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4. O CASO DA C-ITA: INVESTIGAÇÃO-AÇÃO (PLANIFICAÇÃO, AÇÃO E REFLEXÃO)

4.2. Planificação: Apresentação e Discussão dos Resultados

4.2.15. Discussão Global dos Resultados

Em suma, como tivemos oportunidade de explorar, o processo de avaliação da transferência da formação da C-ITA está envolto numa teia de dificuldades complexas. Uma parte significativa destas dificuldades reside, obviamente, nas dificuldades que estão inerentes ao próprio processo de avaliação (e que foram já abordadas), mas também num conjunto enraizado de crenças alimentadas por vários elementos de diferentes níveis hierárquicos que, ainda que inadvertidamente, compromete à partida todo o processo. Nenhuma destas crenças é atípica; pelo contrário, elas são bastante comuns e expectáveis, dado o enorme conjunto de constrangimentos associados ao processo de avaliação, estando já perfeitamente identificadas na literatura (e.g., Truelove, 1995)

Em primeiro lugar, há uma perceção generalizada de que o processo de avaliação da transferência da formação é difícil ou até mesmo impossível [“É muito difícil porque primeiro as pessoas fazem laboração contínua e estou no horário geral. É difícil, a não ser que haja um problema. (…).” (G/L12); “Eu tenho dificuldade em fazer avaliações de formação (…).Quando fazemos o diálogo com o colaborador se ele está bem quer dizer que as formações foram eficazes. Às vezes não é tão preto no branco quanto isso, não é efetivamente. Às vezes é uma maneira de tentar ter algo porque na realidade é uma situação que não é fácil mas também não há muitas pessoas a virem dizer qual a situação correta.” (G/L10)]. É inegável que o processo de avaliação é um processo complexo. É inegável também a necessidade de esta complexidade ser reconhecida para que seja adequadamente tratada. Contudo, é necessário que se procure reduzir ao máximo estas perceções de complexidade, sob pena de o problema não ser tratado de todo ou ser tratado de uma forma demasiado simplista.

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Em segundo lugar, parece estar implícita em alguns discursos uma crença de que a avaliação da transferência da formação é desnecessária, uma vez que os efeitos benéficos da formação são óbvios ou que os indicadores genéricos do desempenho individual e da empresa são suficientes [“(…) Se o desempenho de uma forma global é bom significa que nós preparamos as pessoas e que aquilo que fazemos também é eficaz (…).” (G/L10)].

Em terceiro lugar, como vimos alguns interlocutores alimentam a crença de que há sempre condições organizacionais para aplicar a formação [“Se a chefia propôs parte-se do princípio que a chefia, conjuntamente com a pessoa, chegaram a um acordo, portanto as condições têm que existir porque a própria chefia quer que aquilo seja feito.” (G/L3)].

Por fim, há uma perceção de que a avaliação usa recursos que, por si só, já são escassos para outras funções principais. A equipa de RH está, indiscutivelmente, assoberbada com trabalho, ainda mais face a um conjunto de alterações que têm sido implementadas nos últimos tempos, nomeadamente o Projeto “Teamwork” e a nova plataforma de GRH. Não obstante, não há tempo para avaliar principalmente porque este trabalho é desvalorizado e secundarizado e a responsabilidade sobre o mesmo está concentrada numa só pessoa da equipa de RH. O próprio esforço de melhoria do processo de avaliação parte de uma necessidade criada por fatores externos, neste caso, impulsionados pelos processos de auditoria [“Nós fomos tentando adaptar [a avaliação da formação] de acordo com a APCER. Foi mesmo a APCER que nos foi dando sugestões e tentamos adaptar de acordo com eles.” (Diretor de RH)].

Todas estas crenças e, naturalmente, como já referido, as próprias dificuldades inerentes à avaliação da transferência da formação, deram lugar a um processo de avaliação pouco estruturado, rigoroso, articulado ou coeso.

É de referir, desde logo, que nem os avaliadores nem os avaliados parecem compreender a importância da avaliação da transferência da formação e ter sido adequadamente sensibilizados e preparados para assumir o seu papel. Falta, assim, uma das bases fundamentais ao sucesso do processo de avaliação, a base educativo-formativa (Pereira, 1996). De facto, nunca existiram sessões formais para abordar as questões relacionadas com este tipo de avaliação e muitos dos colaboradores (com ou sem funções de gestão) desconhecem inclusivamente a existência de um processo formal de avaliação da transferência da formação. Tal significa que, em muitos casos, não existe um processo de avaliação efetivo e contínuo; nestes casos, os colaboradores limitam-se a preencher uma ficha de avaliação com base em perceções genéricas e com pouca compreensão daquilo que estão a fazer. Para além disso, não

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existem quaisquer orientações sobre os instrumentos e ferramentas que devem ser utilizados pelos gestores para aferir o impacto da formação no desempenho do colaborador e a ficha de registo dos resultados da avaliação não contempla qualquer tipo de questão para determinar quais os meios a que estes recorreram para fundamentar a sua opinião. Paralelamente, há elementos-chave ao processo formativo (os superiores funcionais), nomeadamente à avaliação da formação, que não estão a ser adequadamente envolvidos neste processo e não há uma apropriada articulação entre os vários intervenientes.

É de referir também que o método utilizado para a avaliação tem muitos problemas metodológicos, uma vez que a avaliação é centrada no grupo sujeito a intervenção formativa, existindo apenas (quando existem de todo) medições pós-formativas, o que não permite afirmar com certeza que os resultados obtidos se devem à formação e não a outras causas (Cardim, 2009; Cruz, 1998). Não é, contudo, mais uma vez, uma situação atípica e única desta organização; muito pelo contrário, este é um problema bastante comum justificado sobretudo pelo dispêndio de tempo e dinheiro que a implementação de métodos mais rigorosos pode implicar (Cardim, 2009).

Quanto aos procedimentos utilizados para registar os resultados da avaliação, verificamos que estes são difíceis de concretizar e que não são efetivamente concretizados de acordo com o previsto. Com efeito, o registo da avaliação é feito mediante o preenchimento de uma “ficha de avaliação da eficácia da formação” pelo formando e o seu superior hierárquico, sendo da responsabilidade de um técnico de RH entregar e recolher as fichas que, por falta de tempo, o faz no período imediatamente anterior ao processo de auditoria, podendo não se cumprir assim o plano temporal delineado de 6 meses. Além disso, as fichas de avaliação da eficácia têm um conjunto de falhas que parecem sinal de descuido e desvalorização da própria avaliação. Encontramos, por exemplo, problemas semânticos na formulação das questões (e.g., “Que influência é que a formação teve na sua motivação dos colaboradores?”). Verificamos também que algumas questões são pouco explícitas, contemplando mais do que uma variável na mesma pergunta - “Considera que as condições do seu posto de trabalho favorecem a aplicação do que aprendeu na formação?” (ficha do formando) “Considera que foram disponibilizados os meios necessários que favorecem a aplicação do que aprenderam na formação?” (ficha da chefia). Para além disso há questões pouco claras e concretas. Nos dois exemplos apresentados anteriormente podem, legitimamente, existir dúvidas sobre o tipo de condições ou meios que

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estão a ser avaliados. Este tipo de questões favorece “respostas potencialmente ambíguas e [que] portanto fazem baixar a qualidade da investigação” (Hill & Hill, 2002, p.97).

Constatamos também que, se o processo de diagnóstico e de avaliação vai sendo realizado (ainda que com falhas), há um grande vazio entre estes dois momentos, não existindo um acompanhamento adequado do formando no sentido de potenciar a transferência da formação, o qual, como já foi extensivamente tratado, é crucial para o próprio sucesso da formação (Arthur et al., 1998; Blume et al., 2010; Broad & Newstrom, 1992; Cheng & Ho, 2001). Esta falta de acompanhamento alia-se um grande desconhecimento dos fatores que podem influenciar (positiva ou negativamente) a aplicação dos conteúdos formativos. Deste modo, ainda que estivessem plenamente conscientes da necessidade de apoiar o formando e o quisessem fazer, é provável que muitos gestores não soubessem como o fazer.

Verifica-se também um isolamento dos resultados da formação do conjunto de processos e variáveis organizacionais. Não há uma análise aprofundada e sistemática dos resultados e das variáveis que explicam esses resultados. Há efetivamente uma análise e esta tem também em consideração o feedback informal fornecido pelas pessoas mas esta análise é mais centrada na resolução dos problemas a curto prazo e ocorre sobretudo no período imediatamente anterior ao processo de auditoria. Além disso, os resultados da avaliação não são transmitidos aos colaboradores, pelo que estes desconhecem o seu tratamento e utilidade.

Assim, por tudo o que foi referido, e ainda que de uma forma inadvertida, a importância da avaliação da transferência da formação não tem sido devidamente assinalada, condicionando de uma forma crítica e negativa o interesse e envolvimento de avaliadores e avaliados (Cardim, 2009; Griffin, 2010; Pineda, 2010). De facto, associado a todos os fatores mencionados, verificamos não existir um envolvimento real dos diferentes intervenientes que se desligaram e desresponsabilizaram deste processo. Toda a responsabilidade sobre o processo de avaliação recai sobre a DRH, sobretudo sobre um dos seus elementos. Os demais envolvidos – formando que recebeu a formação e que será avaliado e superior que o avalia - limitam-se a preencher os questionários quando tal lhes é solicitado, com pouca ou nenhuma consciência da sua importância e do seu impacto.

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