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3.3 As Limitações da Gastronomia como Produto Turístico

Comer é uma necessidade básica do homem, mas também é um ato cultural, que está permeado de símbolos, de preferências religiosas, de escolhas, dentre muitos outros fatores que podem interferir no encontro intercultural. Por isso, a gastronomia como produto turístico-cultural, da mesma forma que se revela como um elemento ideal para atender à “demanda contemporânea”, pode ser também um fator de impedimento na escolha dos destinos (Cohen & Avieli, 2004; Shenoy, 2005).

Essas limitações com a gastronomia estão diretamente ligadas a três intervenientes: o indivíduo, a comida e o ambiente .(Gains, 1994; MeiselmanMastroianniBuller& Edwards, 1999; Randall, E., Sanjur, 1981; Shepherd, R., Raats, 1996).Assim, a religião, as crenças, os costumes, a higiene, a saúde, a comunicação, a singularidade de determinados alimentos, dentre outros aspetos, podem constituir uma forte barreira para o consumo da comida local. Por exemplo, a tradição em consumir carne de cães na China pode parecer estranha e agressiva para outras culturas que não têm este hábito gastronómico. Os hindus não consomem carne de vaca, por ser este um animal sagrado. Com efeito, existem diversos destinos turísticos em que esta carne é ex-libris, não só como produto turístico, mas principalmente como um alimento comum do quotidiano local (ex. Argentina, Brasil, Uruguai.

Nesse contexto, a escolha do património gastronómico que cada destino faz quer para promover-se, quer para desenvolver a gastronomia como segmento turístico ou produto complementar de outros atrativos, deve ter em conta essa sensibilidade da diversidade cultural face à proveniência do seu fluxo turístico.

Portanto, o grande desafio de agentes turísticos (públicos e privados) no usufruto da gastronomia é ter conhecimento e domínio da cultura gastronómica dos seus principais clientes, para que o património do destino possa ser comunicado de uma forma culturalmente compreensiva. Se a maior demanda turística do Brasil, por exemplo, for constituída por hindus, não faz sentindo promover, como produto-chave, pratos com carne de vaca. Este fato não quer dizer que o património gastronómico deva ser adulterado em função do turismo, mas se é opção do destino desenvolver o segmento,

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faz-se necessário investir em produtos e pratos tradicionais que vão de encontro com os níveis mínimos de preferências dos turistas.

Embora o visitante esteja a procura do “novo”, na alimentação este aspeto pode não funcionar, pelo receio que se cria em experimentar alimentos estranhos a sua cultura (Cohen & Avieli, 2004; Shenoy, 2005).

De acordo com Cohen e Avieli (2004), alguns turistas podem apresentar tendências neofóbicas4 e buscar conforto nos alimentos que lhe são familiares. Neste sentido, Fields (2002, p. 42) ressalva que “a globalização gastronómica pode ser um fator que conforta visualmente estes turistas, porque têm a possibilidade de encontrar cadeias internacionais, tipo fast food em quase todo o mundo”.

Um estudo desenvolvido pelo Serviço de Inteligência do Turismo na Escócia, constitui um bom exemplo de como situações conflituosas com a gastronomia local podem ser evitadas no destino, a partir de indicações relacionadas à intolerância de alimentos, bem como o conhecimento das preferências alimentares de sua demanda.

Figura 7 - Estudo para o Desenvolvimento do Turismo Gastronómico na Escócia

4 A neofobia alimentar é definida como uma “relutância para comer e/ou prevenção de novos alimentos” (Shenoy, 2005).

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Fonte: http://www.tourism-intelligence.co.uk/intelligence-guides/06-food-and-drink

O trabalho constitui um guia prático que fornece indicações sobre a melhor forma de se ter uma experiência com a gastronomia escocesa. Deve-se ressaltar que, embora haja uma preocupação em fornecer informações sobre o que os turistas irão preferir, não são sugeridas alterações em pratos típicos, mas sim opções de preferências. Dessa forma, a cultura gastronómica da comunidade local não é afetada com alterações de ingredientes, e sim direcionada, de acordo com os gostos dos visitantes.

Cada destino deve encontrar caminhos para tornar o seu património gastronómico o mais atrativo possível para a procura. Na ótica de Cohen e Avieli (2004), uma estratégia importante é criar restaurantes direcionados para os visitantes. Reconhecendo os potenciais turistas que procuram o destino, estes estabelecimentos podem ainda comunicar o nome dos pratos para que pareçam o mais familiar possível. Neste contexto,Peccini, (2013, p. 4) destaca que a clareza dos nomes e da interpretação de determinados hábitos locais podem promover e estimular que turistas ansiosos por conhecerem e experimentarem a cultura local sintam-se à vontade e seguros em fazê-lo. Os restaurantes especializados podem ainda ser sensíveis ao excesso de determinados ingredientes nos pratos típicos(Shenoy, 2005). Por exemplo, no caso do Brasil, o uso em grande quantidade de leite de coco e azeite de dendê em determinados pratos pode causar problemas de saúde a sujeitos que não estejam acostumados com estes tipos de alimentos na sua dieta.

Outro fator que deve ser tido em conta no desenvolvimento do turismo gastronómico está relacionado com a questão sanitária. Em alguns destinos, a venda de determinados produtos típicos é feita através da venda ambulante ou em lugares com poucas condições de higiene. Para turistas de determinados destinos, como por exemplo

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Portugal, em que estas situações não são comuns, cria-se rapidamente um receio à gastronomia local.

Deve-se destacar que o manuseio inadequado dos produtos pode conduzir a problemas de saúde pública ou à destruição da imagem do lugar, que leva anos para ser construída (M. do Turismo, 2007a, p. 34).

Numa investigação realizada com turistas portugueses que viajaram ao Brasil, Martins (2009) destacou a preocupação e aversão que estes visitantes tinham ao referir-se à comida ambulante, bem como à estrutura física e à higiene de alguns estabelecimentos gastronómicos situados na zona turística (barracas de praia). Em países como o Brasil, é muito comum este tipo de comércio. Contudo, faz-se necessária uma forte intervenção de agentes sanitários, para que a produção e venda de comida na rua seja feita da forma mais segura possível. Sublinhe-se que os cuidados sanitários com a alimentação devem ser prioridade para o bem-estar da comunidade local, e isso beneficiará consequentemente os visitantes.

De acordo com o Ministério do Turismo brasileiro, “o impacto de um problema dessa natureza não afeta apenas o turista acometido de alguma intoxicação, mas um conjunto de pessoas e atividades envolvidas no segmento turístico: o visitante afetado deixa de ir aos passeios programados bem como aos shoppings; às vezes não retorna mais àquela localidade; divulga imagem negativa. Ou seja, há um efeito em cadeia dos acontecimentos envoltos de um padrão de higiene que não foi devidamente observado”(M. do Turismo, 2007a, p. 38).

Neste contexto, é de extrema importância que haja uma forte intervenção por parte do poder público, em cooperação com o setor privado, de modo que se desenvolvam estratégias de forte intervenção sanitária, bem como manutenção da mesma através de um processo de educação não só a produtores, mas também aos consumidores.

Na ótica do Ministério do Turismo, a fiscalização de órgãos competentes é de extrema relevância para que os serviços de alimentos alcancem os níveis de satisfação esperados de higiene e qualidade. Cabe a presença não apenas de agentes das secretarias de saúde ou da vigilância sanitária, mas também das próprias associações de classe. O papel do governo em fiscalizar e o papel da iniciativa privada em controlar/acompanhar o segmento permitem que se garantam saúde, imagem, resgate cultural, divulgação (Brasil, 2007 a, p. 43).

De acordo com Zuin & Zuin (2007, p. 126) no contexto dos produtos tradicionais, “a vigilância sanitária é uma ferramenta bastante consistente desse sistema, pois tem cobrado inúmeras normas de higiene para que esses pequenos produtores consigam

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inserir os seus produtos no mercado consumidor. Atestando a necessidade da qualidade nos alimentos, eles acabam com os antigos modos produtivos desses pequenos produtores, o que interfere, inclusive, na qualidade de seus produtos e na própria liberdade de fabricá-los, já que muitos não têm como se adequar às normas, dada a falta de recursos financeiros”.