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Capítulo 3 Práticas do professor

3.1 A importância de estudar as práticas do professor

Há mais de duzentos anos que o professor tem constituído o objeto de vários estudos. Aceder ao que o professor sabe, estudá-lo, analisá-lo e avaliar a sua performance tem sido uma preocupação mais evidente do que em muitas outras profissões (Hill, Sleep,

Lewis & Ball, 2007). É a partir dos anos 80, a nível internacional, e nos anos 90, em Portugal, que a investigação em Educação Matemática começa a incluir um número significativo de estudos sobre o professor. Grande parte destes estudos centra-se no seu conhecimento profissional e são inspirados pelos trabalhos realizados por Elbaz (1983), Schön (1983) e Shulman (1986) (Ponte & Chapman, 2006).

Elbaz (1983) e Schön (1983) apresentam perspetivas semelhantes acerca da natureza do conhecimento do professor, considerando que este é essencialmente prático (Carter, 1990). Esta ideia orientou inúmeros estudos que se centraram no conhecimento do professor necessário para ensinar, no modo como o usa, no conhecimento que tem das situações de sala de aula e dos dilemas com que é confrontado na prática. Apesar de estes autores partilharem a ideia de que o conhecimento do professor é um conhecimento prático, apresentam perspetivas diferentes sobre a forma como esse conhecimento é produzido e como evolui. Para Elbaz (1983) o conhecimento que o professor já possui é orientado para a situação prática como resposta às questões com que este se depara na sala de aula, na escola ou no grupo disciplinar. Esse conhecimento é organizado pelo professor de acordo com o significado que dá às suas experiências, é influenciado pelos constrangimentos sociais e depende da forma como o professor integra a teoria e a prática. O conhecimento prático é apoiado pelo conhecimento que o professor tem de si próprio, do meio onde ensina, dos tópicos de ensino, do desenvolvimento curricular e do ensino (Elbaz, 1983). Na perspetiva de Schön (1983), o conhecimento de qualquer profissional está implícito na sua ação, não havendo uma separação entre a teoria e a prática. É um conhecimento dinâmico, porque resulta de reformulações da própria ação e é tácito, sendo por isso difícil o professor falar dele. Segundo este autor, o conhecimento do professor desenvolve-se a partir dos processos de reflexão na ação e sobre a ação, que lhe permitem resolver problemas na prática como, por exemplo, lidar com situações de incerteza, instabilidade e conflito.

Salientando a importância de compreender o conhecimento que orienta as ações do professor, Chapman (2004) considera fundamental estudar o que designa por conhecimento prático do professor. Este conhecimento relaciona-se com as opções tomadas pelos professores para ensinar e, quanto à sua natureza, é um conhecimento

“experiencial, processual, situacional, particularístico e implícito” (Chapman, 2004, p. 192). É através deste conhecimento que, diariamente, “o professor se adapta às situações da sala de aula, ou molda as situações da sala de aula ou faz a seleção quando várias opções estão disponíveis” (Chapman, 2004, p. 193).

Muitos dos estudos acerca do professor centram-se no conhecimento pedagógico do conteúdo (pedagogical content knowledge), uma das categorias do conhecimento profissional do professor indicadas por Shulman (1999), que corresponde a uma combinação de conhecimentos de pedagogia e dos conteúdos e consiste na compreensão do modo como os tópicos, problemas ou questões são organizadas, representadas e adaptadas aos diferentes interesses e capacidades dos alunos. Este autor refere que o conhecimento do professor inclui, ainda, as seguintes categorias: o conhecimento dos conteúdos, o conhecimento pedagógico geral (general pedagogical knowledge), o conhecimento do currículo, o conhecimento dos alunos e das suas características; o conhecimento dos contextos educacionais e o conhecimento dos fins, propósitos e valores educacionais. Apesar de considerar que todas as categorias são importantes para caracterizar o conhecimento profissional do professor, Shulman (1999) afirma que o estudo do conhecimento pedagógico do conteúdo assume especial interesse, por estar diretamente relacionado com o ato de ensinar determinado tópico de ensino.

Ao longo das últimas duas décadas, a designação ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ tem sido usado com significados diferentes por diversos autores e nem sempre tem sido estudado partindo da observação das práticas de ensino do professor. Ball, Thames e Phelps (2008) referem que, efetivamente, alguns autores usam este termo para se referir a um conjunto de aspetos relacionados com o conhecimento dos tópicos (subject matter knowledge) e com aspetos de ensino desses tópicos. Outros utilizam esta designação sem a relacionar com a área de conteúdo específica, fazendo observações gerais acerca do conhecimento do professor. Ball et al. (2008) referem ainda que, ao contrário de Shulman que desenvolveu o seu trabalho a partir da observação do professor na sala de aula, surgiram alguns estudos que analisaram o conhecimento pedagógico do conteúdo fora do contexto da prática do professor. Para estes autores é imprescindível observar o professor na sala de aula e o fundamental é tentar compreender o que é que os professores precisam

de saber e de ser capazes de fazer para ensinarem Matemática, ou seja, como se caracteriza o seu conhecimento para ensinar Matemática.

Em Portugal, tal como a nível internacional, numa primeira fase, os estudos realizados sobre o professor focaram-se na identificação e na compreensão do conhecimento profissional do professor e tiveram também como referência as perspetivas de Elbaz, Schön e Shulman (Ponte, 2008a). Alguns destes estudos centraram-se no conhecimento didático, entendido “como algo próximo, mas qualitativamente distinto do pedagogical content knowledge de Shulman” (idem, p. 6). Este conhecimento “assume um carácter indissociavelmente ligado à prática profissional e daí a recusa em encará-lo como conhecimento declarativo ou formal, como por vezes acontece nas investigações de outros países” (idem, p. 6).

Efetivamente, é nas atividades que o professor desenvolve na sala de aula e para preparar o trabalho que realiza com os seus alunos (prática letiva), que sobressaem aspetos importantes do conhecimento do professor (Ponte, 2012). Num artigo em que analisa a investigação realizada em Portugal acerca do professor e dos estudos que realizou nesta área, Ponte (2012) mostra como a prática foi assumindo uma importância crescente na investigação sobre o professor no nosso país. Neste artigo, propõe um novo modelo de análise do conhecimento didático do professor, constituído por quatro vertentes interligadas (o conhecimento da Matemática, o conhecimento dos alunos e da aprendizagem, o conhecimento do currículo e o conhecimento da prática letiva). Este modelo assume como núcleo central o conhecimento da prática letiva, considerando que é através deste conhecimento que “se fazem as opções fundamentais que orientam a prática e se regula todo o processo de ensino” (p. 88).