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3.1 A Gastronomia como um Produto Turístico-Cultural

A gastronomia como produto turístico pode influenciar significativamente os visitantes a experimentarem o local, para além de se apresentar como uma alternativa viável para os novos destinos que não podem se beneficiar de “sol e praia” ou de outros recursos (naturais ou culturais). Ao contrário de outras atividades e atrativos, a gastronomia está disponível durante todo o ano, a qualquer hora do dia e em qualquer tempo(Kivela &, Crotts, 2006).

O produto gastronómico, não se encontra apenas no desenvolvimento do turismo cultural e gastronómico, ele pode ser um recurso de suporte para outros segmentos turísticos, como um elemento que irá agregar valor a outras experiências e atrativos(Fields, 2002). Como um produto turístico-cultural, a gastronomia distingue-se primeiramente pelo seu caráter cultural. Ela pode permitir ao turista conhecer muitos aspetos relacionados com a identidade cultural da comunidade(Andrew Jones & Jenkins, 2002). De acordo com (Poulain, 2008, p. 41)“os costumes alimentares e os modos à mesa refletem os valores fundamentais de uma cultura de maneira concreta e são ocasiões para compreender e interpretar as identidades”. Deste modo, a autora afirma que a alimentação constitui uma via de acesso a outras culturas permitindo identificar-se e distanciar-se, descobrir o outro e compreender melhor a si mesmo.

Tendo em conta que os hábitos culinários são uma expressão da história, geografia, clima, organização social e crenças religiosas de cada povo, deve-se considerar que através da alimentação é possível compreender a diversidade de culturas e tudo aquilo que contribui para revelar a identidade de cada povo, a partir das técnicas de produção, de suas estruturas sociais, de suas representações dietéticas e religiosas e das receitas que delas resultam, bem como da sua visão de mundo e do conjunto de tradições construídas lentamente no decorrer dos séculos(Marqui, 2010; Pinto, 2012b)

Por estes fatores, ao promover a gastronomia local, o destino também estará promovendo a sua cultura(Fields, 2002). Nesse contexto, os alimentos representam um produto ideal para o consumo turístico-cultural, promovendo encontros autênticos entre visitantes e comunidade local (Richards, 2004; Fields 2002).

Essa intrínseca relação com a cultura local contribuiu para revelar outra forte característica da gastronomia como produto turístico: a autenticidade. Cada vez mais turistas procuram contatos autênticos com a comunidade local, ou seja, viver experiências o mais próximo possível da realidade do destino. A gastronomia típica, por estar profundamente relacionada com o quotidiano da comunidade local, permite

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estabelecer um contato autêntico e, ao mesmo tempo, a interação direta do turista com a cultura e a população local(Boniface, 2003; Reynolds, 1993; Schlüter, 2003).

Hall & Mitchell (2001) afirmam que a gastronomia pode reforçar as experiências autênticas nos destinos, e permitir aos visitantes estabelecerem fortes relações com o local(Steinmetz, 2010).

Com efeito, o caráter autêntico da gastronomia é bastante questionado por alguns teóricos do turismo gastronómico. Alguns autores acreditam que, no contexto turístico, a gastronomia é desenvolvida para atender às expectativas e às preferências alimentares dos turistas. A alteração de receitas tradicionais e a tradução de nomes de comidas típicas são exemplos dessa inautenticidade(Fields, 2002; Ravenscroft, N., & Westering, 2002; Shenoy, 2005).

De acordo com MacCannell (1976), a autenticidade é percebida como uma realidade objetiva. Sharpley (1999) define-a como a qualidade de algo tangível pela qual está associada a métodos de produção ou fundações culturais que são percebidas como pré- modernas ou tradicionais. Numa construção social, o autor ressalva ainda que a autenticidade é a percepção intangível das sociedades de destinos e culturas, das formas de viajar ou de experiências globais de turismo que parecem ser pré-modernas ou tradicionais(Steinmetz, 2010,p.37).

Ao refletir a autenticidade da gastronomia como um produto que revela a cultura dos destinos, Shenoy (2005) considera, com base no conceito de MacCanell, que os alimentos não podem ser relacionados com um objeto tangível (monumentos, museus, obras de arte etc.). Para a autora, a cozinha não é estática, mas está em constante evolução e é produto das atuais condições ecológicas, políticas e económicas.

No que se refere às alterações feitas às cozinhas ou pratos, para que possam ser turisticamente comercializada. Ravenscrof e Westering (2002) apresentam o exemplo do que aconteceu com a conhecida Paella espanhola. Este prato, que se transformou numa marca associada ao destino Espanha, deveria ser um ícone do seu local de origem: Valencia. Entretanto, para atender às expectativas da procura turística, a Paella passou a ser confecionada de diferentes formas e em diversos locais do país.

A tapioca, objeto de estudo desta tese, é exemplo de um prato que sofreu alterações ao longo do tempo, em consequência de interações entre culturas e de adaptações às mudanças globais. Na matriz dessa receita de origem indígena, não estavam inclusos o leite de coco, o sal e o açúcar, ingredientes assimilados com a influência da cozinha colonial portuguesa no Brasil. Esse fator não retirou a autenticidade da tapioca como uma

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iguaria indígena, pelo contrário, contribuiu para reforçar até hoje a sua continuidade, para além de refletir diversos aspetos relacionados com a história do Brasil(Martins, 2009). Neste sublinhar, acredita-se que pequenas alterações feitas aos pratos típicos não retiram o seu caráter autêntico, até porque a constituição de uma receita ou a produção de determinados alimentos envolvem outras manifestações culturais que ultrapassam a forma física e tocam a dimensão imaterial.

De acordo Jochnowitz, (1998) citado por Shenoy, (2005, p. 38), para o alimento funcionar como uma atração turística, ele precisa sair fora do seu “mundo”, e adequar-se dentro de um limite aceitável por outras culturas. Isso não significa que é necessário adulterar as receitas, mas adaptá-las a outros paladares.

É natural que nos destinos do turismo gastronómico encontrem-se algumas alterações em receitas tradicionais. Isso porque determinados tipos de alimentos e produtos podem ser desconhecidos ao paladar e ao estômago dos turistas. Portanto, é importante a sensibilidade de estabelecimentos que estão na zona turística. Por exemplo, em alguns destinos brasileiros, o uso do leite de coco e do óleo de palma (azeite de dendê) são muito comuns em determinadas receitas. Entretanto, estes ingredientes são estranhos a alimentação de grande parte dos turistas que visitam o país. A redução desses ingredientes, para que não haja problemas de saúde com os visitantes, não retiraria a autenticidade desses pratos.

Outra forte característica do produto gastronómico na atividade turística é a sua dimensão singular. Os destinos que desenvolvem a gastronomia como oferta turística, procuram selecionar produtos e pratos que sejam únicos, quer no modo de produção, na qualidade, no contexto histórico, dentre outros fatores. No mercado do turismo gastronómico, quanto mais específicos os produtos, mais os destinos poderão distinguir- se face aos seus concorrentes. Desta forma, os alimentos tornam-se fortes na promoção turística (Fields, 2002; M. Hall & Mitchell, 2002).

De acordo com (Hughes, 1995), existe uma relação natural entre a terra de uma região e suas condições climáticas, que caracteriza os alimentos que ela produz. É esta diversidade geográfica que prevê a distinção regional nas tradições culinárias.

O usufruto da gastronomia no turismo revela ainda um forte caráter hedónico. Na ótica de Westering (1999, p. 80), ela “oferece a oportunidade de interiorizar experiências valiosas. Ao consumir a comida e bebida produzidas localmente, o lugar é absorvido; prazeres intrínsecos são corporizados e saboreados, o turista torna-se uno com o local, ainda que só por um período breve”.

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O prazer através da alimentação dá-se a partir de um maior conhecimento da culinária local, no consumo de alimentos de alta qualidade, do sabor especial de determinados pratos ou alimentos incomuns (Boniface, 2003). A gastronomia pode ainda oferecer outras formas de prazer: na dimensão social (convívio com amigos), emocional (podem evocar lembranças agradáveis) e intelectual (cozinhar uma refeição requintada, valorizando o consumo de alimento de alta qualidade) (Shenoy, 2005). Neste contexto, os consumos alimentares no destino apresentam uma particularidade essencial no que diz respeito a todos os outros, se incorporam física e literalmente no corpo(Poulain, 2008)

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No que se refere ao desenvolvimento da gastronomia como produto turístico cultural, encontram-se na academia diversas formas de ofertá-la, que serão detacadas nas sessões a seguir. Contudo, na criação de produtos gastronómicos, alguns aspectos relevantes devem ser tidos em conta pelos destinos. Martins, Baptista, & Costa (2012, p. 52) a partir de uma análise aos planos de ação de dez destinos turísticos internacionais, apresentaram alguns aspetos que podem ser fundamentais para desenvolver a gastronomia como um produto turístico-cultural. Para os autores, no processo de construção desse produto, deve-se:

– Criar uma organização que trate do desenvolvimento e da promoção da gastronomia como produto turístico-cultural;

– Identificar a oferta gastronómica no âmbito regional ou local, e, de preferência, focar-se num único produto, não deixando de oferecer outros produtos complementares;

– Delimitar áreas e aplicar planos e ações para desenvolver produtos gastronómicos direcionados;

– Criar oportunidades de interação entre órgãos públicos e privados (responsáveis pelo turismo, fornecedores, produtores e comunidade local);

– Criar experiências turístico-culturais únicas e em interação com a comunidade local. – Desenvolver sites, blogs etc., de entre outras ferramentas promocionais para divulgar a gastronomia local;

– Criar materiais turísticos explicativos para que os turistas saibam em que consiste a experiência gastronómica oferecida e a origem e modo de elaboração dos produtos; – Promover a certificação de produtos locais que garantam a qualidade do produto e

ajudem a manter uma imagem do produto associada ao destino.

Os aspetos apresentados permitem-nos perceber que o processo de criação e planeamento de produtos turístico-culturais e gastronómicos é complexo e requer um grande envolvimento de diversos atores, direta e indiretamente ligados ao turismo. A participação da comunidade local apresenta-se como essencial nesta atividade, principalmente porque só a partir dela se pode ter acesso a todo o conhecimento,

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tradições, histórias etc. São estes fatores que fazem da gastronomia um produto turístico- cultural e a tornam atrativa aos olhos do turista (Martins,Baptista & Costa, 2012)