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3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3.1. Formação

3.1.3. A Formação em Portugal

Neste tópico procuraremos responder a um conjunto de questões relevantes sobre a formação profissional em Portugal procurando perceber em última instância: Qual a realidade da formação profissional no nosso país? Que evolução tem ocorrido ao longo do tempo? Estamos a construir um caminho sólido e consistente?

Não poderíamos deixar de fazer esta análise sem considerar, em primeiro lugar, o notório crescimento da formação profissional em Portugal nos últimos anos (Almeida & Alves, 2011a; Caetano, 2007a). Os dados estatísticos disponíveis revelam que, em 1998, apenas 10% das organizações promoviam formação profissional (Almeida & Alves, 2011a; Caetano, 2007a). Em 2008, volvidos cerca de 10 anos, essa percentagem quase quadruplica, atingindo os 37% (Almeida & Alves, 2011a; Caetano, 2007a). De acordo com o “Inquérito à Formação Profissional Contínua” realizado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP, 2010), em 2010 64.6% do total das empresas com 10 ou mais pessoas ao serviço proporcionaram formação contínua aos seus colaboradores, o que de acordo com este gabinete representa um aumento de 20.5% face a 2005 e 42.6% face a 1999. De acordo com o “Relatório Anual de Formação Contínua” do Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE, 2013), em 2013 manteve-se o mesmo valor registado em 2010. Neste panorama, o investimento com a formação dos colaboradores é cada vez mais avultado. De acordo com o GEE (2013), as empresas portuguesas reportaram, em 2013, custos com a formação profissional na ordem dos 247 235 milhares de euros. Deste valor, 90.2% foi suportado pela empresa e o restante por financiamento externo.

Esta evolução registada nos últimos anos é bastante significativa; infelizmente, no entanto, ela não é extensível a todas as empresas. De facto, verificamos que a formação é ainda extremamente segmentada em função da dimensão das empresas e do setor de atividade económica (Almeida et al., 2008; Almeida & Alves, 2011a; GEE, 2013).

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Em relação à dimensão da empresa, constata-se que são sobretudo as empresas de grande dimensão (com mais de 250 colaboradores) que proporcionam formação aos seus colaboradores. De acordo com dados do GEE (2013), no ano de 2013, apenas 13.5% das empresas que empregavam até 9 pessoas proporcionavam formação aos seus colaboradores, valor este que aumentava para 41.4% para empresas com 10 a 49 colaboradores, 75.4% para empresas com 50 a 249 colaboradores, 93.2% para empresas com 250 a 499 colaboradores e 96.5% para empresas com 500 ou mais colaboradores. Estes dados são preocupantes, mas não surpreendentes, dado que, como a literatura tem demonstrado, as Pequenas e Médias Empresas (PME) tendem a ter políticas de GRH pouco estruturadas (Cardon & Stevens, 2004; Hill & Stewart, 2000) e centradas na resolução dos problemas a curto-prazo (Anderson & Boocock, 2002; Hill & Stewart, 2000) e como tal, as práticas de formação tendem a ser inexistentes ou pouco desenvolvidas e estruturadas (Cardon & Stevens, 2004; Hill & Stewart, 2000).

Quanto ao setor de atividade económica, verifica-se que os que mais dinamizam formação são os setores da educação, das atividades financeiras e seguros (83.5%), da eletricidade (78.6%), da captação e distribuição de água (68.1%) e das atividades de informação e comunicação (60.7%). Em contrapartida, os setores da construção (25.2%) e da indústria transformadora (31.0%) são dos que apresentam um envolvimento em formação mais reduzido (Almeida & Alves, 2011a).

Apesar desta segmentação, a evolução geral da formação nas organizações tem sido, como vimos, francamente positiva, pelo que a questão natural que se coloca agora é: O que tem impulsionado cada vez mais empresas a fazer formação?

Em primeiro ligar, este enorme impulso parece ter sido propiciado pelo aumento do financiamento comunitário adjudicado à formação profissional e, ao mesmo tempo, pela maior facilidade em aceder a este financiamento (Almeida et al., 2008; Almeida & Alves, 2011a; Pereira, 1996). Inclusivamente, cerca de 50% das empresas portuguesas que promoveram ações de formação afirma que “não as teriam realizado se não tivessem existido os financiamentos públicos” (Almeida & Alves, 2011a, p. 126) e mais de 75% das empresas que não realizaram qualquer tipo de formação revela “esperar poder fazê-lo através de financiamentos públicos” (Almeida & Alves, 2011a, p. 126). Os dados obtidos por Almeida e colaboradores (2008) com 142 organizações de grande dimensão revelam que mais de 40% das empresas do estudo não dispunha de um orçamento próprio para formação, “facto que deixa a

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politica de formação ao sabor das contingências financeiras e da capacidade de pressão por parte das diferentes áreas funcionais e/ou grupos profissionais no interior da empresa.” (Almeida et al., 2008, p. 8).

Embora o financiamento comunitário pareça constituir-se como uma condição importante, não será certamente suficiente e é provável que deixe cada vez mais de o ser. Como vimos, de acordo com dados do GEE (2013), cerca de 90% dos custos com formação profissional são suportados pela própria empresa.

Em segundo lugar, como Bernardes (2008, p. 62) denota, “algumas empresas optam por organizar uns quantos cursos e ações soltas, de modo isolado e desenquadradas das reais necessidades, com a finalidade de fazer face a obrigações legais, ou visam apenas cumprir planos de formação definidos por uma tal elite de formação, muitas vezes alheia ao outro lado, ou seja, o mundo do trabalho”. Para estas organizações, a formação não se constitui como um meio para o alcance de determinados objetivos, mas antes um fim em si mesmo.

Felizmente, contudo, para outras organizações o interesse na formação resulta do reconhecimento da importância da formação para a vida organizacional, sobretudo para o aumento da produtividade e qualidade dos produtos/serviços, para o aumento da motivação/satisfação dos colaboradores e para a adaptação dos trabalhadores às novas exigências do posto de trabalho, nomeadamente as decorrentes da introdução de novas tecnologias (Almeida & Alves, 2011a; Caetano, 2007a; Instituto para a Qualidade na Formação - IQF, 2004). Apesar de estes serem motivos mais válidos, de acordo com Almeida e Alves (2011a), perspetivada deste modo, a formação continua a ser considerada sobretudo pelo seu caráter predominantemente adaptativo e a curto-prazo, sendo desvalorizado o seu papel estratégico e de longo-prazo.

Compreendidas as principais razões para as organizações portuguesas se envolverem na formação, importa agora caracterizar o seu serviço de formação e a forma como as organizações concretizam ou não as diferentes etapas do processo formativo, procurando dar resposta à questão final: Será que os últimos anos têm trazido um aumento da qualidade na formação?

De acordo com o estudo de Almeida e colaboradores (2008), cerca de 75% das organizações inquiridas afirma dispor de um serviço de formação profissional próprio. As que não dispõem deste serviço apontam como principais razões o facto de subcontratarem o serviço ou de este ser um serviço partilhado com as restantes empresas do grupo. Uma menor percentagem de empresas justifica esta inexistência com um reduzido volume de formação, “o

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que deixa antever uma menor valorização do capital humano na gestão do seu processo de desenvolvimento competitivo” (Almeida et al., 2008, p. 5). Quando existe um serviço de formação, este normalmente está enquadrado no departamento de RH e só em casos raros no departamento administrativo e financeiro e no departamento da qualidade (Almeida et al., 2008). Estas diferenças no enquadramento institucional da formação permitem-nos compreender o modo como as empresas definem os objetivos e prioridades da sua política de formação (Meignant, 1999). Já a designação do serviço permite-nos “uma reflexão mais detalhada sobre a visibilidade e as lógicas que estão associadas à existência de tal serviço” (Almeida et al., 2008, p. 6). O facto de algumas organizações não utilizarem uma designação específica para este serviço ou de a associarem, por exemplo, à função de recrutamento pode constituir um indício da pouca visibilidade e prestígio da formação. Já a utilização de designações distintivas é reveladora do destaque assumido pela função da formação (Almeida et al., 2008). Finalmente, este serviço é, de acordo com o estudo de Almeida e colaboradores (2008), na maioria dos casos assegurado por uma única pessoa. Inevitavelmente, esta falta de meios humanos irá ter impacto na qualidade do trabalho de gestão da formação (Almeida, 1992; Almeida et al., 2008).

Conhecida a estrutura e os recursos com que as organizações portuguesas fazem a gestão da sua formação, procederemos de seguida a uma análise da formação que estas promovem de acordo com as diferentes etapas do ciclo formativo – levantamento e diagnóstico de necessidades, planeamento/conceção/execução e avaliação.

Em relação ao levantamento e diagnóstico de necessidades, será que as empresas portuguesas baseiam a sua formação num processo de análise das necessidades da organização? De acordo com o estudo de Almeida e colaboradores (2008), a resposta a esta questão é positiva para mais de 80% das organizações analisadas. Mais, os procedimentos de diagnóstico de necessidades tendem a estar formalizados por escrito. Neste trabalho de diagnóstico, as chefias diretas e os responsáveis de cada departamento constituem-se como fontes de informação privilegiadas, quer de uma forma direta, quer de uma forma indireta (por exemplo, através da AD). Todos os outros satkeholders (incluindo os colaboradores sem responsabilidades de gestão) têm uma participação reduzida ou nula neste processo.

Como resultado desse diagnóstico, a maioria das empresas analisadas na investigação de Almeida e colaboradores (2008), elabora um plano de formação. Estes planos têm, habitualmente, um horizonte temporal curto de um ano e, em casos raros, dois ou três anos.

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Esta realidade traduz, de acordo com Cruz (1998), a necessidade do plano formativo ir ao encontro das necessidades da organização, as quais estão em constante mutação como resultado do meio económico, social, tecnológico em que esta está inserida.

O volume de formação concretizado pelas empresas tende ainda a ser reduzido. De facto, quando analisamos o número médio de horas de formação que cada participante recebe, encontramos valores na ordem das 30 horas anuais de formação (Almeida & Alves, 2011a).

A modalidade preferencial de formação escolhida pelas empresas é a formação de aperfeiçoamento profissional. O envolvimento em modalidades de formação inicial e de reconversão profissional tende a ser bastante mais reduzido (Almeida & Alves, 2011a). Os principais prestadores de serviços de formação são as empresas privadas especializadas na área da formação, seguindo-se com menor ordem de expressão as próprias empresas, os fornecedores de equipamentos/tecnologias, as escolas/universidades e as redes públicas de centros de formação (Almeida et al., 2008; Almeida & Alves, 2011a).

No que diz respeito aos horários da formação, a esmagadora maioria das ações são realizadas em período laboral (Almeida & Alves, 2011b; GEE, 2013), o que “é revelador de uma conceção de formação que não parece colocar exclusivamente sobre os trabalhadores a responsabilidade de melhoria das suas competências” (Almeida & Alves, 2011b, p. 717). Para além disso, as empresas privilegiam a realização de formação dentro da organização em detrimento da formação em contexto exterior (Almeida & Alves, 2011b).

Por fim, em relação às práticas de avaliação da formação, analisaremos os resultados do estudo de Almeida e colaboradores (2008), o qual procurou determinar quais os níveis de utilização de cada uma das modalidades de avaliação proposta por Kirkpatrick (1979) – reação, aprendizagem, comportamento e resultados organizacionais. Os investigadores constataram que as modalidades de avaliação mais utilizadas são a avaliação das reações (89.9%) e a avaliação da aprendizagem (78.3%). Em contrapartida, por serem as menos utilizadas, destacam-se a avaliação do comportamento (33.3%) e a avaliação dos resultados (44.9%). À semelhança do verificado em relação ao diagnóstico de necessidades, as chefias tendem a ser a fonte de informação mais utilizada (67.7% através de questionários e 25.8% através de auscultação informal). No estudo de Cruz (1998), realizado 10 anos antes com cerca de 400 empresas, foram encontrados resultados muito semelhantes, o que nos mostra a inexistência de mudanças significativas a este nível nos últimos anos. Ao contrário do verificado em relação ao diagnóstico de necessidades, tanto no estudo de Cruz (1998) como no de Almeida e Colaboradores (2008)

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foi constatado que os colaboradores tendem a ter uma voz ativa neste processo de avaliação, sendo a segunda fonte mais utilizada depois da auscultação das chefias diretas. A realização de medições depois da ação de formação são também, de acordo com Cruz (1998), as mais frequentes. Com uma expressão mais reduzida surge a utilização de medidas pré e pós formação. O recurso a um grupo de controlo não tem, no geral, expressão (Cruz, 1998). Como Cruz (1998, p.209) refere, “os resultados revelam, numa perspetiva de rigor, a não avaliação da grande maioria das ações de formação e sugerem que a avaliação feita se limita à estritamente necessária”. Como o próprio refere também, esta é uma situação preocupante mas não limitada às empresas portuguesas.

Face a tudo o que foi exposto, podemos concluir que, apesar de estarmos no bom caminho, ainda há muito a fazer nas empresas portuguesas em matéria de formação.