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4. OS PLANOS URBANÍSTICOS DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO

4.3 O plano urbanístico nacional

A ideia encampada por José Afonso da Silva é de que o plano nacional de ordenação do território possibilita a aplicação dos princípios do urbanismo em todo o país, viabilizando a definição de medidas para orientação geral de sua organização territorial.153

Não se pode deixar de advertir que a Lei 10.257/2001 é a que fornece a base jurídica para a política urbana no Brasil. Além disso, os esforços adotados até o momento pelo Governo Federal foram em prol da implantação de políticas setoriais de desenvolvimento urbano, as quais, atualmente, encontram-se estruturadas nas áreas de habitação, saneamento ambiental, trânsito, mobilidade e transporte urbano.

150 COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito urbanístico comparado: planejamento urbano – das

constituições aos tribunais luso-brasileiros, p. 59-60.

151 O Plano Decenal de Energia prioriza a construção de usinas nos grandes afluentes da margem direita do Rio

Amazonas para gerar mais de 42 mil megawatts de energia hídrica até 2020. Os novos investimentos para atender ao crescimento da demanda brasileira de energia nos próximos dez anos serão feitos nos rios Araguaia, Tocantins e Tapajós (usinas de São Luiz e Jatobá, as maiores), que vão se somar às usinas já em construção no Madeira (Jirau e Santo Antônio) e de Belo Monte, na Volta Grande do Rio Xingu.

152 Um exemplo típico desta situação vem ocorrendo no Município de Porto Velho/RO por conta do canteiro de

obras das usinas hidrelétricas do Rio Madeira. A capital de Rondônia situa-se ao norte do estado e apresenta, ainda hoje, precárias condições sanitárias, principalmente na área rural. O ingresso de milhares de trabalhadores na área para as obras civis das UHE do rio Madeira pode agravar ainda mais as condições de saúde da população local. Os impactos sociais e econômicos das obras não se restringem à vizinhança de Porto Velho, uma vez que alteram regionalmente as condições de vida, a economia e o fluxo migratório de Rondônia.

Há de se esclarecer, no entanto, que os objetivos do plano urbanístico nacional vão além dos propostos nas políticas setoriais de desenvolvimento urbano na medida em que ele há de integrar-se no planejamento econômico e social. Por sua própria função e conteúdo, tal plano não só possibilita a integração dos planos, ações e investimentos em infraestrutura e desenvolvimento entre os diversos níveis do governo federal, como fornece orientações que viabilizam a relação entre os planos urbanísticos dos demais entes federativos.154

Cabe destacar que um modelo de desenvolvimento sustentável pressupõe o tratamento da questão territorial (na qual se inclui, obviamente, a organização urbana do território nacional) como fundamento para a criação de estratégias de estímulo ao crescimento econômico e de elevação da qualidade de vida. Disso resulta a intenção de se desestimular a ocupação do território com base tão-somente na racionalidade econômica, através do exercício da prerrogativa da União de coordenar a ocupação e o uso do território.

Com efeito, o plano urbanístico nacional pode estabelecer diretrizes que servirão de norte para a ocupação, os investimentos públicos e privados e as estratégias de desenvolvimento de cidades localizadas, por exemplo, nas regiões de fronteira, em áreas de interesse nacional para conservação do meio ambiente, em regiões litorâneas, etc. Não se pode olvidar que tal plano deve estabelecer critérios para o investimento em infraestrutura (incluída a urbana) em todo o país, desencorajando estratégias de investimento somente em regiões que apresentem algum potencial de crescimento já consolidado, os chamados “pólos de desenvolvimento”.155Com isso, ele pode servir de instrumento para a correção dos sérios problemas de infraestrutura urbana, procurando, através de estratégias gerais e específicas, promover a adequada ocupação das cidades brasileiras.

154O Governo Federal deu início ao trabalho de elaboração da política nacional de ordenamento territorial

(PNOT), ao conferir, em 2003, tais responsabilidades ao Ministério de Integração Nacional. A partir de então foram promovidos alguns debates e estudos para coleta de informações necessárias à realização do referido plano. Assim, a Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional formulou o projeto “Elaboração de Subsídios Técnicos e Documentos Básicos para a Definição da Política Nacional de Ordenamento do Território (PNOT)”, o qual foi enviado à Casa Civil para a finalização do projeto do texto da lei em questão.

155“A concentração de investimentos em alguns pontos isolados do território nacional, adotada durante a vigência

do regime militar, trouxe conseqüências desastrosas para o País. Na época, o argumento utilizado era o de que, diante de recursos escassos para o investimento em infraestrutura, dever-se-ia dar prioridade às áreas que apresentassem algum potencial de crescimento já consolidado. (...) Dessa equivocada ‘política de desenvolvimento’ herdamos problemas até hoje sem solução, como o ‘êxodo rural’, o ‘inchamento urbano’, a ‘favelização’ das grandes cidades, a degradação ambiental e as condições de moradia, e sobretudo, o desemprego. Esses problemas, decorrentes do processo de concentração espacial de investimentos públicos em pontos específicos do território, são considerados uma tendência ‘natural’ do sistema de livre-mercado. Mas podem ser agravados ainda mais pela falta de concordância e objetividade entre os planos de instituições e ministérios do mesmo nível administrativo, ou entre os diferentes níveis administrativos e de tomada de decisão” (DUARTE, Ana Teresa Sotero. O ordenamento territorial como base para uma nova política de

Por conta disso, José Afonso da Silva adverte que na competência da União para elaborar e executar planos de ordenação do território inclui-se o planejamento do desenvolvimento da rede urbana e do sistema de cidades em nível nacional ou macrorregional em função de uma política de desenvolvimento econômico, da defesa do meio ambiente natural e cultural, do saneamento básico, do direcionamento do povoamento e colonização do território nacional e macrorregional, dentre outros fatores.156

Levando-se em conta a abrangência dos efeitos das normas do plano urbanístico nacional, pode-se dizer que ele deve ter a característica de lei nacional e, como tal, ser apresentado sob forma de diretrizes gerais de desenvolvimento, definindo objetivos e políticas globais, regionais e setoriais, expandindo seus efeitos, portanto, a todos os níveis da Federação. No entanto, tal plano deve também estabelecer a organização administrativa federal no âmbito do ordenamento do território, cingindo-se tais efeitos exclusivamente à esfera da União. Tomando por base tal peculiaridade denota-se que o plano em questão deve contemplar as características de lei nacional e de lei federal ao mesmo tempo.157

O conteúdo de um plano urbanístico nacional é um tema tratado na obra de José Afonso da Silva. Para o autor, tal plano deve ser precedido de diagnóstico do sistema urbano brasileiro no momento da sua elaboração e incluir as perspectivas que se apresentam ao planejador, compreendendo quatro fases: a) diagnóstico básico; b) estratégia geral; c) estratégia específica; e d) relatórios e mapas. A primeira delas, referente ao diagnóstico básico, englobaria a etapa de análise retrospectiva, na qual se identificariam os problemas do sistema urbano brasileiro, suas causas, bem como as necessidades mais urgentes do setor, e a etapa projetiva, que indicaria as medidas necessárias para a solução dos problemas identificados (programas e projetos para corrigi-los). A segunda fase, de estratégia geral, consiste na previsão de meios e ações que visem ao alcance das metas do planejamento nacional. A terceira fase, para o autor, refere-se às estratégias específicas, dirigidas à ordenação territorial geral e integrada de cada macrorregião (Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul). Por fim, a quarta diz respeito aos “relatórios e mapas” que

156Cf. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 106-107.

157 A União produz normas gerais válidas para todo Estado Federal, mas também produz normas parciais, válidas

apenas para a pessoa jurídica de direito público que a instituiu. No primeiro caso, estar-se-á diante de Leis Nacionais; no segundo, de Leis Federais. Uma mesma lei pode eventualmente contemplar as duas espécies indicadas, fato que, na prática, certamente impõe uma árdua tarefa de identificá-las e apartá-las no bojo do texto normativo (Cf. NOVIS, Mariana. O regime jurídico da concessão urbanística. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 45).

retratariam, em forma gráfica e objetiva, a situação urbana existente e a imagem futura que se pretende alcançar com a execução do plano.158

Cabe dizer, fundamentalmente, que o plano nacional de ordenação do território permite a incorporação da dimensão territorial no desenho das políticas públicas setoriais (viabilizando uma espécie de “projeto nacional”, ou seja, uma visão de conjunto capaz de diagnosticar e enfrentar as principais necessidades das cidades brasileiras), além da elaboração de estratégias territoriais integradas para o desenvolvimento urbano, que envolvam a articulação dos planos elaborados pelos demais entes federativos.