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6.2 Modelo da Investigação – O Desenvolvimento do Turismo Gastronómico

O turismo assumiu uma escala económica, social e patrimonial em âmbito mundial que é imparável. É hoje o maior setor mundial ao nível de negócios, mas é, igualmente, o maior elemento de transformação das sociedades, dos países, das regiões, das comunidades locais. Porque gente de todo o mundo se cruza e permanece nos mais recônditos locais do mundo.

Com efeito, o turismo gastronómico tem-se apresentado atualmente como uma das formas de turismo emergentes, com maior expressão em termos mundiais. Inclusivamente em alguns locais, revela-se dentre os principais segmentos turísticos, como por exemplo no Canadá, Espanha, França, Itália, México, Perú, Portugal etc. Este fato justifica-se não só porque os seres humanos tradicionalmente necessitam de alimentar-se, mas porque, para além de uma função biológica, a alimentação passou a assumir uma forte dimensão cultural.

A valorização da gastronomia como património imaterial, capaz de revelar e identificar a cultura dos povos, no final do século XX, foi determinante para o seu desenvolvimento no mercado turístico. Especialmente porque, neste mesmo período, também emergia uma nova demanda turística, que passou a procurar nos destinos outras experiências para além do sol e praia, que proporcionassem uma maior proximidade com o quotidiano das comunidades nativas.

Como uma fonte de expressão cultural, a gastronomia tornou-se este elo de ligação direta com as populações locais. E foi essa dimensão cultural que certamente fundamentou o desenvolvimento da gastronomia como segmento/produto turístico. Contudo, o turismo gastronómico, como uma atividade económica que está relacionada com a produção de alimentos locais, apresenta uma dimensão muito mais abrangente, que vai para além do seu caráter cultural. A oferta da gastronomia local implica o envolvimento de diversos atores e produz impacto direto no território, especialmente em áreas como a agricultura, a indústria de alimentos, a restauração, através da geração de postos de trabalho, da sustentabilidade dos alimentos locais, da

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preservação da identidade gastronómica, da entrada de novas receitas para a economia local, dentre outros fatores.

As conceptualizações apresentadas no enquadramento teórico acerca do turismo gastronómico ocultam essa perspetiva alargada, pela qual se pode identificar esta atividade como um elemento potencial do desenvolvimento social e económico dos destinos. E evidenciam a dimensão cultural e as experiências/atividades desenvolvidas com a gastronomia. Estes dois aspetos são maioritariamente apresentados pelo lado da procura turística com destaque para os alimentos, como uma motivação primária na escolha do destino.

Nesse sentido, e com base no quadro conceptual que analisamos, propomos um modelo teórico que sintetiza e explica o modo como esta investigação propõe o desenvolvimento do turismo gastronómico e a criação de produtos turísticos relacionados com a gastronomia local.

Figura 11 - Modelo Teórico – O Desenvolvimento do Turismo Gastronómico

Fonte: Elaboração Própria

O modelo conceptual que propomos assenta em dois principais componentes: a

nutrição e a cultura, destacados como eixos centrais deste sistema. No que concerne

à primeira dimensão, da nutrição, deve-se destacar que, na atualidade, existem questões que são centrais. Em primeiro lugar, gostaríamos de destacar as Dietas de saúde e bem-estar.

Apesar dos cidadãos serem cada vez mais desenvolvidos, existe, no contexto mundial, crescente preocupação com a saúde e a qualidade de vida e, em particular, no turismo

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isso assume uma grande importância, porque a alimentação do destino envolve, de forma delicada, questões culturais e biológicas. Um dos problemas do turismo mundial é o contato dos turistas com a gastronomia típica dos destinos, que, na maioria das vezes, é estranha ao quotidiano alimentar dos visitantes ou confecionada com poucas condições de higiene.

Estes fatores podem causar diversas doenças gástricas, infeciosas, dentre outras, que irão tornar a experiência num pesadelo. Problemas desta ordem consequentemente interferem na satisfação e na imagem que o turista cria do destino, e futuramente serão divulgados, quer no boca-a-boca ou nas inúmeras mídias online (redes sociais

ou portais de viagens) direta ou indiretamente relacionadas com o turismo, (Facebook, Instagram e Twitter, Trip Advisor, Booking, blogs de viagens etc.), as quais permitem

rapidamente a difusão de notícias (boas e más) no contexto global.

A conciência criada no âmbito global por diversos malefícios trazidos pela indústria alimentar e pelos alimentos fast food, em comparação com a qualidade dos alimentos preparados nas cozinhas tradicionais, também alterou a preferência das populações. Atualmente são valorizados alimentos mais naturais e com maior qualidade nutricional. Portanto, questões sanitárias e nutricionais relacionadas com a alimentação devem ser prioritárias no desenvolvimento do turismo gastronómico. Neste sentido, o eixo de

Saúde e Bem-Estar que propomos nesse modelo teórico recomenda que os destinos

reflitam sobre quais pratos típicos, produtos tradicionais e atividades relacionados com a gastronomia têm condições nutricionais e qualidade para serem ofertados como produtos turísticos.

Ainda na dimensão nutricional, propomos outro eixo que tem grande relevância no desenvolvimento do turismo gastronómico e está relacionado com o prazer que emerge a partir das experiências com a gastronomia local. As pessoas viajam pelo mundo com o objetivo de tocar, sentir, participar e conhecer “o novo” e ter experiências com alto grau de satisfação.

A gastronomia revela-se como uma fonte ideal para cumprir os anseios destes turistas, porque é capaz de provocar diversas sensações. Os turistas podem ter experiências prazerosas através do paladar e do olfato, porque comumente os alimentos encontrados nos destinos são incomuns ao seu quotidiano alimentar. A estética dos pratos também permite aos turistas “encherem os olhos” com o modo de apresentação de pratos ou produtos, diferentes dos que estão acostumados a ver.

No contexto sociocultural, o prazer com a gastronomia revela-se através do encontro com o outro e da sensação de escape, de férias e relaxamento. O turista consome e conhece a cultura do outro, e isso gera outra forma de prazer, o intelectual. Ao ingerir ou ao contribuir na produção de alguns alimentos, o turista passa por um processo de

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aprendizagem que permite aumentar o seu capital cultural. Ainda nessa dimensão o carater hedónico dos alimentos encontra-se também nos momentos de convívio no destino, com familiares, amigos ou mesmo com outros visitantes.

Por estar relacionada com fortes emoções e lembranças que os turistas possam ter no destino, e reconhecendo que a gastronomia não é composta só por uma vertente nutricional, consideramos que esta componente do prazer é indispensável na conceptualização do segmento gastronómico.

O terceiro eixo da dimensão nutricional está relacionado com os produtos locais. Ora, se os turistas procuram a gastronomia como um elemento que permite a interação e o conhecimento com a cultura local, é determinante que esta componente destaque-se no modelo de desenvolvimento desta atividade. O turismo gastronómico deve indubitavelmente realizar-se a partir da produção local, porque ela é desenvolvida pela comunidade, que é detentora de todos os conhecimentos relacionados com a alimentação.

Na proposta do nosso modelo, este eixo tem ainda relevância porque consideramos que a gastronomia deve estar orientada no sentido de exercer uma pressão na base económica. Então encaminhamos o pensamento para essa área porque o turismo gastronómico pode ser um importante instrumento de desenvolvimento dos locais, pelo impacto que causa em diversos níveis (económico e sociocultural)

A segunda componente central do modelo é a Cultura. Como já destacado ao longo do enquadramento teórico, a gastronomia é um elemento de forte expressão cultural e por isso está diretamente relacionada com a comunidade, que participa ativamente da produção dos alimentos.

A comunidade local tem uma grande parcela de responsabilidade no desenvolvimento do turismo gastronómico, porque é ela que vai expressar, confecionar e ensinar aos visitantes o que é a sua cultura, através dos pratos, das técnicas de produção e das atividades realizadas com a oferta gastronómica.

Portanto, no modelo de desenvolvimento do turismo gastronómico, os destinos devem ter em conta a importância desses habitantes para o bom funcionamento desta atividade, colocando-os no centro das decisões do planeamento turístico. Não como no passado, apenas como uma questão de participação pública, mas de Inovação

Social.

A oferta gastronómica nos destinos comumente não é definida pelos autóctones, mas é fruto de escolhas políticas, pensadas em imagens, que serão associadas à promoção do destino. Destaque-se o caso da Paella na Espanha, que tem a sua origem na cidade de Valencia, mas tornou-se uma iguaria produzida nacionalmente como pertencente a todas as cidades do país. Enquanto estas mesmas cidades

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possuem inúmeros pratos que representam verdadeiramente a sua cultura gastronómica.

Neste sentido, o primeiro eixo desta dimensão da cultura propõe que no desenvolvimento futuro do turismo gastronómico os destinos possam promover uma Inovação Social, ou seja, colocar a comunidade como um sujeito ativo, que tem voz para definir o que é melhor para eles e para a afirmação da sua identidade gastronómica.

Por parte dos órgãos responsáveis pelo turismo, este tipo de posição revela o reconhecimento e a importância dada à opinião dos autóctones. Isso proporciona ainda que eles aceitem mais facilmente o turismo e a exposição da sua cultura. Dessa forma, os visitantes poderão beneficiar-se de experiências e contatos mais autênticos. E por fim, a comunidade estará preservando a sua identidade cultural. Essa proposta de Inovação Social também tem impacto no âmbito económico, porque a comunidade poderá decidir o que é melhor para ela, como produzir, como vender, criar redes de cooperação e assim gerar novas receitas e postos de trabalho para os seus integrantes. É nessa perspetiva que o produto gastronómico se revela como ideal para o desenvolvimento de um Marketing Cultural. A partir desse núcleo central do modelo, formado pelas componentes de Nutrição e Cultura, bem como pelos seis eixos apresentados, encontram-se ainda três grandes dimensões, as quais são pontos fortes da execução do turismo gastronómico e dos produtos turísticos relacionados com a gastronomia. É impossível pensar no desenvolvimento do turismo, especialmente de um segmento que é dependente do caráter cultural do destino, sem considerar o usufruto do Território.

É no território que se desenvolve o turismo e é nele que a gastronomia alcança uma forte dimensão Económica como produto turístico, a qual ultrapassa os gastos dos visitantes com a alimentação, e gera impactos em diversos setores relacionados com a comida. Com efeito, para que tudo isso se realize, a dimensão de Governança é essencial para articular a relação do setor público e privado com a comunidade local. O modelo que criamos apresenta uma proposta inédita e inovadora no âmbito do turismo gastronómico, a qual não se encontra em nenhuma das investigações já realizadas no contexto mundial e está relacionada com os eixos de Dietas de Saúde e

Bem-Estar e da Inovação Social. A ideia é que, ao definirem o seu património

gastronómico, junto com a participação ativa das comunidades locais, os destinos possam escolher produtos saudáveis e criar condições sanitárias que mantenham a qualidade do produto e, ao mesmo tempo, não afetem as suas produções tradicionais. É nessa perspectiva que pensamos nesta tese o futuro do turismo gastronómico, o qual vem de encontro às tendências contemporâneas no setor da alimentação. As

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pessoas apresentam cada vez maior conhecimento sobre as propriedades e vantagens dos alimentos e procuram fazer cada vez mais escolhas relacionadas com produtos naturais e saudáveis.