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SERVIÇO E SERVIDOR PÚBLICO NO BRASIL

2.5 A Forma de Contratação dos Servidores Estatais

A Constituição Federal da República do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, estabeleceu distinção entre cargo, emprego e função pública, conforme já explicitado anteriormente, tendo determinado que estes seriam acessíveis aos brasileiros que preenchessem os requisitos estabelecidos em lei, bem como aos estrangeiros, na forma da lei.

Em primeiro lugar, portanto, há de se ressaltar que a Constituição Federal de 1988 autoriza o exercício de cargo, emprego ou função pública por estrangeiros, contudo, trata-se de norma de eficácia limitada que depende de regulamentação infraconstitucional. Além disso, a própria Constituição enumerou alguns cargos que só podem ser exercidos por brasileiros natos, o que se justifica em face da segurança nacional.

Nesse sentido, forçoso concluir que a Administração Pública pode ter em seu quadro funcional pessoas estrangeiras, contudo, é essencial que exista, para o cargo, emprego ou função pública que será atribuída ao estrangeiro, prévia disposição e regulamentação em lei infraconstitucional, não lhes sendo aplicáveis, de forma automática, as normas destinadas ao funcionalismo brasileiro, uma vez que o exercício de função estatal gera consequências e direitos diversos, a exemplo de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, o que deve ser previamente regulado em lei para os servidores estrangeiros.

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Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo= 24430&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC1. Acesso em 16/09/2013.

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Note-se que, em sendo opção da Administração Pública, ao servidor estrangeiro poderão ser aplicadas as regras destinadas aos cidadãos brasileiros, contudo, é essencial que haja expressa previsão legal nesse sentido, conforme determina o texto constitucional.

Feita essa consideração, acerca da admissão de estrangeiro no serviço público brasileiro, passa-se à abordagem sobre a forma de investidura em cargo, emprego e função pública.

Em seu artigo 37, inciso II, a carta constitucional determinou que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

De se ver, pois, que o constituinte originário impôs, como regra, a prévia aprovação em concurso público para o exercício de cargo efetivo e emprego público, trazendo, como exceção, a dispensa do requisito para o provimento de cargos em comissão, e isso por uma questão lógica, já que o cargo em comissão tem por natureza o exercício de atividade de direção, chefia e assessoramento, tratando-se de cargo que pressupõe a confiança da autoridade nomeante e, portanto, afasta a obrigatoriedade do atendimento do princípio da impessoalidade, a que está adstrita a Administração Pública.

Registre-se, ainda, que a obrigatoriedade do concurso público foi dirigida tão somente ao exercício de cargo efetivo e emprego público, não o tendo sido para o exercício de função pública. Contudo, a razão de ser dessa disposição já foi explicitada anteriormente, quando conceituadas as três modalidades de servidores estatais.

Reafirma-se, por oportuno, que a dispensa do concurso público para o exercício de função pública é uma consequência lógica desta atividade, que foi destinada pelo constituinte originário a duas únicas hipóteses, fora das quais não se admite o ingresso no serviço público na qualidade de servidor estatal. Referidas hipóteses, em que se permite o exercício de função pública por servidor público desvinculado de qualquer cargo ou emprego público, estão descritas nos incisos V e IX do artigo 37 da Constituição Federal, que dizem respeito, respectivamente, ao exercício de função de confiança e à contratação por tempo determinado de servidores para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.

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Em relação às funções de confiança, na mesma linha de raciocínio dispensada aos cargos em comissão, há exceção ao princípio da impessoalidade diante da necessidade de confiança da autoridade nomeante em relação ao agente nomeado, o que justifica a dispensa de um processo seletivo, valendo ressaltar que as funções de confiança só podem ser exercidas por servidores ocupantes de cargo efetivo, ou seja, já pertencentes ao quadro da Administração Pública.

O contrato por tempo determinado, por sua vez, exatamente em face de seu caráter temporário e excepcional, em regra destinado a atender situações emergenciais, é incompatível com a realização de procedimento público seletivo, cuja demora inviabilizaria o atendimento da necessidade pública.

Assim, conclui-se que a admissão de servidores estatais no Brasil tem como requisito a prévia aprovação em concurso público, salvo previsão expressa em contrário estabelecida pelo próprio Poder Constituinte originário, seja em face da ausência de justificativa para tal imposição, seja por conta de estratégia política do Constituinte (Carvalho Filho, 2007).

Pode-se dizer, então, que dentre os servidores estatais, subdivididos em servidores público estatutários, empregados públicos e exercentes de função pública, o requisito do concurso público é absolutamente dispensado para os servidores que exercem cargo em comissão e funções públicas, enquanto que para o exercício de cargo público efetivo e emprego público impõe-se, como regra, a prévia realização de concurso público.

Para estes, contudo, a Constituição Federal também previu algumas exceções, as quais, sem dúvida, são específicas e taxativas, só podendo ser alteradas ou acrescidas por meio de norma também constitucional, tendo em vista que os princípios basilares da nova ordem constitucional, como a moralidade, impessoalidade e legalidade rechaçam o nepotismo, consistente na admissão baseada em interesses pessoais.

Tratando-se, portanto, de exceção expressa e limitada, possível a enumeração dos cargos públicos efetivos que dispensam a prévia realização de concurso público. Como já dito alhures, todo servidor público estatutário exerce cargo público, contudo, nem todo cargo público é exercido por servidor estatal.

Dentre os agentes públicos não integrantes do quadro de servidores estatais, portanto, encontram-se os agentes políticos que, titulares de cargos estruturais da organização política do país, são escolhidos, em sua maioria, por eleição popular, não obstante alguns

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sejam nomeados pelos respectivos chefes do Poder Executivo, a exemplo dos Ministros de Estado nomeados pelo Presidente da República e Secretários Estaduais e Municipais nomeados pelos Governadores e Prefeitos.

Os agentes políticos, portanto, ocupam cargo público e não se sujeitam à exigência de prévia aprovação em concurso público para a investidura.

Retornando-se, pois, aos servidores estatais, importante listar as exceções expressamente previstas no texto constitucional para a nomeação de servidores ocupantes de cargo público efetivo, quais sejam: os cargos de Ministros dos Tribunais de Contas, de Ministros do Supremo Tribunal Federal, de Ministros dos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça; Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar), os magistrados nomeados pela regra do quinto constitucional, estabelecida no artigo 9427 da Constituição Federal e os ex-combatentes que tenham efetivamente participado das operações bélicas da Segunda Guerra Mundial, na forma do artigo 53, I28, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Em síntese, pois, o concurso público configura requisito essencial para o acesso aos cargos e empregos públicos, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas pelo próprio texto constitucional. Configura, então, um procedimento administrativo que tem por finalidade dar efetividade aos princípios constitucionais da impessoalidade, isonomia e moralidade administrativa, permitindo a concorrência ampla dos cidadãos que preencham os requisitos necessários ao exercício do respectivo cargo e impedindo o apadrinhamento que sempre esteve presente na Administração Pública brasileira. Crevella Júnior define o concurso público da seguinte forma (1998, p. 2.175):

“Processo de provimento exigido pela regra jurídica constitucional, o concurso é para nós definido como a série complexa de procedimento que o Estado empreende para apurar as aptidões pessoais apresentadas por quem se empenha ingressar nos quadros do serviço público, submetendo o candidato seus trabalhos, títulos e atividades a julgamento de comissão examinadora.”

27 “Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito

Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.”

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“Art. 53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda

Guerra Mundial, nos termos da Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos:

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Explicitando que o concurso público atende aos princípios da igualdade e da moralidade e salientando a consubstanciação do princípio da competição, não previsto expressamente na Constituição, Carvalho afirma o seguinte (2006, p. 175):

“O concurso público como instrumento representante do sistema do mérito é composto por três postulados, a saber: a) o princípio da igualdade; b) o princípio da moralidade administrativa e, o princípio da competição. O princípio da igualdade consubstancia-se pelo fato de se permitir que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem as vagas com iguais condições. O segundo postulado caracteriza-se como uma vedação a favorecimentos e perseguições pessoais. Por fim, temos o princípio da competição que transmite a ideia de certame, colocando de acordo com sua respectiva classificação, as condições de ingressar no serviço público.”

Ressaltando a função do concurso público como meio de cumprimento de princípios constitucionais e, por sua vez, como forma de impedir os propósitos de apadrinhamento na Administração Pública, Meirelles, de forma enégica, afirma o que segue (2013, p. 494):

“É o meio técnico (o concurso) posto à disposição da administração pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o artigo 37, II, da CF. Pelo concurso, afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantém no poder leiloando empregos públicos.”

O regramento do concurso público estabelecido pela nova ordem constitucional é, sem dúvida, um marco jurídico da transição democrática e também da institucionalização dos direitos e garantias fundamentais, representando uma nova etapa no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, o descumprimento dessa imposição tem o condão de causar dano à sociedade, configurando um ilícito administrativo, conforme precisas lições de Meirelles, in

verbis (2013, p. 499):

“No Estado de Direito é possível que cada um responda por seus atos, notadamente quando se pratica um ilícito e causa dano à sociedade e à classe trabalhadora, como é o caso de admissão sem concurso público, onde tenha ficado demonstrado que o administrador público, se desviando de suas atribuições, tendo sido eleito para o bem comum, deixa de cumprir a Constituição Federal para, em benefício próprio e/ou de terceiro, admitir pessoal sem o necessário concurso público, causando ainda, com tal atitude, um irreparável dano social.”

O desatendimento da exigência é, tomando emprestadas as palavras de Meirelles,

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Exemplos divulgados pela mídia durante o desenvolvimento desta tese comprovam esta afirmação (ANEXO J). De acordo com Gois (2013)29:

“O Tribunal de Contas da União (TCU) mudou seu ponto de vista sobre a Lei 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores da União, e autorizou que funcionários não concursados passem a ser efetivados nos quadros permanentes do serviço público como se tivessem prestado concurso público. A decisão dos ministros é contrária às recomendações da área técnica do próprio TCU, à manifestação do Ministério Público e até mesmo a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).”

Segundo a mesma reportagem citada no parágrafo anterior, o caso de efetivação de servidores não concursados citado no início do texto não é uma exceção. O repórter também faz referência a situações similares ocorridas, ou seja, a efetivação de não concursados no Superior Tribunal Militar (STM), no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de algumas regiões do Brasil e também no Senado.

O exemplo da reportagem citada não é o único no Brasil, muito pelo contrário. O Supremo Tribunal Federal deverá julgar ainda em 2013 uma ação direta de inconstitucionalidade que poderá anular a efetivação de 98 mil servidores no estado de Minas Gerais30. São servidores que foram contratados pelo estado até 31 de dezembro de 2006 e que trabalhavam com vínculo precário. A efetivação foi feita com base na Lei Complementar estadual 100/2007. Mas também podemos citar um exemplo contrário. Em maio de 2013 o Tribunal de Justiça de Manaus, Amazonas, anulou a efetivação de mais de 5 mil funcionários temporários. O Tribunal considerou ilegal a emenda à Lei Orgânica Municipal de Manaus que autorizou a ação.

A respeito dos funcionários temporários é importante observar a explanação de Marinela (2013, p. 698) com relação ao tema:

“A contratação temporária hoje exerce um importante papel dentro da Administração Pública, por representar a solução de inúmeros problemas para os Administradores, entretanto, em muitos casos a sua utilização vem sendo feito de forma irresponsável e constitui hoje uma ferramenta para a ilegalidade, merecendo assim inúmeras considerações. A Constituição de 1988, embora tenha como regra que o ingresso nos quadros públicos está condicionado à aprovação em concurso público, conforme previsão do ar. 37, inciso II, da CF, excepciona algumas situações como enumerado anteriormente, inclusive a contratação temporária, tratando-se assim de uma situação excepcional. Os contratos temporários são utilizados, com prazo certo, de acordo com

29 Reportagem publicada em 19 de janeiro de 2013 no jornal O Globo. 30

A reportagem na íntegra sobre este fato está disponível em

http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/05/14/interna_politica,386863/concursados-entram-na-briga- contra-efetivacao-de-servidores-em-minas.shtml. Acesso em 25 mai 2013.

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necessidade de excepcional interesse público (artigo 37, IX, da CF), condicionado à previsão legal.”

A doutrinadora complementa o tema afirmando que:

“Para a jurisprudência, a discussão também já tomou vários caminhos. Há alguns anos o STF reconhecia tratar-se de relação trabalhista e que a competência para o julgamento de suas ações era a Justiça do Trabalho. Hoje o seu entendimento já não é mais esse. Atualmente o Tribunal reconhece que os contratos temporários firmados pelo Poder Público, com base em lei própria, têm natureza de regime jurídico-administrativo.” (Marinela, 2013, p. 699).

De se ver, pois, que o ordenamento jurídico atual impôs a prévia aprovação em concurso público como regra ao exercício de cargo efetivo e emprego público, sendo certo que não se mostra consentânea com a Constituição a contratação, sob o “rótulo” de temporariedade e excepcionalidade, de servidores que passarão a exercer atividade de natureza permanente.

A contratação temporária é hoje regulada, no âmbito da Administração federal, pela Lei n.º 8.745/1993, a qual determina que os órgãos da Administração Pública Federal Direta, Autarquias e Fundações podem contratar servidores temporários em situações de excepcionalidade e por meio de um processo seletivo simplificado. Esta lei foi alterada sucessivamente pelas leis 9.849/99, 10.973/2004, 11.2014/2005, 12.314/2010, 12.425/2011 e 12.510/2011, todas no âmbito federal, porém devem auxiliar os Estados e Municípios sobre a matéria.

De acordo com Meirelles, as hipóteses de contratação por tempo determinado devem ser previstas na legislação infraconsticional com a cautela de se observar o verdadeiro objetivo do instituto, que traz em sua essência o carátar de excepcionalidade. Nesse sentido o ilustrado doutrinador assim afirma, in verbis (2013, p. 500-501):

“É imprescindível que o serviço se revista do caráter da temporariedade, o que afasta aqueles que devem ser destinados aos cargos efetivos. O STF entende não cabível a contratação temporária para a execução de serviços meramente burocráticos, por ausência de relevância e interesse social. Por tudo, essas leis deverão atender aos princípios da razoabilidade e da moralidade. Não podem prever hipóteses abrangentes e genéricas, nem deixar sem definição, ou em aberto, os casos de contratação. Dessa forma, só podem prever casos que efetivamente justifiquem a contratação, mesmo porque essa contratação sem concurso público é exceção. E, à evidência, somente poderá ser feita sem processo seletivo quando o interesse público assim o permitir.”

Diante do que foi exposto, então, conclui-se que a Carta Constitucional vigente não possui lacunas para a admissão de servidores estatais fora das hipóteses nela previstas e,

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bem ainda, é possível identificar, de forma clara e específica, em que categoria se enquadra cada um dos agentes públicos que, de alguma forma, exercem função estatal, inexistindo abertura para que a Administração Pública efetue contratações desvinculadas de qualquer regramento legal.

Um dos objetivos desde trabalho e, o mais importante, por ser a base necessária à solução dos problemas que se apresentam, é a definição da categoria na qual se enquadram os Auxiliares Locais que prestam serviços para o Brasil no exterior. Somente após essa definição é possível dar encaminhamento à resolução de incongruências que são identificadas na relação existente entre o Estado e essa classe de trabalhadores, o que será analisado em capítulo próprio.