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Feitas as considerações sobre a base e os princípios que regem a Administração Pública brasileira, estudar-se-á, em seguida, a relação que o Direito Administrativo mantém com outros ramos do Direito, visto que a matéria tem total pertinência com este trabalho. A questão trabalhista dos Auxiliares Locais, tema principal em discussão neste trabalho, está relacionada com diversas áreas do Direito, muito especialmente com o Direito Constitucional, com o Direito Administrativo, com o Direito do Trabalho, com o Direito Previdenciário e com o Direito Internacional.

Os diferentes ramos do Direito, garantidas as suas especificidades, estão fortemente relacionados e, por sua grande importância, há de se mencionar, primeiramente, a estreita afinidade havida entre o Direito Administrativo e o Direito Constitucional, visto que ambos cuidam da mesma entidade: o Estado.

A respeito do forte vínculo que existe entre o Direito Administrativo e o Direito Constitucional, Brandão Cavalcanti (1950, p. 31) assim entende:

“são tão íntimas as relações entre os dois direitos que a maior dificuldade seria distingui-los um do outro. Enquanto o Constitucional trata da estrutura do Estado, o Administrativo estuda o mecanismo, o funcionamento e a atividade do poder executivo, na execução dos serviços públicos direta ou indiretamente a cargo do Estado, ou concedidos.”

Enquanto o Direito Administrativo está voltado tão somente para a organização interna dos órgãos da Administração, de seu pessoal e do funcionamento de seus serviços, o Direito Constitucional se interessa pela estrutura estatal e pela instituição política do governo. Pode-se dizer, assim, que os Direitos Constitucional e Administrativo não se confundem. O primeiro trata das linhas gerais do Estado, institui os órgãos essenciais e define direitos e

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garantias individuais, ao passo que o Direito Administrativo disciplina os serviços públicos e regulamenta as relações entre a Administração e os administrados dentro dos princípios constitucionais previamente estabelecidos.

No caso da temática deste trabalho, por exemplo, as relações entre o Direito Constitucional e o Direito Administrativo ficam evidentes na medida em que se pretende analisar a relação entre administrado e administrador, pautando-se pelas normas gerais fixadas constitucionalmente para se verificar a regularidade da contratação de pessoal que exerce atividade no exterior.

Nesse sentido, importa ao presente estudo o regramento constitucional relativo à estrutura Administrativa (órgãos, serviços, agentes públicos etc.) e à regulamentação feita por lei infraconstitucional, vinculada ao Direito Administrativo, tema que voltaremos a abordar em profundidade no decorrer deste trabalho.

Não se pode deixar de relatar a relação que o Direito Administrativo mantém com o Direito do Trabalho, tendo em vista que as relações trabalhistas são regulamentadas e fiscalizadas pelo Estado. Como esclarece Meirelles (2013, p. 42):

“Com o Direito do Trabalho, e especialmente com as instituições de previdência e assistência ao assalariado, o Direito Administrativo mantém sensíveis relações, já porque tais organizações são instituídas, entre nós, como autarquias administrativas, já porque as relações entre empregadores e empregados, em boa parte, passaram do âmbito do Direito Privado para o campo do Direito Público, com o fim precípuo de mantê-las sob a regulamentação e fiscalização do Estado. Essa publicização do Direito do Trabalho muito o aproximou do Direito Administrativo, principalmente quando as autarquias e empresas estatais contratam empregados no regime da Consolidação das Leis do Trabalho, para atividades de natureza empresarial.”

Além da relação do Direito Administrativo com o Direito do Trabalho no que tange ao regramento e fiscalização, pelo Estado, das relações trabalhistas privadas, não se pode deixar de ressaltar que o Direito Administrativo regula as relações existentes entre os servidores públicos e o Estado, aos quais não se aplicam as regras do regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho, que é regulado pelo Direito Trabalhista.

Contudo, ainda que aos servidores públicos sejam aplicadas normas específicas, tanto constitucionais como infraconstitucionais, certo é que as regras impostas pelo Direito do Trabalho exercem forte influência e servem de parâmetro para as relações entre a Administração Pública e seus servidores.

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O próprio texto constitucional brasileiro, ao tratar dos servidores públicos em capítulo específico destinado à Administração Pública, garante aos servidores ocupantes de cargo público alguns dos direitos assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais, constantes do artigo 7º da carta constitucional brasileira, o que não deixa dúvidas da estreita relação existente entre o Direito Administrativo e o Direito do Trabalho, necessária à concretização dos direitos dos trabalhadores em geral, sejam servidores públicos, empregados públicos, pessoas que exercem função pública e, bem ainda, qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, que exerce atividade estatal no exterior.

Fruto também dessas relações de trabalho existentes na Administração Pública, deve-se reconhecer a existência de diálogo entre o Direito Administrativo e o Direito Previdenciário, uma vez que aos agentes do Estado, assim como ao empregado privado, garante-se a seguridade social, cujas normas são aplicáveis a todos que vivem no território nacional e, em algumas situações, há proteção previdenciária, no Brasil, para trabalhadores que se encontram fora do território nacional, sejam eles vinculado à iniciativa privada, a exemplo de sucursal ou agência de empresa nacional no exterior, ou agentes do Estado, exercentes de atividade em organismos oficiais brasileiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliados e contratados.

Por sua vez, em consequência dessa garantia à seguridade social e com a finalidade de regular a situação dos brasileiros que prestam serviço no exterior e dos estrangeiros que prestam serviço no Brasil, firma-se também estreita relação entre o Direito Administrativo e o Direito Internacional, uma vez que o Brasil tem assinado tratados internacionais em matéria previdenciária, possibilitando a obtenção de benefícios previdenciários quando há reciprocidade entre os países.

Dessa forma, e considerando o tema deste trabalho, há de se reconhecer a extrema relevância e influência do Direito Administrativo na solução dos conflitos que envolvem os agentes que prestam serviços ao Estado brasileiro, sendo primordial a incidência de outros ramos do Direito, sem o que não se consegue alcançar a solução mais adequada, considerando a atual realidade social e jurídica.

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1.7 Os Atos Administrativos

Atos administrativos são aqueles praticados pela administração pública em suas atividades e referem-se a qualquer manifestação ou atuação da Administração Pública (Furtado, 2013). Di Pietro (2013, p. 198) complementa afirmando que:

“partindo-se da idéia da divisão de funções entre os três Poderes do Estado, pode-se dizer, em sentido amplo, que todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da Administração. Essa expressão – ato da Administração – tem sentido mais amplo do que a expressão ato administrativo, que abrange, apenas, determinada categoria de atos práticos no exercício da função administrativa.”

O professor Furtado (2007), ao tratar do tema ‘ato administrativo’, esclarece que tem preferência pela correta descrição do fenômeno ou do instituto estudado do que qualquer conceito a ser formulado. No entanto, a contragosto Furtado (2007, p. 251) assim o define:

“ato administrativo é toda declaração unilateral de vontade do Estado, ou de quem tenha recebido delegação deste, excetuadas aquelas provenientes do exercício das funções judicial ou legislativa, regida por norma de Direito Administrativo”.

No entanto, Meirelles (2013, p. 159) vê semelhança entre o ato administrativo e o ato jurídico, assinalando que a diferença entre eles estaria relacionada à finalidade pública que deve estar presente no ato administrativo, conforme suas próprias palavras, que seguem:

“o conceito de ato administrativo é fundamentalmente o mesmo do ato jurídico, do qual se diferencia como uma categoria informada pela finalidade pública. É ato jurídico todo aquele que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.”

Quanto aos critérios adotados para definir o ato administrativo, Di Pietro (2013, p. 200) acentua que dois são os mais relevantes, ou seja, o subjetivo e o objetivo. A doutrinadora explica estes critérios afirmando que:

“pelo critério subjetivo, orgânico ou formal, ato administrativo é o que ditam os órgãos administrativos; ficam excluídos os atos provenientes dos órgãos legislativo e judicial, ainda que tenham a mesma natureza daqueles; e ficam incluídos todos os atos da Administração, pelo só fato de serem emanados de órgãos administrativos, como os atos normativos do Executivo, os atos materiais, os atos enunciados, os contratos. Pelo critério objetivo, funcional ou material, ato administrativo é somente aquele praticado no exercício concreto da função administrativa, seja ele editado pelos órgãos administrativos ou pelos órgãos judiciais e legislativos.”

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Um ato administrativo pode ocorrer enquanto tal tanto na ação, na materialização de um gesto ou decisão, quanto na omissão, em que se verifica uma recusa, por uma série de fatores – inclusive incompetência – nesta materialização. Segundo Justen Filho (2012, p. 343):

“o ato administrativo é uma manifestação de vontade, no sentido de que exterioriza a vontade de um sujeito dirigida a algum fim. Isso significa a existência de dois aspectos inconfundíveis na vontade. Há a exteriorização física, consistente numa ação ou omissão. Mas há um aspecto interno, volitivo, que é a causa da ação ou da omissão.”

Com relação ao grau de subordinação dos atos administrativos às normas legais, podemos classificá-los em atos vinculados e atos discricionários, posto que toda atividade administrativa comporta margens de discricionariedade e de vinculação. Os atos administrativos vinculados são aqueles praticados em total observância ao dispositivo legal, a partir de uma conduta pré-estabelecida. O administrador público, nestes casos, não pode agir livremente, devendo seguir as condições impostas pela lei.

Quanto aos atos discricionários, é preciso ressaltar que se entende discricionariedade administrativa como sendo dever de todo Administrador Público optar sempre por uma solução que seja razoável, proporcional e que esteja dentro dos limites da norma. Além disso, que seja a mais compatível possível com os interesses da sociedade.

Segundo Di Pietro (2013, p. 221) “a fonte da discricionariedade é a própria lei;

aquela só existe nos espaços deixados por esta. Nesses espaços, a atuação livre da Administração é previamente legitimada pelo legislador”. No entendimento da doutrinadora “a discricionariedade ainda pode dizer respeito a uma escolha entre o agir e o não agir; se, diante de certa situação, a Administração está obrigada a adotar determinada providência, a sua atuação é vinculada; se ela tem possibilidade de escolher entre atuar ou não, existe discricionariedade”.

Desta forma, mesmo não havendo uma prescrição legal guiando um determinado ato, não significa que a Administração Pública está livre para não levar em conta a questão da licitude. Como muito bem esclarece Tácito (1997, p. 95):

“não basta, porém, que a autoridade seja competente, o objeto lícito e os motivos adequados. A regra de competência não é um cheque em branco concedido ao administrador. A administração serve, necessariamente, a interesses públicos caracterizados. Não é lícito à autoridade servir-se de suas atribuições para satisfazer interesses pessoais, sectários ou político-partidários, ou mesmo a outro interesse público estranho à sua competência. A norma de direito atende a fins específicos que estão expressos ou implícitos em seu

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enunciado. A finalidade é, portanto, outra condição obrigatória de legalidade nos atos administrativos".

Há hipóteses em que a margem de autonomia do exercente da função administrativa será mais ampla. Em outros casos, o procedimento será voltado à apuração da ocorrência efetiva de certo fato, sem margem de liberdade para algum tipo de avaliação pessoal do agente. Estas possibilidades evidenciam que a discricionariedade envolve graus variáveis de autonomia.

A respeito dos aspectos do ato administrativo, três merecem ser considerados nesta tese, porque mantêm com o tema desenvolvido uma relação muito próxima: a perfeição, a validade e a eficácia. Ato perfeito não é aquele que se conforma com o ordenamento jurídico, mas aquele já realizado, que existe, aquele que se formou ou que passou por todas as etapas necessárias a sua existência. De acordo com Meirelles (2013, p. 185) “o ato perfeito é aquele que reúne todos os elementos necessários à sua exequibilidade

ou operatividade, apresentando-se apto e disponível para produzir seus regulares efeitos”.

Portanto, o ato administrativo considerado imperfeito é aquele incompleto na sua formação ou no qual falta um ato complementar que o torne exequível e operante (Meirelles, 2013).

Para o Direito Administrativo, perfeição é, portanto, sinônimo de existência, diferentemente do que se poderia indicar. O ato que passou por todas as etapas necessárias à sua formação é tido como um ato perfeito, ainda que para a sua eficácia necessite de outros elementos.

Afinal, eficácia do ato administrativo está ligada a sua aptidão para produzir ou gerar efeitos, visto que não existe ato administrativo sem motivo ou sem objetivo. Como explica Marinela (2013, p. 311):

“o ato eficaz é aquele apto a produzir efeitos próprios, ou seja, quando seus efeitos típicos, ao serem desencadeados, não se encontram dependentes de qualquer evento posterior, como uma condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade. Eficácia é a situação atual de disponibilidade para a produção de efeitos típicos, próprios do ato, quando o ato está pronto para atingir o fim a que foi destinado.”

Por fim, a validade do ato administrativo diz respeito ao aspecto relacionado à necessidade de adequação do ato ao ordenamento jurídico, entendido como o conjunto formado por todas as normas que compõem o sistema jurídico vigente em determinado Estado, ainda que essas normas decorram de regras ou de princípios. Desta forma, como afirma Gasparini (1992, p. 74):

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“ato administrativo pode ser perfeito e válido, mas ineficaz. Perfeito, porque foi concluído e válido porque está em consonância com as exigências legais, necessárias a sua emissão. Contudo, é ineficaz, visto que espera o surgimento de condição futura ou a decorrência do prazo (termo) para que seus efeitos possam ser fruídos pelos seus destinatários. Os podem ser ainda: válido e eficaz, válido e ineficaz, inválido e eficaz e inválido e ineficaz.”

Em Direito Administrativo, os termos validade e legitimidade são apresentados como sinônimos, podendo um ser substituído pelo outro sem qualquer restrição.

No Direito Administrativo, é importante destacar que ao Judiciário somente é dado controlar a atividade administrativa do Estado quanto a sua validade ou legitimidade. Se determinado aspecto do exame da atividade administrativa não for considerado sob a ótica da validade, este aspecto não pode ser objeto de exame judicial, pois dirá respeito à discricionariedade administrativa, que está ligada à oportunidade e conveniência a ser verificada pelo Administrador.Di Pietro (2013, p. 817) assim entende:

“O poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade (arts. 5º, inciso LXXIII, e 37).”

De se ver, pois, que mesmo os atos administrativos discricionários estão sujeitos a controle judicial, contudo, o ato administrativo somente pode ser controlado quanto ao aspecto da legalidade, uma vez que não pode o Judiciário invadir os aspectos reservados à apreciação subjetiva da Administração, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes.

No caso específico da situação escolhida como tema desta tese - a contratação, sem concurso público de Auxiliares Locais para a prestação de serviços ao Estado brasileiro no exterior - é necessária a análise dos três aspectos do ato administrativo, já analisados anteriormente, quais sejam, a perfeição, a validade e a eficácia.

É necessário o controle de legalidade da contratação desses agentes, contudo, as consequências desse controle devem ser impostas com observância não só ao regramento do Direito Administrativo, mas também às regras e garantias Constitucionais, razão pela qual se justifica a apresentação de um estudo mais apurado a respeito da Constituição e do Direito Constitucional brasileiro, o que será feito também no capítulo que segue.

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CAPÍTULO 2