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3. O PLANEJAMENTO E OS PLANOS URBANÍSTICOS

3.7 Os planos de ordenamento territorial

Conforme adrede exposto, os planos de ordenamento territorial podem ser diferenciados dos planos econômicos e sociais, muito embora haja íntima conexão entre ambos, advinda da relação necessária com o território em que produzem efeitos.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o ordenamento territorial abrange as áreas do planejamento que têm impacto direto sobre a organização do território. 131

Assim, são vários os planos que têm o território como seu objeto no Brasil, especialmente os relativos à área ambiental (a exemplo da Lei nº 7.661/98, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e da Lei nº 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos).

Além disso, há planos no âmbito do direito agrário, os voltados a questões turísticas, e os de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por quilombolas, índios, etc., destacando-se, ainda, a existência de alguns institutos, como os dos consórcios públicos, que também exercem forte impacto sobre o ordenamento territorial (Lei nº 11.107/2005), já que o compartilhamento de equipamentos de uso coletivo, infraestrutura social e econômica e recursos para o desenvolvimento social e econômico das municipalidades mais pobres é fundamental para fixar a população em seus lugares de origem, oferecendo-lhes reais condições de vida e trabalho, com custos menores para as prefeituras dos municípios que fazem parte do consórcio.

Nesse sentido, ressalta Ana Teresa Sotero Duarte:

Se formos consultar os diferentes Ministérios que atuam em áreas como planejamento econômico, agricultura, política agrícola e agrária, produção de alimentos, desenvolvimento industrial, educação, meio ambiente, planejamento urbano, infraestrutura básica (como transportes, rodovias, saneamento, energia elétrica e abastecimento), vamos ver que, de alguma forma, todas atuam, direta ou

131 Aparentemente não foi despretensiosa a inclusão, no inciso IX do art. 21 da Constituição, da competência da

União para, além de elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território, de também elaborar e executar planos de desenvolvimento econômico e social, em visível demonstração de entrelaçamento de tais políticas – indicando a inter-relação de seus instrumentos administrativos e normativos. José Afonso da Silva, inclusive, menciona que o método adotado pelo II e III Plano Nacional de Desenvolvimento “parece cumprir melhor uma das características básicas de um plano urbanístico nacional, que é a de vincular os objetivos urbanísticos às previsões da planificação econômica e social do país” (SILVA, José Afonso da. Direito

indiretamente, sobre o ordenamento do território, com base em algum plano ou projeto relacionado ao seu campo de atuação específico.132

Como se nota, as normas relativas ao ordenamento territorial no país estão “pulverizadas” por diversos instrumentos legais.

Já no sistema de ordenamento territorial da Alemanha, por exemplo, os procedimentos básicos relativos ao ordenamento territorial encontram-se resumidos em alguns poucos mecanismos legais, válidos para todo o país. Os mais importantes dispositivos legais relacionados ao ordenamento territorial acham-se resumidos na lei federal de ordenamento territorial desde 1965. 133

Seguindo a intenção constitucional de distribuir a planificação entre as esferas de governo, os planos territoriais no Brasil podem ser elaborados pela União, pelos Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (que estabelece diretrizes gerais da Política Urbana) trata, entre outras questões relacionadas ao ordenamento do território em nível municipal, dos critérios de elaboração dos planos diretores previstos na Constituição Federal, deixando, no entanto, de fixar regras e especificidades para os planos de nível nacional, regional e estadual.

No art. 4º, capítulo II, desta lei estão definidos os instrumentos de política urbana, entre os quais se destacam: a) planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; b) planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; c) planejamento municipal, onde se encontram incluídos o plano diretor, a disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo e o zoneamento ambiental; d) planos diretores, zoneamento ambiental, plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamento anual, planos, programas e projetos setoriais, planos de desenvolvimento econômico e social.

A respeito do que estabelece a lei de política urbana sobre o ordenamento do território municipal, é importante lembrar a dificuldade que pode representar para a administração municipal a elaboração de um plano de ordenamento sem que se possa contar com diretrizes em nível estadual e federal.

132 DUARTE, Ana Teresa Sotero. O ordenamento territorial como base para uma nova política de

desenvolvimento regional para o semi-árido. Brasília. Consultoria Legislativa/Estudo/Câmara dos Deputados.

Fevereiro de 2002, p. 03.

Isto porque, para existir de fato, o ordenamento do território deve ser elaborado de forma articulada entre as esferas federativas, “indo dos arcabouços maiores dos planos nacionais e macrorregionais até os mais limitados dos planos microrregionais e locais”, de tal sorte que “os nacionais estabeleçam as diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento da rede urbana do território nacional em função do plano nacional de desenvolvimento econômico-social; os macrorregionais desceriam aos aspectos mais particularizados das regiões em função do planejamento econômico-social regional; os planos estaduais e microrregionais de cada Estado, observadas aquelas diretrizes e objetivos, seriam planos de coordenação urbanística; e, finalmente, cada Município faria seu plano urbanístico (plano diretor), segundo suas necessidades e conveniências, respeitadas as diretrizes e objetivos econômicos e sociais fixados nos planos de nível superior”. 134

Assim, o cenário ideal seria o de um ordenamento do território que fosse elaborado “de cima para baixo”, ou seja, primeiro no nível nacional, depois no estadual e, finalmente, no nível municipal, em articulação com o planejamento econômico e social.

Aliás, é possível dizer que a distribuição constitucional da planificação urbanística entre todas as esferas de governo representa a intenção de se instituir no Brasil um sistema de planejamento territorial com tais características, de modo que a análise dos planos urbanísticos deve inspirar-se no seu conjunto e na função que exercem no sistema jurídico.

Nessa linha, pode-se acrescentar que a visão sistêmica da política de ordenamento territorial e de urbanismo deve se assentar num quadro de interação coordenada que viabilize a concretização dos instrumentos de planificação territorial nos âmbitos nacional, regional e municipal.

É importante destacar que a ideia de sistema inculca imediatamente outras, tais como as de unidade, totalidade e complexidade. Por sua vez, o sistema de ordenação do território instituído pela Constituição de 1988 tem como pressuposto a necessidade de se chegar à redução da complexidade normativa e organizativa de um ordenamento caracterizado pela proliferação de normas instituídas por vários centros de produção de Direito.135

Outrossim, o inchaço organizacional, a inflação normativa e as lacunas das ações públicas só podem ser combatidas com ação eficiente do Estado. Além disso, se os imprevistos e as improvisações do governo são reduzidos e na mesma proporção cresce a

134 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 105.

135 “Não é o direito em si mesmo o que é um sistema, mas sim o direito visto como conjunto de normas

entrelaçadas é o que aparece como sistema” (DROMI, Roberto. Sistema jurídico e valores administrativos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 2007, p. 137, nota 262).

certeza jurídica e desaparecem as vacilações administrativas, o produto final da gestão pública se verá potencializado.

É por isso que a análise conjuntural dos planos urbanísticos só será possível com a edição do plano nacional de ordenamento territorial que, por sua vez, deverá orientar a reformulação dos planos territoriais hoje existentes. Seria necessário, pois, compatibilizar as normas dos planos urbanísticos dos demais entes federativos com as do plano nacional, a fim de evitar a superposição e a eventual contradição de ações promovidas por tais unidades no território. Ou seja, é o plano nacional que possibilitará a criação de um verdadeiro sistema de ordenamento territorial no Brasil.

A tarefa de realizar um planejamento urbano adequado deve estar orientada sistematicamente. A premissa é a integração dos diversos planos, formando um todo com seus objetivos, seus conteúdos e suas estruturas.

Isto nos permite descortinar algumas notas características dos planos urbanísticos: a primeira, é de que tais planos são basicamente uma unidade, tratando-se de meros instrumentos qualificados pelo ordenamento como essenciais para o alcance de valores caros à sociedade; a segunda diz respeito ao fato de todos os planos preverem um leque de medidas, que se posicionam numa relação indissolúvel de complementaridade e, algumas vezes, de dependência recíproca. Esta última característica é bem patente nos casos em que a obtenção de um resultado apenas pode ser garantida através de aplicação conjunta das diferentes medidas, ou ainda quando a sua interligação é de tal ordem que a alteração ou ausência de alguma medida provoca uma reação em cadeia, que põe em causa a concepção de conjunto.136

Fernando Alves Correia ressalta que essa visão de conjunto dos planos não pode nos fazer perder de vista as particularidades da planificação urbanística em relação a planos de outras naturezas.137

Nesse sentido, o ordenamento jurídico estabelece objetivos comuns ao planejamento urbano realizado pelos entes federativos concomitantemente com a utilização de mecanismos distintos que levem em consideração as peculiaridades do objeto a que se destinam, bem como as divisões de poder no território, de modo que os planos urbanísticos podem ser avaliados num sistema de planejamento fechado ou aberto dependendo de suas características.

Nessa perspectiva, enfatiza Marcos Geraldo Batistela:

136 Cf. CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo, p. 363. 137 Ibidem.

Num sistema de planejamento “fechado” existe uma relação de necessidade ou dependência entre os planos, segundo a qual a elaboração de um plano executivo ou mais analítico pressupõe a existência prévia de um plano de diretrizes, como ocorre no direito financeiro, em que a lei orçamentária anual depende da existência da lei de diretrizes orçamentárias e esta pressupõe a existência da lei do plano plurianual, que o direito positivo coloca como marco original de todos os outros planos financeiros do Estado (arts. 165 e 166 da Constituição), enquanto num sistema de planejamento “aberto” esta relação não se apresenta ou não se apresenta integralmente, atingindo todos os planos de uma mesma natureza, isto é, os diferentes planos podem ter existência autônoma e sua validade não depende juridicamente da existência de outro plano, como ocorre com o planejamento territorial no Brasil, em que os diferentes planos aplicáveis a um mesmo território não se reportam todos a um mesmo plano de diretrizes global. Quanto a este aspecto, o planejamento urbanístico apresenta-se ora como sistema fechado (diversos institutos jurídicos exigem uma disciplina preliminar no plano diretor municipal), ora como sistema aberto (a elaboração de planos diretores municipais, seu instituto jurídico fundamental, independe da existência de outros planos de natureza mais abstrata).138

Tal abordagem deve ser avaliada tendo como base o grau analítico das previsões dos planos, haja vista que a ordem de seus preceitos normativos caminham de forma gradual, partindo de um patamar de maior abstração para outros de menor abstração e maior grau de concretude. De forma alguma, a Lei Fundamental atribui maior importância aos planos de âmbito territorial mais amplo em relação aos de âmbito mais circunscrito. Muito menos pode haver exigência de necessidade (de surgimento gradativo-sequencial) entre os diversos graus da planificação, não estando a aprovação de um plano de “nível inferior” vinculada à aprovação prévia ou concomitante de um plano de “nível superior”.139

A Constituição de 1988 institui, sim, um sistema de ordenação territorial, numa espécie de conjunto de normas entrelaçadas (numa interação que pretende ser coerente), de modo que o plano nacional e os planos regionais estabeleceriam disposições genéricas e opções para o ordenamento do espaço realizado pelas demais unidades federativas.

Assim, a edição de planos urbanísticos de maior abrangência territorial, integrados aos planos e programas de desenvolvimento econômico e social (com seus

138 BATISTELA, Marcos Geraldo. Coexistência de planos territoriais no Brasil, p. 38-39.

139 Cf. COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito urbanístico comparado: planejamento urbano – das

incentivos, financiamentos e outros instrumentos) influenciariam o desempenho da atividade urbanística (realização de desapropriações, a aprovação de loteamentos e de distritos industriais, a regularização de terras urbanas em áreas de interesse ambiental, a doação de terras públicas para empreendimentos privados etc.), induzindo, paulatinamente, os demais entes federativos a seguirem as diretrizes gerais de ordenação territorial.

Desse modo, a União exerce função primordial na implantação de um sistema de planos estruturais, na medida em que os planos territoriais de sua competência podem possibilitar a integração dos diversos planos, ações e investimentos em infraestrutura e desenvolvimento, entre os níveis de governo, permitindo maior eficiência nas ações administrativas entre governos e gestões sucessivas e, consequentemente, a adequada alocação de recursos.

4. OS PLANOS URBANÍSTICOS DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO