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3. O PLANEJAMENTO E OS PLANOS URBANÍSTICOS

3.4 Plano urbanístico e a sua natureza jurídica

As ideias expostas já caracterizam o plano como um dos institutos fundamentais do planejamento urbano, sendo a forma principal de intervenção racional e de transformação do espaço urbano.

Por força constitucional, o plano urbanístico necessita de formatação legislativa para ser implementado e observado, especialmente quando ele implicar imposição de obrigação de fazer ou não fazer ou na criação de direitos gerais e abstratos (CF, art. 5º, II, e art. 37, caput).

Nessa linha, por exemplo, existe previsão constitucional expressa determinando a aprovação por lei do plano diretor municipal (art. 182, § 1º).

O processo de planejamento urbanístico adquire sentido jurídico quando se traduz em planos urbanísticos. Estes são, pois, os instrumentos formais que consubstanciam e materializam as determinações e os objetivos previstos naquele. Enquanto não traduzidos em planos aprovados por lei (entre nós), o processo de planejamento não passa de propostas técnicas e, às vezes, simplesmente administrativas, mas não tem ainda dimensão jurídica.104

Portanto, os planos urbanísticos são dotados de juridicidade.

Para José Afonso da Silva, “os planos são conformadores, transformadores e inovadores da situação existente, integrando o ordenamento jurídico que modificam, embora neles se encontrem também regras concretas de natureza administrativa, especialmente quando sejam de eficácia e aplicabilidade imediatas e executivas”.105

Acompanhando tais assertivas, mas aprofundando o debate, Marcos Geraldo Batistela afirma que os planos também podem se apresentar como execução de uma lei preexistente. Vejamos:

A solução adotada pelo direito positivo nacional, se aparentemente resolve o debate do ponto de vista da forma, implica uma outra ordem de problemas, seja porque se

104 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 94. 105 Ibid., p. 98.

reconhece a existência das chamadas leis de efeitos concretos (cujo conteúdo é equivalente ao de um ato administrativo), o que remete novamente ao problema conceitual original, seja porque a lei em sentido formal que contém as disposições do plano normalmente integra elementos pouco freqüentes em atos normativos (instituição de regras de conduta) como tabelas, gráficos, plantas, estatísticas, estudos preliminares etc.106

O autor manifesta com toda clareza seu posicionamento sobre a matéria destacando também o seguinte:

Neste ponto, afigura-se que o esforço doutrinário de identificação do instituto do plano abstratamente considerado (como conceito lógico-jurídico) com alguma das formas jurídicas positivas tradicionais (como conceitos jurídico-positivos) não parece trazer qualquer aporte significativo para a compreensão do tema, porque se reporta a conceitos que se situam em níveis teóricos distintos. Com efeito, se a forma jurídico-positiva for o critério escolhido para o estabelecimento da natureza jurídica de um plano, então podem existir no ordenamento jurídico nacional planos de distintas naturezas jurídicas, uns estabelecidos por lei, como o plano diretor municipal ou o plano plurianual, outros estabelecidos por ato administrativo, como o projeto de loteamento disciplinado na Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, os planos de bacia hidrográfica previstos na Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e o plano de execução orçamentária (“a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso”) determinado pelo artigo 8º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).107

Nota-se, desse modo, que a natureza jurídica dos planos tem sido objeto de longa controvérsia. Cumpre destacar, ademais, que algumas legislações apresentam nítido caráter misto, constituídas por determinações de natureza concreta – que têm a natureza de ato administrativo - e por disposições abstratas – que tratam de um número indefinido de situações.108 Isto implica dificuldades quanto à forma adequada de se questionar a constitucionalidade ou legalidade dos atos praticados com base na referida legislação.

106 BATISTELA, Marcos Geraldo. Coexistência de planos territoriais no Brasil, p. 22. 107 Ibid., p. 23.

108 É o que se verifica, por exemplo, na Lei Complementar nº 231/2011 (que trata do uso, da ocupação do solo e

da urbanização do Município de Cuiabá). A lei em referência estabelece, no capítulo II, disposições sobre o zoneamento urbano (regras de efeitos concretos) e, ao mesmo tempo, institui índices urbanísticos e classificação

O doutrinador Fernando Alves Correia propõe a avaliação da questão da natureza jurídica dos planos através dos seus efeitos.

A classificação proposta pelo referido autor distingue a autoplanificação (vinculada apenas ao sujeito que aprova o plano), a heteroplanificação (com efeitos para outros sujeitos públicos determinados) e a planificação plurisubjetiva (com efeitos para os particulares).109

Assim, para o autor, a autoplanificação é uma típica manifestação de todos os planos urbanísticos, já que eles, obviamente, devem vincular os sujeitos de direito público que os elaboram e aprovam.

Na heteroplanificação, por sua vez, os planos vinculam todas as entidades públicas, sendo tal característica comum nos planos territoriais dos Estados Unitários, nos quais, embora haja entidades descentralizadas, estas não possuem autonomia e agem por delegação do órgão central.110 Por certo, ante a forma de distribuição interna do exercício do poder político no Brasil (estrutura federativa), a heteroplanificação é mais rara.

Os casos de heteroplanificação são raros no direito brasileiro, cuja estrutura federal de Estado atribui a cada um dos níveis de governo competências estritamente discriminadas e provê poucos recursos para a coordenação da sua atuação. Apresenta-se, entretanto, com bastante nitidez no sistema constitucionalmente estabelecido para o planejamento urbanístico, em que existe previsão de um plano nacional de ordenação do território, circunscrito ao estabelecimento de normas ou diretrizes gerais, a possibilidade de elaboração de planos estaduais de ordenação do território e a obrigatoriedade de planos diretores municipais para as cidades com mais de vinte mil habitantes, sendo o caso em que as disposições dos planos territorialmente mais abrangentes vinculam diretamente os entes planejadores dotados de menor extensão territorial em razão de suas competências constitucionalmente definidas, isto é, os Estados e o Distrito Federal devem obediência às normas gerais e aos planos nacionais estabelecidos pela União e os Municípios às normas suplementares e aos planos estabelecidos pelos Estados nos limites de suas competências.111

de usos (capítulo III), atos puramente normativos, segundo paradigmas gerais e abstratos. Disponível em: <htpp://www.cuiaba.mt.gov.br/legislacao/legislacao_urbana_de_cuiaba.pdf>. Acesso em: out. 2011.

109Cf. CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo, p. 384-385.

110 Cf. ARAÚJO, Luiz Alberto David de e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, p.

258-259.

Cumpre registrar que a eficácia plurisubjetiva vincula o poder público e o particular indeterminadamente. Assim, nem todos os planos territoriais têm uma eficácia plurisubjetiva, sendo que só alguns deles também vinculam direta e imediatamente os particulares, destacando-se, nesse contexto, os planos municipais e especiais de ordenação do território (que estabelecem os modos de ocupação do solo urbano).

No escólio de Fernando Alves Correa, “os planos desprovidos de eficácia plurisubjetiva são planos de orientação e de coordenação, vinculativos para as entidades públicas, mas que não produzem efeitos directos e imediatos perante os particulares”.112

De qualquer sorte, como consequência do princípio da legalidade, o Poder Público não pode elaborar os planos que entender, mas apenas os que a lei prevê de modo típico, destacando-se, nesse contexto, os planos setoriais113e físico-territoriais.

Por fim, cabe acrescentar que a distribuição de competências para o planejamento territorial pela Constituição de 1988 amolda-se à concepção de que os planos de maior abrangência territorial devem ser menos analíticos do que os planos de menor âmbito territorial e estes, ao contrário, devem conter disposições cada vez mais específicas e concretas em razão de sua menor abrangência territorial e do aumento de sua força vinculante para os sujeitos de direito, especialmente para os particulares interessados.