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2.4 Conflitos na Relação e na Gestão do Turismo Cultural e do Património Gastronómico

CAPÍTULO 3 TURISMO GASTRONÓMICO

A gastronomia é um recurso essencial na atividade turística, porque ela constitui uma necessidade básica do homem, dessa forma todo turista precisa alimentar-se(Shenoy, 2005). Contudo, como produto turístico, ela é recente e tem cada vez mais se desenvolvido(Yeoman, I., McMahon-Beattie, Fields, U., Albrecht, J., Meethan, 2015; ZainalZali& Kassim, 2010). De recurso básico, este elemento tornou-se um produto turístico-cultural para muitos destinos(Schlüter, 2003).

De acordo com(Braz & Veiga, 2009, p. 9) “o uso da gastronomia como um ingrediente na exploração turística tem chamado a atenção dos visitantes, pois oferece o acesso ao património cultural, possibilitando conhecer a história, a cultura e o modo de viver de uma comunidade no formato de turismo cultural”.

A valorização da gastronomia como património imaterial, o advento da globalização (que, por um lado, proporcionou o acesso a alimentos de outras culturas, e, por outro lado, ameaçou muitas identidades gastronómicas), as preocupações no contexto mundial ligadas com a sustentabilidade ambiental e cultural, a valorização da cultura popular e da diversidade cultural, impulsionaram o reconhecimento da dimensão cultural da gastronomia, como uma via de acesso rápida e concreta à cultura dos destinos visitados. Nesse contexto, a gastronomia revelou-se como um elemento ideal para atender aos anseios da “nova procura turística”, que busca um encontro com a cultura local de forma mais direta e autêntica possível(López-Guzmán & Jesus, 2011; Unesco, 2003, 2005). Nesse sentido, Richards (2004) justifica ainda que a gastronomia tornou-se uma importante fonte de formação de identidade nas sociedades pós-modernas. Cada vez mais, nós somos aquilo que comemos, não apenas no sentido físico, mas também porque nos identificamos com certos tipos de cozinha que encontramos nas férias (Richards, 2004, in Hjalager e Richards, 2004).

Para a Associação Portuguesa de Turismo de Culinária e Economia - APTECE(2015, p. 10) “a comida assumiu um papel significativo na experiência turística dos destinos, impulsionada pelas tendências crescentes de autenticidade e a necessidade de ter uma experiência de alta qualidade”.

De acordo com Yeoman, I., McMahon-Beattie, Fields, U., Albrecht, J., Meethan(2015) o interesse pela gastronomia no contexto turístico foi impulsionado ainda pela ênfase que os meios de comunicação deram a alguns chefes, que rapidamente viraram celebridades, como, por exemplo, Gordon Ramsay e Jamie Olivier na Inglaterra, Rachael Ray e Mario

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Batali nos Estados Unidos. Para o autor, a cozinha apresentada por estes profissionais contribuiu para enfatizar o conhecimento sobre os produtos e a sua proveniência.

Na perspetiva dos destinos, o turismo gastronómico apresenta-se como um caminho para preservar a alimentação tradicional do local e, nesse contexto, contribuir para potencializar o desenvolvimento de toda a cadeia que envolve o setor da alimentação, direta e indiretamente ligado ao turismo. Por isso esse segmento tem-se revelado como uma peça-chave para o posicionamento dos alimentos regionais(Montecinos, 2012a; Vázquez de la Torre & Gutiérrez Agudo, 2010).

O usufruto da gastronomia no turismo pode se desenvolver em duas perspetivas diferentes: como um atrativo-chave (turismo gastronómico) ou como um produto complementar a outros segmentos, que vem agregar valor à oferta que já está consolidada(Bertella, 2011; Andrew Jones & Jenkins, 2002; Steinmetz, 2010; J Westering, 1999).

Na academia, o turismo gastronómico passou a ser valorizado cientificamente após a realização do congresso internacional “Local Food and Tourism” (Chipre-2000), pela Organização Mundial do Turismo. Deste evento emergiram densas reflexões acerca da relação entre estas duas áreas, e da importância dessa atividade como uma ferramenta de planeamento e desenvolvimento local dos destinos. Nesse sentido, abriu-se um caminho para que fossem propostas várias conceptualizações sobre o densenvolvimento dessa atividade (López-Guzmán y Margarida-Jesus, 2011).

Ao longo dos anos, o segmento gastronómico foi assumindo, no contexto mundial, diversas denominações, que vão variar de acordo com a geografia e preferência de alguns autores. Dentre as principais, destacam-se: Culinary Tourism (Estados Unidos e Canadá), Food Tourism ( Inglaterra/África do Sul e Austrália) e Gastronomic Tourism

(Europa). Estas diferentes terminologias enfatizam noções similares: a participação de

turistas em atividades relacionadas com a alimentação, tendo em conta que a gastronomia é, nesse segmento, a principal motivação da viagem (Shenoy, 2005). Exceptuando esse fator, as variações encontradas nas definições apresentadas abaixo, na tabela 2, são fruto da área de estudo que cada um dos autores quer destacar em sua investigação.

Tabela 2 - Definições do Turismo Gastronómico

Autor/ Ano Conceito

M. Long (1998)

Culinary Tourism – consiste numa participação intencional e exploratória das

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preparação e apresentação de um determinado alimento, de uma cozinha, de um sistema de refeições, ou de um estilo alimentar, considerados como pertencentes a um sistema gastronómico que não lhe é próprio.

Hall e Mitchell (2001)

Food Tourism - Uma visita primária ou secundária aos produtores de alimentos,

festivais gastronómicos, restaurantes e locais específicos em que a degustação de iguarias e/ou a experiência da especialidade gastronómica característica da região surgem como o fator de motivação primário para viajar.

Canadian Tourism Comission - CTC

(2003)

Culinary Tourism - Vai muito além da experiência de comer fora. Esta

designação inclui uma variedade de atividades de culinária e de atividades agroturísticas e agroalimentares, desenvolvidas expressamente para turistas, com o objetivo de apresentar a gastronomia e de proporcionar aos visitantes uma oportunidade para descobrirem pratos típicos de cada região, enquanto aprendem sobre o talento e a criatividade dos artesãos.

Wolf (2006)

Gastronomic tourism - Uma oportunidade para ter experiências memoráveis

com alimentos e bebidas, os quais contribuem significativamente para o comportamento e motivação da viagem.

Smith a Xiao (2008)

Culinary Tourism - Qualquer experiência turística na qual se aprende acerca de

apreciar ou consumir recursos gastronómicos locais. Bertella

(2011)

Food Tourism - Refere-se a uma forma de turismo em que a comida é um dos fatores de motivação para viajar.

Word Food Travel Association-ICTA

(2012)

Food Tourism - A busca e a possibilidade de desfrutar de experiências únicas e

memoráveis com a comida e a bebida, sejam elas próximas ou distantes.

OMT (2012)

Gastronomic tourism – O turismo gastronómico aplica-se a turistas e visitantes

que planeiam as suas viagens parcial ou totalmente para experimentarem a culinária do local ou levar a cabo atividades relacionadas com a gastronomia. Fonte: Elaboração Própria

A partir dos dados apresentados na tabela 2, pode-se identificar que as conceptualizações acerca do turismo gastronómico foram se aprofundando com o passar dos anos. Inicialmente, a proposta da americana Lucy Long destaca a perspetiva cultural do desenvolvimento desta atividade, o contato com a cultura do outro através do consumo e da preparação de alimentos locais. Ressalve-se que neste mesmo período despontava a valorização da gastronomia como património imaterial dos povos, tanto pela Unesco, como pela academia(Long, 1998).

As primeiras definições do início do século XXI(CTC, 2003; Hall & Mitchell, 2001), alargaram a perspetiva cultural e deram ênfase às atividades que podem ser realizadas nesse segmento turístico. A partir dessas conceptualizações, pode-se perceber também

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que existe uma dimensão económica intrínseca às atividades que se realizam no turismo gastronómico, pois este segmento está relacionado com atividades de produção e comércio da gastronomia local. Na ótica de Hall & Mitchell(2001) estas atividades apresentam-se como motivação primária para os turistas.

A dimensão cultural do turismo gastronómico revela sua continuidade em algumas das definições mais recentes, especialmente quando os autores enfatizam que esta atividade deve ser desenvolvida a partir da gastronomia local (OMT,2012; Smith & Xiao, 2008). Na perspetiva de Smith & Xiao (2008), emerge também uma dimensão de aprendizado, ou seja, as pessoas viajam para aprender a apreciar e consumir produtos típicos do local.

Diferente da conceptualização apresentada por Hall & Mitchell (2001) a qual enfatiza a gastronomia como uma motivação primária para o deslocamento dos turistas, as definições de Bertella (2011), ICTA (2012) e da OMT (2012) assumem que a alimentação pode ser também uma motivação secundária, especialmente quando referem que a “comida é um dos fatores de motivação para viajar”,“…experiências únicas e memoráveis com a comida e a bebida, sejam elas próximas ou distantes”, e “…turistas e visitantes que planeiam suas viagens parcial ou totalmente para experimentarem a culinária do local…”. Nesse sentido,os autores permitem pensar estes conceitos de uma forma mais abrangente, podendo ser associado a outros segmentos turísticos.

A World Food Travel Association -ICTA (2012) destaca outro fator que diverge das restantes definições pelo lado da procura. Ao referir que as experiências com o turismo gastronómico podem ser próximas ou distantes, a associação inclui neste conceito a possibilidade de desenvolver esta atividade desfrutando de experiências pelo nosso próprio país, região, bairro etc. Deste modo, a WFTA procura incluir nesta definição turistas e comunidade local, porque para ela o fator que determina a experiência não é somente a viagem. Esta definição inclui ainda o caso dos restaurantes étnicos que permitem aos clientes fazerem uma “viagem através dos alimentos”, pelos costumes de outras culturas, sem necessariamente terem que se deslocar para fora do seu ambiente3. De um modo geral, as definições apresentadas no quadro 2, ao longo destes anos, em que a gastronomia emergiu como um forte produto turístico, foram mais desenvolvidas no âmbito da procura turística, ou seja, são construídas a partir das motivações dos turistas. Pelo lado da oferta, encontra-se apenas a proposta apresentada pela Canadian Tourism

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Comission, na qual o turismo gastronómico é analisado como uma atividade que envolve

diversas experiências com a alimentação local.

Em análise a este quadro conceptual, não encontramos homogeneidade nas definições. De um lado, alguns autores enfatizam a dimensão cultural e destacam o usufruto do território local para a realização do turismo gastronómico. Por outro lado, focam-se em descrever os tipos de experiências que se realizam e o atores envolvidos nesta atividade, como, por exemplo, produtores e artesãos locais.

Com efeito, o turismo gastronómico não é formado apenas por uma destas perspetivas, mas é um misto de todas elas e de outras dimensões que até hoje não foram ressaltadas pela academia. Desta forma, consideramos para a proposta desta investigação a necessidade de se criar um conceito mais abrangente, o qual permita integrar as dimensões destacadas pelos autores, e outros aspetos que consideramos relevantes. Neste contexto, procuramos aprofundar a relação que se desenvolve entre o turismo e a gastronomia, para que possamos fazer a proposta de uma definição mais concisa e coerente possível com os objetivos desta investigação.

De acordo com os objetivos definidos nesta tese, os quais propõem analisar esta atividade de um ponto de vista mais abrangente, e reconhecendo a relevância económica e social que o desenvolvimento do turismo gastronómico pode implicar nos destinos, optamos por criar um conceito operacional para efeitos desta tese.

Desse modo, o turismo gastronómico será conceptualizado e refletido nesse estudo como,

um conjunto de atividades turísticas desenvolvidas com a gastronomia, com o objetivo de promover o consumo de alimentos típicos (pratos e bebidas), e a interação e conhecimento dos visitantes de modo a preservar e afirmar a cultura da comunidade local, bem como estimular o desenvolvimento social e económico dos destinos, através da realização de experiências agroalimentares, restaurantes, festivais, rotas etc”. Neste contexto, o turismo gastronómico compreende um sistema holístico onde interagem fatores relacionados com a preservação e o enaltecimento da cultura local, e uma economia que lhe está associada numa rede integrada onde interagem produtores, fornecedores, consumidores (turistas e comunidade local), e uma estrutura de governança (política e privada)”.

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