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3. O PLANEJAMENTO E OS PLANOS URBANÍSTICOS

3.3 A importância conferida ao planejamento pelo direito urbanístico

De início, deve ser frisado que o direito urbanístico despontou em vários países como fundamentalmente inerente à regulação da cidade e do solo urbano que, em parte, se confunde com o objeto do planejamento urbano a ser concretizado pelos planos.

96 Cf. SILVA, Júlia Maria Plenamente. O planejamento enquanto dever jurídico do Estado. São Paulo, 2010.

Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, p. 76-77.

Merece atenção o fato de que o ordenamento urbanístico não pode ser um aglomerado inorgânico de imposições, devendo possuir um sentido geral, com base em propósitos claros, para orientação de todas as disposições”. 98

A propósito, por meio do planejamento as normas interferem no conteúdo do direito de propriedade do solo em função de sua classificação urbanística, ditam as técnicas de aproveitamento e estruturação física da urbe, preveem fórmulas para o desenvolvimento sustentável, reservam lugar à participação da comunidade na formulação e controle dos planos e estabelecem sistemas de justa distribuição de encargos e benefícios entre os atingidos pela execução da legislação urbanística.

Daniela Campos Libório Di Sarno escreveu sobre a importância do planejamento, dizendo:

A atividade de planejamento deve ser permanente no Estado brasileiro e será por meio dela que este ordenará suas atividades e elencará prioridades. O art. 174 da Constituição Federal traz esta determinação com alcance genérico, pois não indica o setor em que o planejamento deve se dar. Lê-se, desta generalidade, portanto, que o Estado deve sempre agir por intermédio da dinâmica do planejamento.

Esse artigo está inserido no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo II- Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica. Deste contexto, pode- se entender que o planejamento das ações públicas é necessário sempre que o Poder Público quiser interferir na ordem econômica e financeira. Assim, na medida em que a política urbana está inserida no Capítulo II deste Título, o Poder Público deve planejar suas atividades de cunho urbanístico.99

Aliás, quanto às características das normas dos planos urbanísticos, cabe dizer, em termos gerais, que elas alcançam, ao mesmo tempo, a regulamentação normativa e a indicação de diretrizes técnicas e políticas.

Daí porque algumas peculiaridades das normas que compõem o direito urbanístico, especialmente os planos urbanísticos, são destacadas por Fernando Alves Correia. Nesse sentido, o autor lusitano aponta as seguintes características: a complexidade das suas fontes (no direito urbanístico aparecem conjugadas normas jurídicas de âmbito nacional, regional e local), a mobilidade das suas normas (as quais devem adaptar-se à evolução da realidade urbanística, podendo-se citar, como exemplo, a revisão periódica dos planos

98 SUNDFELD Carlos Ari. O Estatuto da cidade e suas diretrizes gerais, p. 56. 99 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico, p. 55.

diretores), e a natureza intrinsecamente discriminatória dos seus preceitos (possibilidade de definição diferenciada de uso e ocupação do solo urbano).100

As fases pelas quais o planejamento urbano deve passar correspondem a atos de diversas naturezas jurídicas, que se dividem em: elaboração, execução e revisão do plano. Em todas as fases, identifica-se o dever do Estado, que a cada momento é atribuído a determinado órgão ou agente e cujo descumprimento pode assumir consequências diversas.

Assim, a atividade de planejar consiste na elaboração pelo Poder Público de estudos, perícias e levantamentos técnicos multidisciplinares para a concepção da proposta do plano a ser encaminhada ao Poder Legislativo. Após, haverá a votação do projeto, o qual, se aprovado, passará a ter natureza jurídica de lei. O plano aprovado representa, portanto, produção jurídica e deve ser respeitado e materializado, uma vez que de suas disposições decorrem deveres jurídicos.

José Afonso da Silva indica alguns princípios que informam as fases do planejamento, a saber: I) o processo de planejamento é mais importante que o plano; II) o processo de planejamento deve elaborar planos estritamente adequados à realidade do município; III) os planos devem ser exequíveis; IV) o nível de profundidade dos estudos deve ser apenas o necessário para orientar a ação da municipalidade; V) complementaridade e integração de políticas, planos e os programas setoriais; VI) respeito e adequação à realidade regional, além da local, em consonância com os planos e programas estaduais e federais existentes; VII) democracia e acesso às informações disponíveis.101

O referido autor ainda destaca a contribuição feita por Jorge Wilheim, o qual indica alguns atos (passos) necessários para a formação do plano diretor: “1º Apreensão do conhecimento existente sobre a situação encontrada, no que diz respeito a atualização, abrangência, confiabilidade e profundidade; 2º “Leitura” da cidade, para identificação de suas estruturas básicas e caracterização de subsistemas típicos dos diversos grupos sociais e etários; 3º Lançamento de hipóteses e alternativas mediante o estabelecimento de um diagnóstico integrado e prognósticos; 4º Investigações, mediante pesquisas de campo, entrevistas, levantamentos diretos, censos, operações de consulta pública ou amostragens; 5º Proposição do segundo objeto possível (conceito desejável de vida urbana; alternativas de estruturas possíveis ou desejáveis; demandas, serviços, áreas); 6º Plano de estrutura, representado pela “planta da cidade proposta”; 7º Documentos normativos de condução; legislação do uso do solo e de loteamentos; lei de proteção à paisagem; reformas

100 Cf. CORREIA, Fernando Alves. Manual do direito do urbanismo, p. 69-70. 101 Cf. SILVA. José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 137-138.

administrativas; códigos tributários e de edificações; orçamentos-programa e outras formas de alocação de recursos financeiros; 8º Operações de indução, mediante estímulos de variada natureza; 9º Formação de quadros; 10º Continuidade do processo: “Para que a finalidade última do plano se realize é preciso que ele efetivamente tenha provocado um processo permanente da aplicação de suas recomendações, realimentação de informações e revisões periódicas”.102

Nessa linha, resulta claro que o planejamento deve ser visto como um processo, iniciado no âmbito da Administração Pública, quando ainda em fase de estudos técnicos para apresentação do projeto de lei (decisão final que corresponde ao plano), o qual, ao ser aprovado pelo Legislativo, servirá de diretriz para a execução da política urbana.

Para Júlia Plenamente da Silva aplica-se ao planejamento urbano parcela do regime jurídico-administrativo destinada ao estudo do processo administrativo:

O devido processo legal, princípio consagrado como direito fundamental do cidadão no art. 5º, LIV (devido processo legal) e LV (contraditório e ampla defesa), deverá orientar a atuação do administrador na elaboração e na execução do planejamento, tanto em seu aspecto formal ou adjetivo como em seu aspecto material ou substantivo. O aspecto formal do princípio impõe a preservação da lisura e da regularidade do procedimento, a fim de que a sucessão encadeada dos atos, por ele materializada, não sofra qualquer espécie de subversão, bem como para que não falte ao procedimento nenhum ato que seja essencial e indispensável para a sua conclusão. Já quanto ao aspecto material, o devido processo legal é alcançado quando o processo é utilizado como forma de realização dos princípios jurídicos do Estado Democrático de Direito.103

Assim, para a autora, a possibilidade de controle de decisões estatais, com efetiva participação da população, por intermédio dos mecanismos de exercício da democracia direta, como consultas e audiências públicas, representaria para o planejamento urbano a vertente mais importante do devido processo legal em seu aspecto substantivo.

Além disso, o planejamento urbano, corolário do princípio (urbanístico) da coesão dinâmica (materializado, por exemplo, no art. 2º, inciso IV do Estatuto da Cidade), tem sua existência correlacionada à função do Poder Público de proporcionar o pleno

102 Ibid., p. 144.

desenvolvimento das funções sociais da cidade. Busca-se evitar, através dele, o casuísmo e as transformações promovidas nas cidades com base exclusivamente em interesses econômicos.