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O Direito Constitucional é o mais fundamental dos direitos públicos de ordem interna e encerra todos os princípios jurídicos indispensáveis à organização do próprio Estado, à constituição do seu governo e dos poderes públicos, à declaração dos direitos das pessoas físicas e jurídicas, traçando assim os limites de ação do Estado na defesa de seus objetivos fundamentais e na defesa da coletividade que o compõe.

Como já mencionado anteriormente, com relação ao Direito Constitucional, esta é a área do Direito que tem maior relevância para o presente estudo, visto que a Constituição Federal brasileira, de 1988, é quem dita as normas relativamente à estrutura administrativa (órgãos, serviços, agentes públicos etc.) e à regulamentação feitas por leis infraconstitucionais, todas vinculadas ao Direito Administrativo.

Contudo, antes de prosseguir no estudo, é necessário destacar a ocorrência constante do incumprimento das normas constitucionais brasileiras, por meio de atos políticos praticados pelos agentes públicos da Administração brasileira que, pelo fato de não respeitarem os princípios constitucionais, resultam em distorções da lei e produzem ações antiéticas e contrárias ao interesse público.

1.4.1 Fatos Históricos Sobre a Legislação Brasileira

Para entender a atual situação do regramento constitucional, relativamente à estrutura administrativa, é fundamental fazer uma breve retrospectiva histórica, cujo início coincide com o período colonial. Naquele período, a administração estava dividida em

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instituições metropolitanas, administração central, administração regional e administração local, que tinha no comando o Conselho Ultramarino, subordinado ao secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Territórios Ultramarinos.

Após o fracasso da administração das capitanias hereditárias, Portugal assumiu o controle direto e priorizou as questões de defesa. Como explica Prado Júnior (1979, p. 308)

“o Estado aparece como unidade inteiriça que funciona num todo único, e abrange o indivíduo, conjuntamente, em todos seus aspectos e manifestações”. Segundo Marques (2008,

p. 34):

“na primeira fase, que corresponde ao período desde o início do Brasil Império até o início do Estado Novo, o Estado brasileiro tinha um regime político oligárquico em que o poder era confiado a um número restrito de pessoas. O país era governado em função dos interesses de quem detinha o poder e em detrimento dos interesses da coletividade. Existia a divisão de classes, onde o nascimento determinava a qual classe as pessoas pertenciam. A administração era patrimonialista. No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como extensão do poder soberano e os seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. Em consequência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a este tipo de administração.”

A partir de 1930, até 1980, o Estado brasileiro torna-se desenvolvimentista, com a união da burguesia industrial e da burguesia pública se juntando para dirigir o País, o que não resultou, no entanto, no enfraquecimento do patrimonialismo dentro do quadro político e na Administração Pública do Brasil, apesar das transformações que sofreu. Significa que a herança imperial do patrimonialismo – com seus casos de corrupção e nepotismo – continuou permeando o setor público brasileiro. A esse respeito Silva e Amaral (2007, p. 10) relatam que:

“em 1938, é criada a primeira autarquia; surgia, assim, a ideia da descentralização de alguns serviços públicos. Em 1967, há uma tentativa rumo à administração gerencial no Brasil, com a publicação do Decreto de Lei nº. 200/67, que tentava superar a rigidez burocrática. Esse decreto determinava a transferência de atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, dando maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional. Na década de 70, foi lançado o Programa Nacional de Desburocratização, durante o governo Figueiredo. Os decretos 83.740 e 83.936/79 simplificam exigências de documentos, dando mais alguns passos no sentido da flexibilização. Buscava-se melhorar as relações entre o Estado e a sociedade por meio da simplificação dos procedimentos na prestação dos serviços públicos.”

A adoção do modelo da administração burocrática foi justamente uma opção para tentar coibir a corrupção e o nepotismo. No entanto, o que ocorreu foi uma ampliação da distância entre a máquina administrativa e a sociedade, gerando, consequentemente, uma

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administração ineficiente que não atendia aos anseios da população. Na Administração Pública burocrática, o Estado limitava-se a manter a ordem e administrar a justiça, a garantir os contratos e a propriedade (Marques, 2008).

Assim, buscou-se, a partir do ano de 1960, uma alternativa para o modelo burocrático, o gerencial. Em 1967 acontece a primeira tentativa para adoção deste modelo com o Decreto-Lei n.º 200/67, que dispunha sobre a organização da administração federal e estabelecia diretrizes para a reforma, incentivando a administração indireta por meio da criação de autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas.

Ao mesmo tempo em que dinamizou a administração, o novo método trouxe de volta o fantasma do nepotismo e apadrinhamento político para dentro da Administração Pública brasileira, o que foi possível porque, nestes órgãos da administração indireta, estava permitida a contratação de funcionários sem prévio concurso público, o que inevitavelmente estimula o patrimonialismo e o clientelismo. Na análise de Lima Júnior (1998, p. 14) "não se

institucionalizou uma administração do tipo weberiano7; a administração indireta passou a ser utilizada como fonte de recrutamento, prescindindo-se, em geral, do concurso público”.

Com a eleição de Tancredo Neves e posse de José Sarney, em março de 1985, tem início a fase da Nova República no Brasil após décadas de ditadura militar. Segundo Bresser Pereira (1996, p. 8) não havia só motivos para comemorar, pois, “ao invés do ajuste e da

reforma, o país, sob a égide de uma coalizão política conservadora no Congresso - o Centrão - mergulhou em 1988 e 1989 em uma política populista e patrimonialista, que representava uma verdadeira volta ao capital mercantil”.

1.4.2 A Promulgação da Constituição de 1988 e a exigência do Concurso

Público

Exatamente neste contexto é que em 1988 foi promulgada a atual Constituição Federal. Além de consolidar o sistema neoliberal no setor econômico, a nova carta constitucional adotou também um modelo de Estado intervencionista e, ao mesmo tempo, instituiu regras de transparência e moralidade na Administração Pública, como a necessidade de concursos públicos para o provimento dos cargos efetivos e dos empregos públicos (artigo 37, inciso II).

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No entanto, apesar da exigência constitucional, o legislador abriu uma exceção ao prever a possibilidade de nomeação, para cargos em comissão, independentemente da realização de concurso8. Vale conferir o que dispõe o artigo 37, inciso II9, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…)

II - A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as

nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.” (sem grifo no original).

Na hipótese, importa diferenciar cargo de provimento efetivo de cargo em comissão. Ambos os cargos são criados por lei, entretanto, a forma de provimento é distinta. Enquanto o cargo efetivo depende de prévia aprovação em concurso público e a seu titular garante-se estabilidade após aprovação em estágio probatório, o cargo em comissão não depende de aprovação em concurso e não gera estabilidade, vez que é de livre exoneração. Além disso, o cargo em comissão é destinado tão somente a atribuições de direção chefia e assessoramento, conforme dispõe o artigo 37, inciso V, da Constituição Federal.

Vale ainda frisar que, também nos termos do artigo 37, inciso V, da Constituição Federal, deve ser estabelecido, por lei, um percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, ou seja, ocupantes de cargo efetivo, contudo, tal não retira a excepcionalidade do concurso público, que é dispensado para o provimento de cargo em comissão.

Consigne-se, ainda, que a Constituição Federal, no inciso IX do artigo 37, autoriza a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, o que se dá sem a prévia aprovação em concurso público.

Contudo, tal situação não é exceção ao provimento de cargo público, uma vez que o contratado temporário não exerce cargo, mas tão somente função pública, conforme bem explicita Di Pietro (2013, p. 595):

8 Assim, em princípio, nos termos da vigente Carta Constitucional, salvo hipótese de aprovação em concurso

público e de contratação temporária, não é possível o ingresso no serviço público brasileiro para o exercício de cargo efetivo ou emprego público.

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“A título de exceção ao regime jurídico único, a Constituição, no artigo 37, inciso IX, previu, em caráter de excepcionalidade, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, a possibilidade de contratação por tempo determinado. Esses servidores exercerão funções, porém, não como integrantes de um quadro permanente, paralelo ao dos cargos públicos, mas em caráter transitório e excepcional.” (sem grifo no original).

Segundo Di Pietro (2013, p. 595), há dois tipos de situações que se enquadram como função pública, nos termos da atual Constituição Federal, quais sejam, “a função

exercida por servidores contratados temporariamente com base no artigo 37, IX, para a qual não se exige, necessariamente, concurso púbico, porque, às vezes, a própria urgência da contratação é incompatível com a demora do procedimento” e “as funções de natureza permanente, correspondentes a chefia, direção, assessoramento ou outro tipo de atividade para a qual o legislador não crie o cargo respectivo”, às quais se refere o artigo 37, V, da

Constituição Federal.

1.4.3 A Excepcionalidade da Dispensa do Concurso Público

Com efeito, a dispensa do concurso público no caso de exercício de função pública se justifica porque, na hipótese de contrato temporário, a demora do procedimento é incompatível com a urgência da contratação e, no caso de função de confiança, como o próprio nome indica, há relação de pessoalidade, em que o agente público contrata com base na relação de confiança existente com o contratado, o que é incompatível com o concurso público, que visa a impessoalidade e isonomia na disputa entre os interessados.

Em síntese, portanto, o exercício de cargo público efetivo, em regra, exige a prévia aprovação em concurso público, o que, contudo, não se exige para o exercício de cargo em comissão e função pública.

1.4.4 Distinção Entre Cargo Efetivo e Cargo em Comissão

A diferenciação entre cargo público efetivo e em comissão e, bem ainda, função pública, é essencial para o deslinde da questão objeto deste trabalho, uma vez que, sendo os Auxiliares Locais contratados pela Administração direta para prestar serviço público, necessário se mostra o enquadramento destes em uma dessas modalidades, vez que são as

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únicas hipóteses de contratação pela Administração Pública brasileira, nos termos previsto pela carta constitucional vigente.

Não obstante, fato é que os referidos Auxiliares Locais nunca ocuparam cargos públicos efetivos ou em comissão no quadro de servidores da Administração Pública Federal, pois os cargos públicos são criados por lei e inexiste cargo destinado à atividade por eles exercida. Eles são admitidos no serviço público independentemente de aprovação em concurso público, sendo-lhes exigido tão somente o preenchimento de requisitos de seleção/admissão conforme especificado em regulamento próprio.

Importa destacar, ainda, que a Lei n.º 11.440/06 (ANEXO E), atualmente vigente, e que institui o Regime Jurídico dos Servidores do Serviço Exterior Brasileiro, dispôs, em seu artigo 57, que “as relações trabalhistas e previdenciárias concernentes aos Auxiliares Locais

serão regidas pela legislação vigente no país em que estiver sediada a repartição”, o que

significa dizer que as questões trabalhistas relacionadas aos contratados locais deverão merecer tratamento conforme as exigências da legislação trabalhista local em detrimento das normas brasileiras, o que parece, sob melhor juízo, não estar de acordo com a legislação brasileira, especialmente no que diz respeito ao recolhimento das contribuições previdenciárias.

Diante de tudo o que foi até aqui exposto, mostra-se imperiosa a investigação sobre a função exercida pelos Auxiliares Locais na Administração Pública, se exercentes de cargo, emprego ou função pública e, após essa definição, devem ser solucionadas algumas situações concretas a respeito dos direitos trabalhistas e previdenciários destes agentes.