testes de impressão de projetos passados, são componentes de uma nar- rativa dos artefactos produzidos, desde o seu brífingue até à sua presença nas nossas mãos (Twemlow, 2010).

Alicerçado neste quadro teórico, o estudo parte na procura de redes de significação entre os diferentes agentes envolvidos na prática do design de comunicação, tomando como exemplos concretos a tipologia de ateliê que registamos como ateliê de assi- natura projetual. O método de enquadramento etnográfico permitir-nos-á transpor os limites, saltar a fronteira, com todos os problemas e oportunidades que essa transdis- ciplinaridade sugere (Sato, 2009, p. 25). Estamos em crer que este estudo se apresenta como uma contribuição para a premente necessidade de reflexão em torno da disciplina (Dorst, 2009, p. 292), que lhe confira a capacidade para enfrentar problemas cada vez mais complexos.