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3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3.3. Avaliação da Transferência da Formação

3.3.1. Conceitos

Transferência da Formação

O desempenho dos colaboradores após a formação é referido por Kirkpatrick (1979) como “comportamento” e por Alliger e colaboradores (1997) como “transferência”. A designação de “transferência” tem sido amplamente utilizada na literatura (e.g., Cardim, 2009; Grossman & Salas, 2011; Pineda, 2010), pelo que será esta que iremos adotar daqui em diante.

Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, transferência significa “ato ou efeito de transferir ou de ser transferido”, “passagem, permuta, substituição, troca, mudança”6. Nesta

definição encontramos a essência do conceito – o de mudança.

A transferência da formação tem sido definida na literatura como “o grau em que os formandos aplicam nos seus contextos de trabalho os conhecimentos, competências, comportamentos e atitudes adquiridas com a formação” (Holton, Bates, Seyler & Carvalho, 1997, p. 96). A definição deste conceito inclui normalmente uma dimensão temporal (e.g., Baldwin & Ford, 1988; Ford & Weissbein, 1997), salientando-se a necessidade da continuidade da transferência até que ocorra uma efetiva e contínua integração dos novos conhecimentos, competências, comportamentos e atitudes no desempenho do colaborador.

Apesar de simples de compreender, o conceito de transferência reveste-se de uma enorme complexidade e tem uma natureza multidimensional, tal como fica patente nos diversos tipos de transferência distinguidos pela literatura.

De acordo com Wexley e Latham (2002, citados por Velada, 2007), o processo de transferência das aprendizagens pode ser classificado de acordo com o tipo de mudança desencadeada como consequência da formação. Podemos ter uma transferência positiva, negativa ou nula. A transferência positiva ocorre quando há uma melhoria no desempenho do colaborador como consequência da formação. A transferência negativa, pelo contrário, resulta de piores desempenhos na função na sequência da formação. Por fim, na transferência nula as novas aprendizagens não produzem qualquer alteração no comportamento do formando.

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Gagné (1970, citado por Velada, 2007) divide a transferência da formação em vertical e lateral, de acordo com a generalização do processo. Existe transferência vertical quando uma competência contribui para a aquisição de outra competência com um nível de complexidade ou dificuldade superior. Na transferência lateral, por sua vez, as competências adquiridas são do mesmo nível de complexidade ou dificuldade.

Laker (1990) coloca o acento tónico na dimensão temporal da transferência, diferenciando as situações em que o formando procura logo após a formação aplicar os novos conhecimentos e competências - transferência inicial - e a persistência dessa transferência ao longo do tempo - manutenção da transferência. O autor distingue ainda a transferência próxima da transferência distante. A primeira refere-se à aplicação das aprendizagens num contexto semelhante aquele para o qual foi preparado e a segunda engloba a generalização das competências para situações diferentes daquelas para as quais foi preparado.

Royer (1979) caracteriza a transferência da formação como específica e não específica, literal e figurativa. Os dois primeiros conceitos são similares aos apresentados por Laker (1990) como transferência próxima e distante. A transferência específica refere-se às situações em que os estímulos do contexto original de aprendizagem e do contexto de transferência são semelhantes e a transferência não específica diz respeito às situações em que esses estímulos são diferentes nos dois contextos. A transferência das competências intactas para um novo contexto é designada por transferência literal. Por fim, considera-se existir transferência figurativa quando as competências utilizadas implicam que o formando recorra a processos mentais para resolver problemas e/ou fazer novas aprendizagens.

Barnett e Ceci (2002) verificaram que diferentes estudos empíricos utilizavam diferentes critérios para caracterizar a transferência próxima e distante, pelo que, com base nesses estudos, os autores decidiram criar uma taxonomia unificadora. Nesta taxonomia os autores consideraram o conteúdo da formação (o que é transferido) e o contexto da transferência da formação (quando e como é transferido). O conteúdo da formação inclui três dimensões: competência aprendida, tipo de mudança esperada no desempenho e exigências de memória. Por sua vez, o contexto inclui seis dimensões: conhecimento, contexto físico, contexto temporal, contexto funcional, contexto social e modalidade. Cada uma das dimensões é caracterizada num contínuo que se inicia na transferência mais próxima até à transferência mais distante.

Apesar dos significativos avanços na definição do conceito de transferência da formação, muitas questões continuam ainda sem resposta, o que nos deixa um longo caminho a percorrer.

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Foxon (1993, p. 131) deixa-nos com algumas dessas questões: “Qual constitui o momento da transferência? Existe um momento específico no tempo? Ou existe um tempo contínuo para a transferência? Há graus de transferência? Por exemplo, as tentativas para aplicar a formação representam a transferência, ou a formação tem que ser plenamente integrada nos padrões de trabalho do colaborador antes de se considerar que a transferência ocorreu?”.

Compreendida a multidimensionalidade do conceito de transferência, a qual permite salientar diferentes e importantes aspetos a considerar na análise da transferência da formação, importa agora perceber o que é a avaliação da transferência da formação.

Avaliação da Transferência da Formação

A avaliação da transferência da formação é o processo sistemático de recolha de informação que permite aferir em que medida se produziu uma mudança no desempenho profissional do trabalhador como resultado da formação e compreender a que se devem os resultados obtidos (Caetano & Velada, 2007).

De acordo com o IQF (2006, p. 91) devem ser consideradas 3 dimensões/componentes neste tipo de avaliação: 1) “As mudanças verificadas no comportamento dos indivíduos (e.g., alteração dos métodos de trabalho, introdução de inovações, maior autonomia individual); 2) “O impacto das alterações introduzidas no desempenho dos indivíduos”; 3) “Os fatores que inibem ou potenciam o processo de transferência da formação”.

A preocupação com a avaliação da transferência “só recentemente começou a receber maior atenção enquanto aspeto essencial para se averiguar o sucesso da formação” (Caetano & Velada, 2007, p. 24). Como abordado previamente, a avaliação da formação tem-se restringido, na maior parte dos casos, à análise da reação dos formandos e, na melhor das hipóteses, à verificação da aprendizagem ocorrida (Almeida et al., 2008; Eseryel, 2002). Nos casos raros em que a avaliação da transferência é contemplada, esta tende centrar-se na medição dos resultados, desconsiderando os fatores que influenciam (positiva e negativamente) a transferência da formação (IQF, 2006).

Naturalmente que neste momento se coloca a questão: “Existe realmente necessidade de conduzir uma avaliação a este nível? A avaliação da reação e da aprendizagem não são suficientes para determinar a eficácia da formação?” Apesar da maioria das organizações reduzir a avaliação

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aos dois níveis referidos, a verdade é que sem a avaliação da transferência da formação este processo corre o risco de ficar muito incompleto e limitado.

Uma aprendizagem bem-sucedida não é, tal como Kirkpatrick (1979) alerta, garantia da sua aplicação nos contextos de trabalho. “Pode existir uma grande diferença entre conhecer os princípios e técnicas e usá-los no trabalho” (Kirkpatrick, 1979, p. 132). Várias evidências empíricas têm confirmado esta afirmação de Kirkpatrick (e.g., Arthur et al., 2003; Machin & Fogarty, 2003). Arthur e colaboradores (2003) compararam os critérios relacionados com a aprendizagem aos critérios de mudança comportamental e verificaram uma significativa diminuição dos primeiros para os segundos. Mesmo quando se verifica existir uma correlação entre as duas medidas, esta tende a ser baixa (e.g., Alliger & Janak, 1989; Alliger et al., 1997; Tan, Hall, & Boyce, 2003; Warr, Allan & Birdi, 1999) e quando não o é, em alguns casos há problemas metodológicos que colocam em causa dos resultados encontrados (e.g., Warr & Bunce, 1995). Esta não é, contudo, uma questão isenta de controvérsia. Com efeito, alguns estudos têm encontrado uma relação entre a aprendizagem e a transferência da formação (e.g., Ford, Smith, Weissbein, Gully & Salas, 1998; Mathieu, Tannebaum & Salas, 1992), como aliás o demonstra a meta-análise conduzida por Colquitt, LePine e Noe (2000), na qual foram encontradas relações moderadas a fortes entre estas variáveis. Parece óbvio que, para que os conteúdos da formação sejam transferidos para o contexto de trabalho, tenha que existir uma aprendizagem efetiva; contudo, permanecem dúvidas sobre se esta relação é assim tão estreita como algumas evidências apontam.

Já no que se refere à avaliação da reação dos formandos, é importante, em primeiro lugar referir que as reações têm sido consideradas quase exclusivamente na sua dimensão afetiva, de satisfação do formando com a formação. Contudo, a literatura tem vindo a apontar para a necessidade de distinguir mais dois tipos de reações: reações instrumentais, de utilidade e intenção de colocar em prática o conteúdo formativo e reações à dificuldade da formação/da aprendizagem (e.g., Alliger et al., 1997; Warr & Bunce, 1995; Warr et al., 1999). Assim, partindo desta diferenciação, foi verificado que no geral a medida de reação não parece estar associada ao subsequente comportamento no posto de trabalho (e.g., Alliger & Janak, 1989; Alliger et al., 1997; Colquitt et al., 2000; Warr et al., 1999). No entanto, foi encontrada uma relação (embora modesta) entre as medidas de reação mais comportamentais (reações instrumentais e à dificuldade da formação) e o desempenho na função (Alliger et al., 1997; Tan et al., 2003; Warr et al., 1999). De acordo com a meta-análise de Colquitt e colaboradores (2000) alguns estudos apontam também para uma associação positiva entre a reação à formação e a motivação para aprender.

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Assim, com base em todos os resultados encontrados, podemos afirmar que a relação encontrada entre aprendizagem/reação e a transferência não é suficientemente forte nem consistente para que estas medidas possam ser consideradas substitutas das medidas da avaliação da transferência da formação. Ora, não existindo essa possibilidade, as organizações não podem prescindir desta avaliação pois ela é que definirá, na maioria dos casos, o sucesso ou insucesso da formação (Alliger et al., 1997). Obviamente, no entanto, que as organizações podem e devem utilizar a avaliação da aprendizagem e das medidas mais comportamentais da reação para obter indicadores sobre a transferência da formação (Alliger et al., 1997). Mais, estes indicadores são extremamente relevantes, pois poderão permitir à organização agir atempadamente no sentido de tomar medidas que potenciem a transferência da formação.

Em conclusão, é imperativo e urgente que as organizações avaliem a transferência da formação. Para os mais céticos sobre a necessidade desta avaliação, o tópico que se segue certamente ajudará a dissipar qualquer dúvida.

3.3.2. “O problema da transferência”

Um extenso conjunto de evidências empíricas (algumas mais pessimistas, outras mais otimistas) têm demonstrado que uma significativa percentagem de colaboradores não aplica no seu trabalho aquilo que aprendeu na formação. Esta percentagem é de tal modo preocupante que esta questão tem merecido grande atenção por parte da comunidade científica e tem sido tratada pelos investigadores como o “problema da transferência” (Blume et al., 2010; Ford & Weissbein, 1997).

Baldwin e Ford (1988), Georgenson (1982) e Kelly (1982) admitem que apenas 10% da formação é transferida para o desempenho da função. Para os autores os restantes 90% perdem- se. Falta, no entanto, a estas estimativas o necessário rigor científico, pelo que é previsível que estas possam não corresponder inteiramente à realidade, de modo que temos que considerar outras evidências (Fitzpatrick, 2001; Saks, 2002).

Efetivamente, de acordo com o estudo realizado por Saks (2002), com 150 membros de uma sociedade de formação e desenvolvimento, a transferência da formação para o trabalho não será tão baixa como inicialmente estimada. Segundo este estudo 62%, 44% e 34% dos

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participantes aplicaram o que aprenderam imediamente após a formação, 6 meses e 1 ano depois da formação, respetivamente.

Olsen (1998) recolheu dados junto de 167 gestores/supervisores e responsáveis de formação, os quais fizeram estimativas de transferência da formação situadas entre 60% e 70%.

Numa análise de alguns estudos de avaliação de referência presentes na base de dados KnowledgeAdvisors, Berk (2008) identificou um “desperdício” de 60% daquilo que é aprendido em formação. O autor constatou que ao final de cerca de 3 meses (ou menos), os formandos apenas aplicavam no seu contexto de trabalho aproximadamente 40% do que lhes foi transmitido na formação.

Wexley e Latham (2002, citados por Velada, Caetano, Michel, Lyons & Kavanagh, 2007), por sua vez, indicam que a taxa de transferência da formação inicial de 40% cai para 25% após 6 meses da conclusão da formação e 15% ao final de 1 ano.

Apesar das diferentes percentagens identificadas, há um denominador comum aos diferentes estudos de análise longitudinal: o decréscimo da taxa de transferência da formação ao longo do tempo, sugerindo dificuldades na manutenção dessa mesma transferência. Para além disso, embora exista grande variabilidade entre estudos, possivelmente resultado também das diferentes metodologias utilizadas, em todos eles as percentagens de “desperdício” são muito elevadas. Podem não ser de 90% como inicialmente se pensava, mas podem ser tão elevadas como 30%, 40%, 60%, 70%, ou 85% e são igualmente preocupantes.

Mas por que motivo aquilo que é apreendido na formação não é aplicado no contexto de trabalho? Como se sabe, “a aprendizagem obtida na formação terá pouco valor se não for transferida, de alguma forma, para o desempenho profissional” (Caetano & Velada, 2007, p.24), pelo que a questão é inevitável e tem merecido grande interesse e atenção por parte dos investigadores. A extensa investigação produzida nesta área tem demonstrado de uma forma inequívoca que a aplicação das aprendizagens em contexto de trabalho está dependente de uma pluralidade de fatores (e.g., Blume et al., 2010; Cheng & Ho, 2001). Mais do que isso, a investigação tem dado indicações precisas acerca dos fatores que explicam as diferenças na transferência da formação (Baldwin & Ford, 1988; Blume et al., 2010; Cheng & Ho, 2001; Ford & Weissbein, 1997), os quais incluem-se habitualmente em três grandes categorias: 1. Individuais, 2. Diretamente relacionados com a formação e 3. Organizacionais. Cada uma destas categorias inclui uma enorme panóplia de variáveis. Naturalmente que não será possível versar exaustivamente sobre todas elas, pelo que iremos concentrar-nos nas mais relevantes.

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Fatores Individuais

Cada indivíduo é um ser único e singular e transporta consigo para a formação diferentes objetivos, expectativas, necessidades, atitudes, conhecimentos e competências. Em última análise, é neles que reside o poder para aplicar ou não a formação ao seu trabalho. Neste sentido, não é possível tentar compreender os fatores que afetam a transferência da formação sem atender a estas variáveis individuais.

Motivação

A motivação dos formandos emergiu, nos últimos anos, como uma variável significativa na compreensão da transferência da formação. A motivação para a formação pode ser concetualizada como a direção, o esforço, a intensidade e a persistência que os formandos aplicam nas atividades orientadas para a aprendizagem, antes, durante e depois da formação (Tannenbaum & Yukl, 1992).

A literatura na área da formação tem identificado diversos construtos de motivação, nomeadamente a motivação para aprender e a motivação para transferir (Burke & Hutchins, 2007). Ainda que estritamente relacionados estes conceitos têm sido entendidos de uma forma distinta. A motivação para aprender é concetualizada como o desejo e a persistência dos formandos para aprender o conteúdo da formação (Hicks & Klimoski, 1987). A motivação para transferir está relacionada com o desejo e a persistência na aplicação do conteúdo da formação no desempenho profissional (Holton, 1996; Seyler et al., 1998; Tannenbaum & Yukl, 1992). Enquanto a primeira está associada ao período antes da motivação, a segunda é uma medida motivacional pós-formativa.

Entendida de uma forma global, a motivação para a formação tem vindo a salientar-se como uma variável central na explicação da transferência da formação, de tal modo que a encontramos presente na maioria dos modelos e perspetivas teóricas sobre a formação (e.g., Foxon, 1993; Holton, 1996, 2005). Por exemplo, Holton (1996) sugere que a motivação para aprender e transferir exercem uma influência primária nos resultados da aprendizagem e do desempenho, respetivamente, sendo influenciadas por um grande conjunto de fatores (e.g., auto-eficácia, apoio dos superiores). São vários os estudos e revisões da literatura que dão suporte a estes modelos (e.g., Axtell, Maitlis & Yearta, 1997; Baldwin, Magjuka & Loher, 1991; Blume et al., 2010; Burke & Hutchins, 2007; Cheng & Ho, 2001; Colquitt et al., 2000; Facteau,

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Dobbins, Russell, Ladd & Kudisch, 1995), demonstrando que efetivamente formandos com níveis superiores de motivação para a formação irão aprender e dominar o conteúdo da formação mais facilmente e, consequentemente, obter melhores desempenhos na função. De referir que num estudo conduzido por Naquin e Holton (2002) com 239 trabalhadores do setor privado, em que os autores desenvolveram um construto que incluía tanto a motivação para aprender como para transferir, foi verificado que este construto era o melhor preditor da transferência da formação.

Quando analisamos a relação entre cada um dos construtos da motivação e a formação, os resultados vão no mesmo sentido. Assim, em relação à motivação para aprender, foi verificado que esta tem um efeito positivo na aprendizagem e nos resultados da transferência da formação (Chiaburu & Lindsay, 2008; Chiaburu & Marinova, 2005; Colquitt et al., 2000; Facteau et al., 1995). A título de exemplo, Tziner, Fisher, Senior e Weisberg (2007) conduziram um estudo com o intuito de compreender os efeitos de um conjunto de características individuais na transferência da formação, tendo identificado a motivação para aprender como um dos melhores preditores desta transferência.

No que diz respeito à motivação para transferir, a sua relação com a aplicação da formação tem sido empiricamente comprovada por alguns estudos (e.g., Axtell et al., 1997; Chiaburu & Lindsay, 2008; Lim & Johnson, 2002). A título de exemplo, Axtell e colaboradores verificaram que a motivação para transferir surgiu como um preditor significativo da aplicação da formação com 45 formandos, a curto prazo (um mês após a formação) e a longo prazo (um ano após a formação). A maioria dos estudos tem, no entanto, como Burke e Hutchins (2007) indicam, analisado a motivação para transferir enquanto resultado de outras variáveis, nomeadamente da motivação para aprender, da auto-eficácia, de fatores relacionados com o clima da transferência. São ainda poucos os estudos que demonstram a existência de uma relação direta entre as duas variáveis.

Face a todos estes resultados, parece assim crítico para a aprendizagem e para a aplicação da formação que os formandos se mantenham motivados durante os múltiplos estádios do processo formativo. No entanto, embora a importância da motivação para a formação seja clara, de acordo com Salas e Cannon-Bowers (2001, p. 479), falta na literatura “alguma precisão concetual e especificidade e esta tem sido de alguma forma fragmentada”. Esta falha foi colmatada por Colquitt e colaboradores (2000) e Burke e Hutchins (2007) nas suas metas-análise. Os primeiros autores sugerem que a motivação para a formação é

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multifacetada e influenciada por um conjunto de características individuais (e.g., capacidade cognitiva, auto-eficácia, ansiedade, conscienciosidade, idade) e organizacionais (e.g., clima de transferência). A partir destes dados, os autores derivam conclusões importantes, nomeadamente a necessidade de avaliar as características de personalidade dos colaboradores durante o processo de análise de necessidades, de atender à idade dos colaboradores (uma vez que os mais velhos demonstraram menor motivação, aprendizagem e transferência da formação), de assegurar as necessárias condições organizacionais. As empresas têm, assim, de alguma forma poder sobre a motivação individual. A este propósito Cheng e Ho (2001) identificam também algumas medidas/intervenções (e.g., feedback, prevenção de recaídas, preparação prévia para a formação) que podem influenciar a motivação para a transferência da formação. Para além disso, Burke e Hutchins (2007), na sua revisão da literatura, tentaram distinguir o papel das componentes intrínseca (e.g., reconhecimento) e extrínseca (e.g., promoções) da motivação, tendo chegado à conclusão que não há evidências consistentes que permitam retirar conclusões seguras. Com efeito, enquanto em alguns estudos a motivação intrínseca parece assumir o papel preponderante na aprendizagem e transferência da formação, noutros é a motivação extrínseca que assume esse papel.

Locus de Controlo

O locus de controlo foi definido por Rotter (1966) como uma expectativa de que as recompensas ou reforços recebidos pelo indivíduo dependem do seu próprio comportamento (locus de controlo interno) ou, inversamente, dependem de outros fatores que este não consegue controlar como o acaso, a sorte, o destino (locus de controlo externo). O locus de controlo tem sido amplamente estudado no âmbito da transferência da formação com base numa crença generalizada de que os formandos que acreditam que são capazes de controlar as recompensas organizacionais estarão mais motivados para a formação e para a aplicação do conteúdo formativo no desempenho das suas funções (Cheng & Ho, 2001; Holton, 2005). No entanto, tal como fica claro em várias revisões da literatura (e.g., Burke & Hutchins, 2007; Cheng & Hampson, 2008), os resultados dos estudos não são consistentes. Alguns identificam um efeito do locus de controlo na motivação para a formação (Colquitt et al., 2000) e na sua aplicação no contexto de trabalho (Tziner, Haccoun & Kadish, 1991); outros, contudo, apontam para a inexistência de qualquer relação ou para correlações fracas (Blume et al., 2010; Cheng, 2000; Tziner & Falbe, 1993).

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Auto-eficácia

A relação entre a auto-eficácia e a transferência da formação tem sido amplamente estudada nos últimos anos (Cheng & Ho, 2001; Salas & Cannon-Bowers, 2001). Bandura (1982) define auto-eficácia como os julgamentos que um indivíduo faz sobre a sua capacidade para desempenhar uma determinada tarefa. Estes julgamentos determinam “o esforço que o indivíduo irá fazer e a sua persistência para lidar com os obstáculos” (Bandura, 1982, p. 123). Fica assim clara a associação entre as crenças de auto-eficácia e a mudança comportamental, incluindo a transferência da formação, amplamente demonstrada por várias investigações (Colquitt et al., 2000; Gist, Bavetta & Stevens, 1990; Holladay & Quiñones, 2003; Velada et al., 2007), como o atestam também diversas meta-análises (Blume et al., 2010; Burke & Hutchins, 2007; Cheng & Ho, 2001; Colquitt et al., 2000; Grossman & Salas, 2011; Salas & Cannon- Bowers, 2001).

Em concreto, os estudos têm mostrado que quanto maior a perceção de auto-eficácia dos