• Nenhum resultado encontrado

5. A REPERCUSSÃO JURÍDICA DO DEVER DE A UNIÃO ELABORAR E EXECUTAR

5.4 A exigibilidade do dever de planejar e os planos urbanísticos da União

De início, cabe novamente ressaltar que a formulação de programas de desenvolvimento deve obedecer ao ordenamento territorial, que, por sua vez, exige o pleno diagnóstico e conhecimento dos espaços geográficos ou zonas ou regiões, em razão das alternativas ou opções de intervenções econômicas e sociais.

Aliás, este processo ocorre no âmbito da elaboração dos planos nacionais e regionais de ordenação do território que, conforme explicita a própria Constituição Federal, deve se constituir no principal instrumento para a ocupação racional dos espaços no território nacional.

Por certo, é o ordenamento do território que dá forma e conteúdo aos objetivos indicados na Constituição, dentre os quais se destacam o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, incisos II e III), sendo a sua elaboração arena indispensável para a avaliação dos impactos sociais e ambientais de atividades econômicas que englobam os grandes projetos nacionais, como as obras de infraestrutura e os complexos industriais e minerais.

Com efeito, o plano nacional e os planos regionais de ordenação do território devem orientar a instalação de grandes projetos públicos e privados.207A função orientadora e coordenadora de tais planos poderia viabilizar a integração dos projetos em questão com as leis de ordenação espacial estaduais e municipais e os demais planos setoriais já existentes nos estados e nos municípios, racionalizando o processo de alocação de recursos, tanto públicos como privados e a distribuição dos investimentos públicos em infraestrutura urbana pelo país.

Surge então a seguinte inquietação: Diante de situações que justificam a necessidade de elaboração de planejamento territorial (que deve nortear o uso, a ocupação e a transformação do território nacional) que alternativas restam para que seja dada efetividade ao disposto no art. 21, IX, da Constituição Federal?

Em razão do caminho escolhido ao longo do trabalho, parece não haver sentido em formular qualquer proposta que se enverede pelo caminho da ineficácia da Constituição. Em palavras mais incisivas: a inação legislativa em referência torna-se passível

207 Dentre as atuais obras públicas de projeção nacional, com evidentes impactos no planejamento territorial,

podemos citar as usinas hidrelétricas do complexo do Rio Madeira(Jirau e Santo Antônio), a pavimentação da BR-163, e os canais da transposição do Rio São Francisco. Além do mais, projetos como o de exploração do pré- sal apresentam nítido rebatimento territorial, especialmente nas regiões e cidades litorâneas que servirão de base para tais trabalhos.

de controle judicial, o mesmo podendo ser dito quanto à omissão da União na elaboração e implementação de políticas setoriais urbanas, conforme será enfatizado a seguir.

5.4.1 Omissão legislativa da União na realização do planejamento urbano

O combate à inconstitucionalidade por omissão é consequência do perfil da Constituição Federal de 1988.

A acentuada preocupação em prover a imediata realização do texto constitucional não mais permite que o seu destinatário aguarde, em espera indefinida, a elaboração das normas regulamentadoras faltantes.

Sob marcada influência do direito português, a Constituição Federal de 1988 introduziu no ordenamento jurídico nacional a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, buscando a efetividade das normas carentes de regulamentação, nos termos do art. 103, § 2º: “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.

Parte-se do pressuposto de que os preceitos que demandarem regulamentação legislativa ou aqueles simplesmente programáticos não deixarão de ser invocáveis e exigíveis em razão da inércia do legislador.

Nesta perspectiva, não há dificuldade alguma em detectar omissão inconstitucional na inércia da União em elaborar e instituir planos de ordenação territorial, ante a natureza programática da norma estatuída no art. 21, IX, da Constituição de 1988.

É o que destaca Uadi Lammêgo Bulos:

Apenas as normas de eficácia limitada, por princípio institutivo e/ou por princípio programático, é que podem ser objeto de ação de inconstitucionalidade por omissão.

Somente essas normas dependem de regulamentação legislativa, atribuindo ao legislador o dever de expedir comandos normativos. Exemplos: arts. 17, IV, 25, § 3º, 43, § 1º, I e II, 127, § 2º, 148, I e II, 165, § 9º, I etc. (normas institutivas) e arts 21, IX, 23, 170, 205, 211, 215, 218, 226, § 2º etc. (normas programáticas).208

Enfatiza-se que a norma em referência não pode ser qualificada como de organização ou de conduta.

Além de concretizar preceitos enunciadores dos fins do Estado, trata-se de norma programática que não exige somente uma complementação normativa, mas, igualmente, “uma terceira instância política, administrativa e material, sem a qual ela não teria condições de efetivação no mundo real”.209Ou seja, a função conferida a esta norma pelo ordenamento jurídico e a ausência de instrumentos para a ocupação racional e sustentável do território nacional não permitem que a omissão da União perdure por tanto tempo, configurando omissão inconstitucional.

Importa salientar que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão instaura um processo objetivo e abstrato, com o escopo de preencher as lacunas normativas que inviabilizam a efetivação da Lei Fundamental. Assim, quando a efetividade da norma constitucional depender da atuação de órgão legislativo, a procedência da ação converte-se em mera advertência para que o órgão remisso adote as medidas tendentes a conferir plena exeqüibilidade ao texto constitucional.210

No tocante à omissão legislativa, abstraindo o constrangimento de ordem moral, verifica-se que nenhuma eficácia remanesce na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, visto inexistir prazo para o adimplemento do dever constitucional de legislar.

No entanto, o reconhecimento da omissão inconstitucional implica a constatação de que o legislador violou norma cogente, imperativa e de observância compulsória, que reclamava sua atuação em prazo razoável para que ela pudesse surtir os efeitos desejados. Ou seja, tal comportamento apresenta-se contrário ao direito, podendo ensejar outras consequências, caso inviabilize o exercício de direitos, prerrogativas e finalidades asseguradas na Lei Fundamental.

5.4.2 Estratégias para conferir efetividade aos planos urbanísticos da União

É importante ressaltar que a omissão legislativa encontra-se compreendida no conceito de ilicitude, ante o descumprimento do dever de ação previsto em norma constitucional certa, determinada e obrigatória.

209 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 317-318. 210 Precedentes: STF, ADIn 529/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ, 146:424, 1993; STF, ADIn 267-

Em homenagem ao princípio da universalidade da jurisdição, o Poder Judiciário não pode abster-se de apreciar lesão ou ameaça de lesão a direito (CF, art. 5º, XXXV), o que não condiciona o interessado a aguardar o prévio pronunciamento da ação direta de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal para invocar a proteção jurisdicional. Por isso, é facultado à vítima de ação ou omissão legislativa inconstitucional ajuizar ação judicial para a proteção e efetivação de direitos.

Do ponto de vista jurídico, um dos caminhos que podem ser adotados para conferir efetividade a normas de eficácia limitada perpassa pela análise dos preceitos constitucionais que têm por objetivo a regulação das funções eficacionais que, conforme Tércio Sampaio Ferraz Júnior, podem ser de bloqueio, de programa ou de resguardo.211

Nesse passo, fazendo uso destes ensinamentos, Maria Helena Diniz afirma que tais funções podem ser utilizadas como estratégias para conferir eficácia a alguns preceitos constitucionais.212

Por certo, levando-se em conta a natureza do comando que estabelece a obrigatoriedade de a União elaborar o plano urbanístico nacional, os planos regionais e os setoriais, merecem especial atenção as análises feitas pela autora sobre as funções eficacionais de bloqueio.

Assim, para ela, as normas de bloqueio apresentam eficácia negativa, o que significa que prescrevem um caminho ao legislador, administrador ou juiz sem, contudo, constrangê-los, juridicamente, a segui-lo, compelindo-os, porém, a não tomarem diretriz contrária, sendo, por isso, paralisante das normas que com elas conflitarem. Segundo a autora, o efeito negativo destas normas seria o de paralisar a eficácia de toda a disposição normativa divorciada dos princípios e fins por elas preordenados, de modo que esta função eficacional de bloqueio confere aos eventuais prejudicados o direito de exigir, perante o Judiciário, a declaração de inconstitucionalidade de quaisquer atos normativos divorciados dos princípios e

211 Para o autor, de um modo geral, os preceitos constitucionais que estatuam princípios e finalidades, ainda que

não sejam positivamente consagrados na legislação ou nas normas de administração ou nas decisões judiciais, impedem que tanto legislação quanto administração ou justiça disponham de forma contrária ao que eles propõem. Esta função eficacial negativa resulta numa espécie de bloqueio para a atividade do poder público que, não podendo ser obrigado a expedir normas que tornem efetivos os princípios e as finalidades, não pode, ao menos, contrariá-los. Além deste caso (função de bloqueio), há outro que se refere às normas que instituem programas de ação visando à realização dos fins sociais do Estado, mas dependendo de integração legislativa (função de programa). Por último, o autor faz referência a normas que exercem função de resguardo, nos casos em que a própria Constituição estabelece a possibilidade de eficácia de uma norma vir a ser futuramente limitada por uma norma de escalão inferior. (Cf. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Regras para a eficácia constitucional.

Revista de direito público, n. 76. São Paulo, 1985, p. 67-69).

finalidades consagrados constitucionalmente, sem que haja lesão a direito individual, e de obter decisões judiciais conforme os preceitos constitucionais. 213

Nota-se, por oportuno, que a noção de função eficacional de bloqueio, tratada pela doutrina adrede mencionada, guarda estreita correlação com as consequências advindas do desatendimento das “normas-objetivo”. Aliás, na esteira do entendimento esposado em linhas anteriores por Eros Roberto Grau, é possível dizer que, na realidade, a hipótese dever ser essencialmente analisada na perspectiva do conteúdo da norma e não da sua eficácia.

De fato, os preceitos que estabelecem o poder-dever de a União elaborar os planos urbanísticos de sua competência revelam características de normas-objetivo. Como já visto antes, a norma-objetivo vincula o intérprete de tal modo que não se entremostra aceitável hermenêutica que não seja estritamente coerente com a realização dos fins nela inscritos.

Nessa linha, pode-se dizer que na hipótese dos grandes projetos públicos a falta de uma visão de conjunto (ausência de devido planejamento), como preconizado constitucionalmente há mais de vinte anos, pode ser considerada objetivamente ilegítima, passível, inclusive, de anulação judicial em algumas situações.

É o que pode ser observado, por exemplo, nos grandes empreendimentos imobiliários (turísticos, residenciais, comerciais) e de grandes obras de interesse público (usinas e portos marítimos) promovidos na orla marítima brasileira. Conforme destaca Daniela Campos Libório Di Sarno “não é qualquer região que traz viabilidade para a instalação de qualquer obra ou atividade”, bem como “localizadas as potenciais regiões, deve- se iniciar uma etapa de verificações em que os planejamentos regional e local devem ser compatíveis com a instalação pretendida”. 214

Assim, para a autora, o eventual licenciamento destas atividades e empreendimentos deve possuir uma modelagem que propicie uma repartição de responsabilidades entre as diversas autoridades competentes (municipais, estaduais e federais) viabilizando uma segurança jurídica maior para todos os envolvidos, destacando, ainda, que um dos elementos fundamentais na construção desse modelo é o planejamento do

213 Ibid., p. 121-123.

214 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Interesse público, estado federado e grandes projetos na orla

marítima: considerações práticas. Revista Interesse Público - ano 13, n. 70 – nov/dez. Belo Horizonte: Editora

ordenamento territorial, traduzidos em planos diretores e planos que o complementem além de planos de ordenamento territorial definidos pelo Estado e pela União.215

A existência do plano nacional e de planos regionais de ordenação do território facilitariam tal modelagem, permitindo maior integração entre as unidades federativas na análise das políticas setoriais essenciais para o desenvolvimento do país, inclusive no que se refere ao estabelecimento de mecanismos inter-institucionais de análise de políticas setoriais com impacto no território. Enquanto isso não ocorre, é possível falar, em determinadas situações, de ilegitimidade de licenciamentos realizados pela União em tais regiões sem que sejam os interesses dos demais entes federativos levados em consideração

Ou seja, embora a inexistência de uma Política Nacional de Ordenação do Território no país não possa impedir a elaboração e a realização de políticas setoriais que impactem o território, já é possível descortinar a possibilidade de se promover a discussão judicial de algumas destas políticas, ante o fim social tutelado constitucionalmente, visto que, na realidade fática, podem ocorrer situações que acarretem lesões regionais e até de impacto nacional ou internacional.216

Não há dúvida de que o dever jurídico de planejar é desrespeitado quando a União também deixa de elaborar e promover planos setoriais urbanísticos de sua exclusiva competência, como é o caso da defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações (CF, art. 21, XVIII).

Parte-se do pressuposto óbvio de que a Constituição Federal deve ser cumprida e aplicada não se justificando, assim, a omissão da União, que, inclusive, gera desperdícios de vidas humanas e de recursos públicos.217

215 Ibidem.

216 Na elaboração de subsídios técnicos para a definição da Política Nacional de Ordenamento do Território um

dos desafios que foram apontados para enfrentamento pelo plano nacional é a “desarticulação e dispersão das políticas setoriais com impacto no território, o que demanda esforços de compatibilização e articulação de políticas públicas em seus rebatimentos no espaço, reduzindo os conflitos na ocupação e no uso do território e de seus recursos”. Disponível em: <http://www.mi.gov.br/desenvolvimentoregional/seminario_pnot/>. Acesso em: 15 set. 2011.

217 Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na Secretaria Nacional de Defesa Civil mostrou

extremo desequilíbrio na distribuição de recursos destinados para ações de prevenção a catástrofes entre 2004 e 2009. O Rio de Janeiro e seus municípios receberam apenas 0,65% da verba liberada no período. O estado enfrentou sua pior temporada de chuvas em 44 anos, registrando um grande número de mortes em janeiro de 2011. A Bahia, no mesmo período de 2004 a 2009, recebeu o equivalente a 37,25% dos recursos liberados. A maior parte das liberações aconteceu durante a gestão do então ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, que deixou o cargo para poder se candidatar ao governo do estado. A Secretaria Nacional de Defesa Civil é subordinada ao ministério. A auditoria foi feita por solicitação do Congresso Nacional no ano passado, após as enchentes que atingiram Santa Catarina, para avaliar a eficiência, eficácia e efetividade das ações da defesa civil brasileira, devido à demora no atendimento às vítimas no estado. Na catástrofe de Santa Catarina, no final de 2008, cerca de 130 pessoas morreram e milhares ficaram desabrigadas. De acordo com o relatório, “a distribuição de valores não seguiria nenhuma tendência razoável, baseada em critérios de risco, histórico dos eventos, etc”. As determinações do relatório para aprimorar as ações de defesa civil foram aprovadas por

Ressalte-se, todavia, que contra a União, os Estados-membros e os Municípios podem lançar mão das medidas judiciais oferecidas pelo ordenamento jurídico para exigir o emprego de recursos públicos federais nesta finalidade, afora, obviamente, as consequências resultantes da responsabilidade civil que deve ser imputada a tal ente pelas vítimas destes eventos, ante a ausência de uma política eficiente nesse setor.

Assim, à recusa da União em promover medidas para a implantação de políticas setoriais urbanísticas, como a de prevenção às calamidades públicas em determinada localidade propícia à ocorrência de eventos naturais, há de se atribuir um sentido juridicamente negativo, qual seja: a ilicitude da conduta omissiva. Adicionando-lhe o nexo causal entre a inércia administrativa ou legislativa e a inaplicabilidade de uma imposição constitucional, bem assim o prejuízo moral e material causado às vítimas, exsurgem todos os pressupostos para o aforamento de uma ação de perdas e danos.

O exemplo ilustra o esforço em se proporcionar aplicação integral às normas constitucionais que estabelecem o poder-dever de a União elaborar os planos urbanísticos de sua competência, com base no conteúdo destes preceitos.

Na oportunidade, cabe a advertência feita por Walter Claudius Rothenburg:

Não é preciso desconsiderar o Legislativo, o Executivo e as instâncias eminentemente políticas do Estado; ao contrário, deve-se reconhecer o papel primordial que lhes cabe na articulação das expectativas da sociedade, mas sem ignorar as orientações de atuação definidas na Constituição e, sobretudo, sem renunciar a mecanismos de superação de eventual insuficiência ou omissão. A questão, portanto, não é de menosprezar a necessidade (e a legitimação democrática) de interposição legislativa, mas de avaliar até quando será lícito aguardar por ela. Não é preciso remeter todas as expectativas para o foro judicial, porém considerar também essa alternativa – eventualmente subsidiária e certamente derradeira – diante dos termos claros de que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (Constituição, art. 5º, XXXV).218

unanimidade pelos conselheiros do TCU. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/seguranca_pu

blica/Relat%C3%B3rio%20do%20Ministro%20Relator-DEFESA%20CIVIL%20-%20Monitorame.pdf.>. Acesso em: 16 set. 2011.

Com efeito, constituições, como a brasileira de 1988, que não se resumiram a estabelecer regras de atribuição de competência, mas verdadeiros objetivos a serem perseguidos pelo Estado, além da positivação de vários princípios jurídicos, fizeram com que as técnicas hermenêuticas passassem por uma releitura.

Por isso, a tentativa de se buscar a consolidação dos objetivos do Estado brasileiro e da sua ordem econômica não pode ser fundada tão-somente em uma metodologia que se agarre na literalidade e na reserva absoluta legal.

É o que destaca José Maria Arruda Andrade:

Daí a necessidade, de um lado de uma metodologia jurídica que permita ver a interpretação do texto normativo conjuntamente com a aplicação dele, como uma concreção normativa, superando as antigas clivagens como ser e dever-ser. E, por outro lado, de se reconhecer que pensar a atuação do Estado como um dever constitucional, sem também ressaltar a necessidade de implantação de políticas públicas, é esvaziar a possibilidade de concreção material à Constituição brasileira.219

Por entrever na inércia legislativa um pernicioso processo de corrosão dos valores tutelados pelo constituinte, esta inversão no pensamento jurídico tradicional prenuncia o último estágio de afirmação da supremacia constitucional.

De todo o exposto, conclui-se que o ordenamento jurídico direciona-se no sentido de limitar o exercício abusivo da discricionariedade governamental e de implementar um efetivo planejamento urbano que envolva todas as unidades federativas, inclusive e, em especial, a União. A abertura da jurisdição aos valores que informam o sistema jurídico (num enfoque hermenêutico-concretizante) é o caminho para viabilizar que a mera pretensão de eficácia do texto constitucional se converta em verdadeira eficácia operativa.

219ANDRADE, José Maria Arruda de. A Constituição brasileira e as considerações teleológicas na hermenêutica

constitucional. Vinte anos da Constituição Federal de 1988. SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo (Coord.). Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2009, p. 328.

CONCLUSÃO

O urbanismo opera através de ações com o objetivo de organizar os espaços habitáveis (atividade urbanística), de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade.

Assim, à medida que a atividade urbanística se faz necessária, mais intensamente vão surgindo normas jurídicas para regulá-la e fundamentar a intervenção no domínio privado, constituindo o que a teoria jurídica denomina “direito urbanístico”.

A partir de um enfoque dogmático-normativo, tem-se como objeto do direito urbanístico a legislação constitucional e infraconstitucional que interfere, direta e indiretamente, na qualidade de vida da população, abrangendo o ordenamento físico ou territorial e as atividades econômico-sociais.

Essa estrutura normativa do urbanismo inclui preocupações voltadas à ordenação do solo, à ordenação urbanística de áreas de interesse especial, à ordenação urbanística da atividade edilícia, aos instrumentos de intervenção urbanística, entre outras.

O direito urbanístico é instrumento de transformação da realidade. Suas normas são direcionadas para a concretização de diretrizes perseguidas pelo ordenamento