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2. A DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS COMPETÊNCIAS

2.4 As competências urbanísticas

recursos e esforços, coordenando-se as ações das pessoas políticas, com vistas à obtenção de resultados mais satisfatórios.61

Por fim, é necessário ressaltar que cada ente federativo retira sua competência diretamente da Constituição Federal e não de normas infraconstitucionais, de modo que as disposições encartadas no Estatuto da Cidade sobre o tema (art. 3º) acrescentam muito pouco à análise das competências em direito urbanístico.

2.4 As competências urbanísticas

A ideia de que a problemática do urbanismo é um espaço aberto à intervenção concorrente e concertada de todos os entes federativos veio reconhecida na Constituição Federal de 1988, especialmente ao distribuir competências urbanísticas entre todas as esferas de governo.

Na realidade, o próprio conceito de federalismo reclama um mínimo de colaboração, existindo, em maior ou menor grau, instâncias de poder que trabalham juntas em qualquer Estado organizado como federação.

No que diz respeito à matéria urbanística, a Constituição de 1988 inovou ao disciplinar expressamente as competências legislativas, ao contrário dos regimes constitucionais anteriores, em que tais competências eram decorrentes dos poderes implícitos reconhecidos à União, dos poderes reservados dos Estados ou da competência dos Municípios para dispor sobre assuntos de seu peculiar interesse.62

Identificam-se no texto constitucional normas de competência legislativa e material com implicações diretas na atividade urbanística. Há de se enfatizar que a política urbana, apesar de ser executada pelo Poder Público municipal, possui dimensões nacional, regional e local, e, portanto, uma concorrência de atribuições e competências entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Enfatiza-se que a própria Lei Fundamental estabelece formas e arranjos para possibilitar a inter-relação e a colaboração das unidades federativas na elaboração e implementação de políticas urbanas.

61 A Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, fixa diretrizes para a cooperação entre os entes

federativos em matéria ambiental.

62 Cf. BATISTELA, Marcos Geraldo. Coexistência de planos territoriais no Brasil. São Paulo, 2005.

Entretanto, esse sistema de inter-relação existente na política urbana não pode perder de vista que a ordem federal está marcada pela coexistência de diversos centros de poder, independentes, autônomos e livres para desenvolverem suas instâncias de poder. Mas, apesar da independência e da autonomia destas esferas, elas estão vinculadas em virtude de objetivos comuns e devem agir com eficiência (princípio jurídico-administrativo), justamente para evitar a desarticulação e a sobreposição de atuações.

2.4.1 Competências urbanísticas da União

O art. 21 da Constituição Federal atribui à União o desempenho de uma série de atividades e a organização e gestão de inúmeros serviços.

Dentre as matérias nele previstas, têm peculiar interesse para o urbanismo: a elaboração e a execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (inciso IX), o planejamento e a promoção da defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações (inciso XVIII), a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (inciso XX), o estabelecimento de princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação (inciso XXI).

Todos esses incisos referem-se a matérias com implicações diretas na atividade urbanística, porquanto lidam especificamente com planejamento (inciso IX e XX) e ordenação do solo (inciso XXI).

Destaca-se que a Lei Fundamental parte da premissa de que o papel da União é essencial para coordenar as políticas nacionais de desenvolvimento com impacto direto no território, como se percebe na disposição prevista no inciso IX (elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social).

É interessante também enfatizar que embora o art. 21 da Constituição Federal tenha sido concebido para tratar das competências materiais da União, os dispositivos nele previstos possuem natureza legislativa, que consiste no poder-dever de expedir comandos normativos, genéricos e abstratos, excetuando-se apenas a segunda parte do inciso IX, onde se lê “executar”, que trata de competência material.63

63

Rafael Domingues destaca que o art. 21 traz matérias que em qualquer federação constituem o núcleo irredutível das competências da União, acentuando-se a tendência de se dar destacado papel à União em tema de

Nestas matérias, a legislação da União é privativa porque visa instituir e disciplinar serviços e atividades dela própria, e a competência administrativa é exclusiva de tal ente, ficando a colaboração dos Estados e Municípios admissível em certos casos, como os dos incisos XX e XXI, e nos limites e mecanismos impostos pela lei federal.64

A competência legislativa privativa da União é definida no art. 22 da Constituição Federal. Assim, em linhas gerais, caberá aos Estados e aos Municípios exercer atividades decorrentes da competência legislativa privativa da União, nos limites e condições da lei federal.65 Dentre as matérias relacionadas no referido artigo, a que apresenta nítida repercussão no âmbito urbanístico é a referente ao trânsito e transporte (inciso XI), que implica diretamente as questões que envolvem o planejamento urbano e a ordenação do solo.

No art. 24 encontram-se as matérias de competência concorrente da União e dos Estados, atinentes à competência para legislar, nas quais a União somente deverá editar normas gerais (§ 1º). Já os Estados também podem exercer tanto uma competência complementar (§ 2º), detalhando as normas federais existentes, como uma competência suplementar (§ 3º), na hipótese de não existirem normas gerais federais.66

No art. 24, as seguintes matérias de competência concorrente são de interesse urbanístico: as referentes ao direito urbanístico (inciso I), florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição (inciso IV), proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inciso VII), a responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inciso VIII). Como se nota, tais matérias tratam de questões afetas ao ordenamento do solo, vislumbrando-se interesse urbanístico.

É importante registrar que o Direito Urbanístico veio a ser tratado como disciplina jurídica pelo art. 24, que, como se observa, conferiu expressamente à União

planejamento (Cf. DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. Competência constitucional em matéria de urbanismo.

Direito urbanístico e ambiental, p. 96).

64 Nestes casos, embora a União possua atribuições para esgotar totalmente a matéria, impondo normas gerais e

igualmente normas específicas sem tanta preocupação com os limites da autonomia estadual ou municipal, neles podem ser detectados “interesse local” a ensejar a atuação dos Municípios (CF, art. 30, I e II).

65 Aplica-se à hipótese o mesmo raciocínio anterior. Ou seja, na competência privativa os Municípios podem

suplementar a legislação federal, por exemplo, na questão que versa sobre trânsito e transportes, sempre que estiver presente o interesse local, como ocorre nas situações de definição do sentido de direção das ruas, dos locais de estacionamento, etc. (Cf. DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A competência dos estados-membros

no direito urbanístico – limites da autonomia municipal, p. 97).

66 Michel Temer entende que os Municípios foram excluídos da competência concorrente, por não constarem do

rol do art. 24 da Constituição de 1988 (Elementos de direito constitucional, p. 66). Em sentido contrário, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior entendem que os Municípios também têm competências concorrentes, face o disposto no art. 30, II, da Constituição Federal, desde que presente o interesse local (Curso

competência legislativa para editar suas normas gerais (inciso I, c/c o § 1º). A propósito, foi no uso desta competência que a União editou a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).

2.4.2 Competências urbanísticas dos Estados

De início, é interessante notar que o arcabouço constitucional não foi generoso na atribuição de competências urbanísticas aos Estados-membros.

Assim, conforme visto, os estados têm competência concorrente com a União para tratar desta matéria (art. 24, I).

A competência urbanística dos estados tem como limite a competência da União para editar normas gerais e a competência dos municípios (relativa à execução da política de desenvolvimento urbano - ordenação do solo - e a de legislar sobre assuntos de interesse local), o que restringe as questões que podem ser disciplinadas por tal ente.

De qualquer forma, para os Estados-membros, a Constituição de 1988 atribuiu a competência privativa para instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões constituídas por municípios limítrofes, para o planejamento, a organização e a execução de funções públicas de interesse comum (art. 25, § 3º).67

Além disso, aos estados também compete a elaboração e a execução dos planos regionais, conforme enfatiza Jose Afonso da Silva:

Abre-se aos Estados, aí, no mínimo, a possibilidade de estabelecer normas de coordenação dos planos urbanísticos no nível de suas regiões, além de sua expressa competência para estabelecer regiões metropolitanas (art. 25, § 3º).

Não padece mais dúvida de que os Estados dispõem de competência para estabelecer planos urbanísticos, conforme expressamente consta do art. 4º, I, do Estatuto da Cidade (...).68

67 Pode-se apontar diferenças entre regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos da seguinte

forma: a região metroplitana é uma espécie de aglomeração entre municípios, onde se observa uma continuidade urbana, densamente povoada (de contínua construção), com a existência de um Município mais importante, chamado cidade-pólo, em torno do qual se reunirão os demais Municípios. Na microrregião existem municípios limítrofes relativamente semelhantes, sem que haja continuidade urbana e a predominância de um dos municípios. Nos aglomerados urbanos os Municípios se equivalem, existe uma continuidade urbana e a área também é densamente povoada. Não existe, porém, nem cidade-pólo, nem cidade sede (Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 60).

Assim, o Estado, enquanto ente político que corresponde à região ou abriga a microrregião objeto do planejamento, exerce competência para implementação de políticas públicas interurbanas comuns.

2.4.3 Competências urbanísticas dos Municípios

No que diz respeito aos Municípios, o art. 30, inciso I, da Constituição Federal confere competência privativa para legislar sobre o interesse local, ou seja, sobre as suas especificidades ou particularidades. Além disso, neste quadro, podem os Municípios suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, II).

A Constituição de 1988 ainda atribuiu a tais esferas as seguintes competências: a) a criação, organização ou supressão de distritos, nos termos da lei estadual (art. 30, IV), b) a promoção, no que couber, do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento, controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII), c) a promoção da proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (art. 30, IX), d) a execução da política de desenvolvimento urbano (art. 182, caput), e f) a aprovação do plano diretor (art. 182, § 1º).

Nota-se que todos os dispositivos em questão tratam da matéria de urbanismo, porquanto atribuem competência constitucional aos Municípios para planejamento urbanístico (IV), ordenação do solo (VIII) e da paisagem urbana (IX).

Mas, sem sombra de dúvidas, o mais completo dos dispositivos citados é o art. 182, que atribui aos Municípios competência para cuidar da política urbana, pois abriga quase tudo que é ligado à matéria de urbanismo, tais como, o planejamento urbanístico, a ordenação do solo, a ordenação urbanística de áreas de interesse especial, a ordenação urbanística da atividade edilícia e instrumentos de intervenção urbanística.69

Há de se registrar, ainda, que a Constituição Federal prevê como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana o plano diretor, de competência legislativa dos Municípios, o qual, por sua vez, deve observar as diretrizes gerais traçadas em lei federal.

69 Cf. DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. Competência constitucional em matéria de urbanismo. Direito

2.4.4 Competências urbanísticas comuns

O artigo 23 da Constituição Federal estabelece a competência material (competência administrativa) comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Nele são definidas áreas de atuação ou de serviço nas quais todos os entes federados estão autorizados a agir simultaneamente.

Observa-se interesse urbanístico especialmente em duas situações retratadas neste artigo. Nesse sentido, o inciso III estabelece que compete a todas as unidades federativas proteger as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. Por sua vez, o inciso IX fixa a competência comum para “promover a construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

2.4.5 Normas de competência e os planos urbanísticos

Seguindo a intenção constitucional de distribuir a planificação entre as esferas de governo, a nossa ordem jurídica prevê a elaboração de planos urbanísticos por todas as unidades federativas.

Há de se enfatizar que a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que estabelece as diretrizes gerais da política urbana, também prevê, no art. 3º, competências legislativas e materiais da União de implicação direta na atividade urbanística, destacando-se, nesse contexto, o inciso V, que estabelece a sua competência para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.

Dentre os instrumentos de política urbana, o art. 4º do Estatuto da Cidade prevê em seus incisos: I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III – planejamento municipal.

Nota-se que o Estatuto da Cidade restringiu-se a tratar do planejamento municipal, deixando de fixar regras de coordenação e integração dos planos urbanísticos de competência das demais unidades federativas.

Neste caso, tal lacuna não resulta de simples imprevisão, mas reflete o firme propósito do ordenamento jurídico em atrelar tal matéria ao plano nacional e aos planos regionais de ordenação do território.

Daniela Campos Libório Di Sarno propõe a classificação dos planos urbanísticos que podem ser elaborados pelas unidades federativas entre planos explícitos e implícitos. Na primeira categoria ela inclui os seguintes: a) Federal: plano nacional de ordenação territorial e desenvolvimento econômico e social (art. 21, IX), plano regional de ordenação territorial e desenvolvimento econômico e social (art. 21, IX); b) Estadual: plano regional (art. 25, § 3º); c) Municipal: plano diretor (art. 182); plano parcial de ordenação territorial - uso e ocupação do solo urbano – (art. 30, VIII). Como planos implícitos a autora aponta: a) Federal: plano setorial de desenvolvimento urbano (art. 21, XX e XXI); b) Estadual: plano geral de ordenação territorial; c) Municipal: plano local (art. 30, IV).70

Desse modo, pode-se apontar a existência no ordenamento jurídico de planos urbanísticos nacional, regionais, federais setoriais, estaduais, microrregionais e municipais, cabendo aprofundar a análise da relação que pode ocorrer entre eles.