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A Regra de Transição para a Contratação de Servidores Públicos

SERVIÇO E SERVIDOR PÚBLICO NO BRASIL

2.6 A Regra de Transição para a Contratação de Servidores Públicos

Anteriormente à edição da Constituição de 1988, havia na Administração Pública Federal brasileira o exercício de cargo público, submetido a um Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei n.º 1.711/52), bem como o exercício de emprego público, submetido à Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/43). Referido estatuto previa a realização de concurso público para ingresso em alguns cargos, contudo, era possível a contratação direta para o exercício de cargo, sendo que a admissão para exercício de emprego sempre existiu, independente da realização de concurso público.

Conforme explicitado no item anterior, foi com a Constituição Federal brasileira de 1988 que se estabeleceu que a investidura em cargo efetivo ou emprego público passaria, a partir de então, a depender da aprovação em concurso público, regra que garante o respeito a vários princípios constitucionais de Direito Administrativo, dentre eles, o da impessoalidade, o da moralidade e o da isonomia.

Em face dessa nova exigência constitucional e com vistas a garantir a permanência, no serviço público, daqueles servidores que já eram contratados pela Administração Pública, ainda que sem a prévia aprovação em concurso púbico, a Constituição Federal de 1988 inseriu uma norma transitória criando a estabilidade excepcional para servidores não concursados da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que, à época da promulgação da Constituição Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público.

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A aquisição da estabilidade no serviço público não foi concedida indistintamente a todos os ocupantes de cargos públicos. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu art. 19, parágrafo 2º31, estabeleceu as exceções possíveis, deixando claro que se destinavam àqueles servidores que ocupavam cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, bem como aos contratados por lei que os declarava de livre exoneração. O artigo em questão dispôs o que segue:

“Artigo 19 - Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no Artigo 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público. § 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de servidor.

§ 3º - O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.”

Referida regra de transição, contudo, limitou-se a conferir estabilidade no serviço público aos servidores que tivessem sido admitidos sem concurso, contudo, não houve alteração do regime jurídico a que eram submetidos, sendo que os ocupantes de cargo permaneceram submetidos ao Estatudo dos Funcionários Públicos e os ocupantes de emprego continuaram vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho, conforme precisas lições de Bandeira de Mello (2011, p. 265):

“O artigo 19 e § 1º, do ADCT conferiu estabilidade aos servidores não- concursados que contassem com mais de cinco anos de exercício contínuos à data da promulgação da Constituição, mas não autorizou mudanças em seu regime jurídico e muito menos permitiu sua preposição em cargos públicos, pois – pelo contrário – estabeleceu que sua efetivação dependeria de concurso. É que dita efetivação seria natural consectário da integração em cargo público, pois, já estando estabilizados em decorrência do ‘caput’ do artigo, ao ingressarem em cargo ficariam ‘ipso facto’ efetivados."

Fundamental, neste momento, diferenciar efetivação de estabilidade, para melhor compreensão da situação imposta pela nova carta constitucional. Efetividade é atributo do cargo e refere-se à titularidade do cargo definido em lei como de provimento efetivo. Assim, efetividade se dá no cargo. Quanto à estabilidade, esta se dá no serviço público e não no

31 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#adct. Acesso em 17 mai

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cargo, sendo garantida ao servidor pela Constituição (Silva, 2003). Di Pietro (2013, p. 655), concordando com Bandeira de Mello, aclara que:

"O reconhecimento de estabilidade a esses servidores não implicou em ‘efetividade’, porque esta só existe com relação a ‘cargos’ de provimento por concurso; a conclusão se confirma pela norma do § 1º do mesmo dispositivo [artigo 19, do ADCT/88], que permite a contagem de serviço prestado pelos servidores que adquiriram essa estabilidade excepcional, ‘como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei’."

Portanto, os funcionários públicos que, à época da promulgação da Constituição Federal de 1988, já estavam em exercício há pelo menos cinco anos continuados, foram considerados estáveis, ainda que não integrados ao regime jurídico estatutário, pois este é aplicável tão somente aos ocupantes de cargo público.

Para o presente trabalho, a questão relativa à estabilidade não é importante como o é a questão relativa ao regime jurídico dos agentes públicos. Contudo, somente para fins de esclarecimento, deve-se ressaltar que, não obstante o artigo 19 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) ter admitido a estabilidade para servidores estatais ocupantes de emprego público, hoje não mais é possível tal situação, uma vez que a Emenda Constitucional n.º 19/98 expressamente previu, no caput do artigo 41, que a estabilidade só beneficia os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo, o que, segundo Di Pietro, colocou “fim ao entendimento defendido por alguns doutrinadores de que os servidores

celetistas, sendo contratados mediante concurso público, também faziam jus ao benefício”

(2013, p. 656).

Importante registrar, ainda, que a questão relativa à estabilidade dos então ocupantes de emprego público quando promulgada a Constituição Federal foi solucionada com o advento da Lei n.º 8.112/90, que instituiu o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, impondo o regime estatutário a todos os servidores desses entes, ou seja, mesmo aqueles que antes eram empregados públicos passaram à condição de servidores públicos ocupantes de cargo público, diante da transformação dos empregos em cargos, conforme dispôs o artigo 243 e parágrafos da referida norma, in verbis:

"Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex- Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 - Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do

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contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.

§ 1o Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime

instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação.

§ 2o As funções de confiança exercidas por pessoas não integrantes de tabela permanente do órgão ou entidade onde têm exercício ficam transformadas em cargos em comissão, e mantidas enquanto não for implantado o plano de cargos dos órgãos ou entidades na forma da lei.

§ 3o As Funções de Assessoramento Superior - FAS, exercidas por servidor integrante de quadro ou tabela de pessoal, ficam extintas na data da vigência desta Lei.

§ 4o (VETADO).

§ 5o O regime jurídico desta Lei é extensivo aos serventuários da Justiça, remunerados com recursos da União, no que couber.

§ 6o Os empregos dos servidores estrangeiros com estabilidade no serviço público, enquanto não adquirirem a nacionalidade brasileira, passarão a integrar tabela em extinção, do respectivo órgão ou entidade, sem prejuízo dos direitos inerentes aos planos de carreira aos quais se encontrem vinculados os empregos.

§ 7o Os servidores públicos de que trata o caput deste artigo, não amparados pelo art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, poderão, no interesse da Administração e conforme critérios estabelecidos em regulamento, ser exonerados mediante indenização de um mês de remuneração por ano de efetivo exercício no serviço público federal. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 8o Para fins de incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de rendimentos, serão considerados como indenizações isentas os pagamentos efetuados a título de indenização prevista no parágrafo anterior. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 9o Os cargos vagos em decorrência da aplicação do disposto no § 7o poderão ser extintos pelo Poder Executivo quando considerados desnecessários”.32

Em síntese, portanto, observa-se que com a Constituição Federal, quando promulgada, apesar de ter previsto a estabilidade para todos os funcionários públicos admitidos há mais de cinco anos, não alterou o regime jurídico a que pertenciam, contudo, com o advento da Lei n.º 8.112/90, que instituiu o regime jurídico único dos servidores públicos da União, autarquias e fundações públicas, todos os empregos públicos ainda vinculados a esses entes públicos foram transformados em cargos públicos, efetivos ou em comissão, e os seus ocupantes passaram a ser submetidos unicamente ao regime jurídico estatutário.

Com isso, pode-se afirmar que no Brasil, hoje, todos os servidores admitidos pela União, autarquias e fundações públicas são exercentes de cargo público e, portanto, servidores públicos estatutários, aplicando-se o regime de emprego público unicamente aos agentes

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públicos contratados pelas entidades da administração indireta com personalidade jurídica de direito privado, quais sejam, as fundações de direito privado, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Como exemplo de entidades da administração indireta pode-se citar a Caixa Econômica Federal, empresa pública cujo capital é 100% (cem por cento) do Governo, o Banco do Brasil e a Petrobrás, sociedades de economia mista cujo patrimônio é misto (público e privado), sendo, contudo, majoritariamente do governo brasileiro.

Fato é que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a admissão ao exercício de cargo efetivo ou emprego público deve ser precedida de aprovação em concurso público, valendo esclarecer que aos empregados públicos são aplicadas as regras da Consolidação das Leis do Trabalho quanto aos direitos e obrigações, acrescidas de algumas regras de direito público, previstas em lei ou na Constituição Federal, como é o caso do concurso público, que não se aplica ao regime trabalhista estritamente privado.