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3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3.2. Avaliação da Formação

3.2.3. Dificuldades e Obstáculos à Avaliação

Já tínhamos referido, a propósito do conceito de avaliação da formação, que este momento do ciclo formativo é, sem dúvida, o que se apresenta menos desenvolvido e será, porventura, de todos eles o que está envolto em maior controvérsia (Gomes et al., 2008). Tal parece estar relacionado não só com a falta de consenso em torno do conceito de avaliação da formação, mas sobretudo com as dificuldades inerentes ao próprio processo de avaliação e com os obstáculos que as próprias organizações, ainda que inadvertidamente, colocam a este processo.

Em primeiro lugar, os responsáveis pelo trabalho de avaliação deparam-se com dificuldades em determinar o que avaliar e em medir muitos dos resultados da formação [como Foxon (1993) nota, a avaliação de outras competências que não motoras ou técnicas é percebida pelos envolvidos na avaliação da formação como extremamente difícil], a que se acresce o facto de estes nem sempre serem visíveis no imediato (Cardim, 2009; Eyserel, 2002; Gomes et al., 2008; Kirkpatrick, 1979; Pineda, 2010).

Em segundo lugar, é de referir a enorme pluralidade de temáticas e objetivos da formação habitualmente existentes, assim como a heterogeneidade de destinatários, os quais dificultam a uniformização de procedimentos (Eyserel, 2002; Pereira, 1996; Truelove, 1995).

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Em terceiro lugar, salienta-se a dificuldade em distinguir os resultados devidos à formação daqueles que provêm de fatores alheios à formação (Cruz, 1998; Gomes et al., 2008; Pineda, 2010). Como podemos, por exemplo, ter a certeza que uma diminuição dos conflitos interpessoais se deve à formação e não a outras mudanças organizacionais entretanto ocorridas? O comportamento é resultado de uma multiplicidade de fatores de tal modo intricado que torna- se difícil compreender o real contributo da formação (Argote, Ingram, Levine & Moreland, 2000).

Em quarto lugar, associada a estas dificuldades, e possivelmente derivada delas, verifica- se a inexistência de uma teoria geral de avaliação unificada e coesa que tenha em consideração o carácter multidimensional e as diferentes complexidades do processo de avaliação (Eseryel, 2002; Griffin, 2010; Pineda, 2010). Além disso, as teorias existentes não estão ainda suficientemente articuladas e operacionalizadas para a prática, não fornecendo as orientações necessárias quanto às ferramentas e procedimentos que as organizações devem utilizar (Chen & Klimoski, 2007; Eseryel, 2002; Griffin, 2010; Pineda, 2010). Por fim, para algumas destas teorias, são necessárias ainda mais evidências que demonstrem a sua validade e robustez (Chen & Klimoski, 2007).

Em quinto lugar, em Portugal, até há bem pouco tempo não existia uma política de formação claramente definida, o que naturalmente contribui para práticas distintas e desintegradas (Almeida et al., 2008).

Em sexto lugar, como o IQF (2006) denota, Portugal não tem uma forte cultura de avaliação, de tal modo que em, 2006, menos de 5% das organizações do setor privado estavam certificadas na área da avaliação.

Em sétimo lugar, as dificuldades na avaliação são alimentadas por um conjunto de ideias pré-concebidas sobre as práticas avaliativas, entre as quais: “a avaliação é desnecessária, uma vez que os efeitos benéficos da formação são óbvios”; “os questionários de avaliação da reação administrados no final da formação são suficientes e, por si só, demonstram a eficácia da formação”; “a avaliação usa recursos que, por si só, já são escassos para a principal função que é formar”; “a avaliação envolve colaboradores não ligados à formação, dos quais se torna difícil obter cooperação” (Truelove, 1995, p. 125); “não é possível medir quantitativamente os resultados da formação” (Phillips, 1991, p. 2); “a formação não gera valor acrescentado para o comportamento do colaborador e, por conseguinte, para os objetivos organizacionais” (Cruz, 1998, p. 61). Estas pré-conceções são mantidas por vários elementos organizacionais, nomeadamente por aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos na formação, incluindo

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a gestão de topo. O interesse e envolvimento da gestão de topo na formação é, como Cardim (2009) evidencia, crucial para o próprio interesse e envolvimento dos restantes colaboradores, pelo que a desvalorização da formação pelos gestores pode conduzir, por si só, à desvalorização da formação pelos colaboradores. Mesmo quando a gestão de topo valoriza a formação, nem sempre assinala a sua importância de uma forma clara e objetiva, como o pode fazer com outras dimensões do negócio, passando a mensagem de que esta é uma questão secundária (Cardim, 2009; Griffin, 2010; Pineda, 2010).

Por fim, Griffin (2010) e Pineda (2010) identificam outros obstáculos à avaliação da formação que estão radicados na própria organização. Entre estes, os autores incluem a falta de qualificações dos responsáveis da formação para fazer a avaliação, o que contribui para que esta não seja tratada de todo ou, quando é, o seja de uma forma demasiado superficial. Os autores referem também que a avaliação pode ser conduzida de uma forma desadequada com receio dos resultados, sobretudo no caso dos custos do programa de formação serem parcial ou totalmente subsidiados por fundos públicos.

Tendo em conta esta grande amostra de dificuldades e obstáculos (que, denote-se, não os esgota), não são surpreendentes os dados que revelam que uma percentagem significativa das organizações negligencia a avaliação da formação, não a realizando de todo ou mutilando-a em uma ou mais fases (Abdalla & Al-Homoud, 1995; Almeida et al., 2008; Caetano, 2007a; Tannenbaum & Yukl, 1992; Wang & Wilcox, 2006; Pineda, 2010). Mesmo quando executada, verifica-se que esta não é planeada à partida, ou seja, não está integrada na conceção da formação, é realizada de uma forma superficial e com recurso a metodologias inadequadas (Caetano, 2007a) e de caráter retrospetivo (Brown & Gerhardt, 2002).

É, no entanto, previsível que esta realidade se vá progressivamente alterando. De facto, “os níveis de competitividade atuais têm vindo a intensificar a pressão para que se demonstre de que forma a formação contribui diretamente para o desenvolvimento das organizações” (Caetano & Velada, 2007, p. 19), motivo pelo qual é previsível que este momento do processo formativo (durante muito tempo negligenciado) comece a assumir cada vez maior importância nas organizações (Phillips, 1991; Salas & Cannon-Bowers, 2001). Como vimos, a avaliação é tão ou mais importante quanto a formação em si mesma, pelo que mais cedo ou mais tarde as empresas terão que compreender que não podem prescindir de uma avaliação completa e o mais rigorosa possível das suas atividades formativas. As empresas também não podem esperar que estas dificuldades e obstáculos desapareçam magicamente. Como Phillips (1991, p.4)

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destaca, “esperar por responsabilidades menos complexas é como esperar que os impostos desapareçam – nunca acontecerá”. Como podemos, então, ajudar as organizações a superar estas dificuldades e obstáculos? A resposta a esta questão reside, em grande parte, nos modelos de avaliação, que exploraremos no tópico que se segue.