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4.2 As Rotas Turístico-Culturais e Gastronómicas

Como produto turístico-cultural, as rotas gastronómicas passaram a desenvolver-se potencialmente no início do século XXI, em comunhão com o interesse pela gastronomia como um elemento revelador de identidades e, em consequência das preferências dos “novos turistas”, relacionadas com o desejo em conhecer e interagir com a cultura local.

Assim, as rotas emergiram como um produto “ideal”, por permitir aos destinos promoverem a interação direta entre turistas e comunidade local a partir de

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experiências e atividades relacionadas com a gastronomia tradicional (produtos – alimentos e bebidas ou pratos típicos) (Briedenhann & Wickens, 2004; López-Guzmán & Jesus, 2011). É neste que estas rotas “podem constituir uma forma de mostrar os valores culturais de determinadas localidades, tendo como eixo os pratos típicos da região”(Gabriela Fagliari, 2005, p. 66).

Por estarem caracterizadas na produção local, bem como na cultura da comunidade anfitriã, as rotas gastronómicas apresentam-se comumente como um produto do turismo cultural(Zainal et al., 2010).

As rotas gastronómicas emergiram como uma estratégia para resolver as dificuldades de comercialização dos produtos alimentícios regionais (porque são um instrumento de promoção e consumo desses alimentos), bem como para promover o desenvolvimento local e sustentável, especialmente das zonas rurais (Briedenhann & Wickens, 2004; Gabriela Fagliari, 2005; López-Guzmán & Jesus, 2011).

Tradicionalmente, esse tipo de rotas é desenvolvido em zonas rurais, porque muitas das experiências ofertadas estão relacionadas com atividades agrícolas e agropecuárias, cite-se como exemplo as rotas do vinho em Portugal, nas quais é possível participar do processo de vindima e da produção desta bebida. Com efeito, encontram-se também rotas no contexto urbano, onde as experiências são ofertadas através de visitas a mercados, a restaurantes, bodegas etc.(Martins, Gurgel, e Martins, 2016).

Assim como outros produtos gastronómicos, as rotas são construídas com base em especialidades distintas dos locais, de modo a atrair turistas para conhecer e saborear algo singular. Na ótica de Zainal et al.(2010) uma experiência com uma comida nova e tentadora pode ser considerada uma atividade agradável para atrair e satisfazer os turistas. Nesse sentido, Boyne,Hall & Williams, 2003 destacam que oferecer serviços únicos como uma cozinha local pode ser um ponto forte de diferenciação.

As funções das rotas gastronómicas são variadas e estão de acordo com os objetivos que cada destino deseja alcançar com a sua construção. Elas podem incentivar o consumo de determinado produto e consequentemente aumentar o desenvolvimento da sua área rural e desenvolver produtos locais distintos dos industriais. Através da interação de atrativos as rotas gastronómicas podem ainda contribuir para a valorização de outros produto locais (paisagem, património material, religião, música), promover uma região turística, divulgar a cultura regional, desenvolver a economia local, dentre muitas outras funções(Araújo, 2005; M. A. Corigliano & Baggio, 2002; G Fagliari & Masano, 2003).

De acordo com Fagliari (2005, p. 70) para além desses fatores, as rotas gastronómicas podem contribuir para uma maior permanência do turista no destino,

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pois em geral compõem-se de diversos atrativos e equipamentos de oferta técnica, sobretudo meios de hospedagem. Esse tipo de atrativo ainda incentiva o consumo e a compra de produtos tradicionais do local. Para a autora, as rotas são uma das formas mais eficientes de promover o segmento gastronómico e atrair público para esse tipo de turismo. São produtos mais bem estabelecidos e organizados do que diversos outros atrativos gastronómicos. Além disso, o fato de haver diversos atrativos juntos dá a eles maior visibilidade do que se estiverem separados.

As rotas gastronómicas são criadas com base em um elemento-chave, com forte relação com a identidade gastronómica do local (Araújo et al, 2005). Este elemento pode ser um tema que conecte diversas experiências com a gastronomia (Mountain

Gastronomy Bicycle Route – Canadá, Ruta Gastronómica-The Cradle of History Romanticism -México), um prato típico (mussel route, rota da lampreia) ou um

produto característico do destino (Ruta de la Leche – Argentina), (Barrera, 2003;

Gabriela Fagliari, 2005; Montecinos, 2012b; Schlüter, 2003; Vázquez de la Torre & Gutiérrez Agudo, 2010).

De acordo com Fagliari & Masano (2003) a identidade da rota é o ponto de partida para sua boa organização e funcionamento. Para definir o produto que identificará uma rota, é necessário levar em consideração a receita que cada produto na região alcança, a superfície que cobre e os postos de trabalho que gera. A escolha de um alimento como elemento principal da rota não exclui que este seja vinculado a outras cadeias produtoras, contando que elas estejam relacionadas com a produção de géneros tradicionais. Há rotas gastronómicas que têm como fio condutor pratos de cozinha tradicional, cujo elemento mais importante é a preparação e apresentação dos alimentos.

Na literatura das rotas gastronómicas, encontram-se alguns conceitos que revelam o modo como a academia compreende o desenvolvimento deste produto turístico. A Tabela 9 apresenta as definições mais difundidas na área.

Tabela 8 - Definições de Rotas Gastronómicas

Autor/Data Conceito

Barrera (2003)

“as rotas gastronómicas permitem reconhecer e desfrutar de forma organizada o processo produtivo, agropecuário, industrial e a degustação da cozinha regional que é considerada uma expressão da identidade cultural nacional”.

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Fagliari (2005)

“as rotas gastronómicas constituem-se em itinerários que englobam diversos atrativos e são desenvolvidos e promovidos a partir da parceria entre órgãos públicos, associações, proprietários de atrativos e produtores, entre outros”.

Lindner (2007) (artigo Thais e

Becker)

“as rotas gastronómicas constituem a combinação da gastronomia local, articulada com atrativos ambientais, históricos e culturais de um ou mais destinos.

Schlüter e Thiel (2008)

“um itinerário que permite conhecer e apreciar de forma organizada o processo produtivo, agropecuário, industrial e a degustação da cozinha regional, considerada uma expressão de identidade cultural nacional. São integrados nas rotas produtores que recebem turistas em seus estabelecimentos e lhes oferecem serviços de alimentação e restaurantes regionais que privilegiam em seus menus pratos tradicionais com base na produção primária local e agroindústrias da zona. Se organizam em torno de um produto-chave, ou, em alguns casos, em torno de um gama de produtos que caracteriza a rota, lhe dá identidade e o itinerário é desenvolvido sobre a rede viária”.

Montecinos (2012)

“as rotas gastronómicas são itinerários com origem, dimensão territorial e configuração estrutural específica, que integram produtos, destinos, atrações, serviços e atividades fundamentadas na produção, preservação, salvaguarda, consumo, uso, gozo, disfrute de maneira saudável e sustentável do património gastronómico mundial, cultural, natural, imaterial, e tudo o que diz respeito ao sistema alimentar da humanidade”.

Fonte: Elaboração própria

As definições acerca das rotas gastronómicas apresentadas na tabela 9 revelam que a articulação entre diversos atores direta e indiretamente relacionados com o turismo e a alimentação dos destinos é um elemento essencial para o desenvolvimento deste produto. Outro fator que sobressai nesses conceitos refere-se à produção local. Para os autores as rotas gastronómicas estão diretamente ligadas ao território, ou seja, ao uso de produtos locais. E por isso elas possuem um forte caratér cultural, inclusive sendo destacadas como um elemento de preservação e salvaguarda do património gastronómico e das identidades culturais(Barrera, 2003; Montecinos, 2012b)

Contudo, de acordo com a ênfase que cada um destes estudiosos definiu para a sua investigação, foram apontados aspetos mais específicos da construção de rotas gastronómicas, como a sua construção sobre uma rede viária destacada por Schlüter & Thiel, (2008), e as preocupações relacionadas com questões de sustentabilidade e preservação do património gastronómico destacadas por Montecinos (2012b)..

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Na perspetiva dessa tese, em que nos porpomos a criar um modelo de rota gastronómica que contribua para a valorização do património cultural e gastronómico, bem como para o desenvolvimento local dos destinos, consideramos que estas definições, de acordo com os objetivos do nosso estudo, são limitadas.

Neste contexto, e com base no conceito de rotas turísticas proposto na primeira secção deste capítulo, definimos como rotas gastronómicas no âmbito desta tese : “a

integração de um conjunto de atividades e atrações relacionadas com a gastronomia local e o património cultural, infraestrutura e serviços (direta ou indiretamente ligados ao setor do turismo), baseado num tema, prato, cozinha ou produto específico, que se realiza através de um percurso organizado a partir dos objetivos que se deseja alcançar. Essa dinâmica articula uma rede de cooperação entre os diversos participantes da rota, a qual contribui para a promoção do local, a preservação e sustentabilidade do património cultural e gastronómico, bem como para o desenvolvimento local dos destinos”.

Essa definição operacional permite englobar aspectos que consideramos determinantes neste trabalho, os quais estão relacionados com a preservação da cultura local através dos alimentos, e destacar o contributo que as rotas gastronómicas podem trazer para o desenvolvimento dos destinos em suas diversas esferas (por exemplo, económica e sociocultural).