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A investigação sobre o sentido de número dos alunos

Capítulo 2 Sentido de número

2.3 A investigação sobre o sentido de número dos alunos

O sentido de número tem constituído o objeto de estudo de diversas investigações em diferentes níveis de ensino. O reconhecimento da importância das experiências e vivências das crianças no modo como lidam com os números, aliado ao forte interesse de profissionais da área da psicologia cognitiva pela temática do sentido de número, faz do pré-escolar um contexto muito escolhido para a realização de estudos nesta temática (Berch, 2005). Dadas as características do projeto colaborativo desenvolvido no âmbito deste estudo e as inúmeras investigações realizadas sobre esta temática, optei por focar-me apenas nas que foram realizadas com alunos.

Algumas dessas investigações centram-se no diagnóstico do sentido de número dos alunos (Beswick, Muir & McIntosh, 2004; Hsu, Yang & Li, 2001; Reys & Yang, 1998; Zangali & Ghazali, 1999; Yang, 2005; Yang et al., 2008a; Yang & Reys, 2002), visando, por vezes, também, testar modelos de componentes do sentido de número usados nesse diagnóstico (Hsu et al., 2001; Yang et al., 2008a; Yang, 2005) ou instrumentos que permitem avaliá-lo (Beswick et al., 2004). Outros estudos têm como propósito principal caracterizar e analisar o sentido de número dos alunos no âmbito de experiências de ensino ou de programas intencionalmente pensados para promover o seu uso e o seu desenvolvimento (Ferreira 2012; Markovits & Sowder, 1994; Mendes, 2012; Yang, 2003a).

Integrado no primeiro conjunto de estudos, Zangali & Ghazali (1999) analisaram o sentido de número de 406 alunos que terminaram o 1.º ciclo em escolas da Malásia. Tendo como referência as componentes do sentido de número apresentadas por McIntosh et al. (1992), este estudo conclui que, em geral, os alunos mostram facilidade em efetuar os

cálculos através do algoritmo (convencional), mas revelam dificuldades em compreender conceitos básicos relacionados com os números. Em particular, salienta uma fraca compreensão dos alunos sobre o efeito das operações nos números e das suas múltiplas representações.

Interessada em analisar as competências numéricas de alunos do 4.º ao 7.º ano de escolaridade, Menon (2004) realizou um teste a 750 alunos que frequentavam estes anos de escolaridade, dos quais cerca de 80% tinham obtido classificação máxima no exame em Matemática realizado no final do ano anterior. A 64 dos 750 alunos foram efetuadas entrevistas clínicas, com o intuito de aceder às suas explicações sobre as estratégias utilizadas. A análise dos dados deste estudo reforça a ideia que alunos com boas capacidades de realizar cálculos usando algoritmos (convencionais) nem sempre apresentam um bom pensamento intuitivo acerca dos números, ou seja, um bom sentido de número. Mostra, também, um decréscimo do recurso a procedimentos de estimativa, e portanto da tendência de mobilizar aspetos do sentido de número em prol do uso de procedimentos algorítmicos (algoritmos convencionais), à medida que aumenta o ano de escolaridade dos alunos.

Na sequência de uma investigação realizada por Reys e Yang (1998), que pretendeu avaliar o sentido de número de alunos de escolas Tailandesas do 6.º e 8.º anos de escolaridade, o segundo autor realizou um outro estudo com objetivos semelhantes, envolvendo alunos do 6.º ano de escolaridade de quatro escolas do mesmo país (Yang, 2005). Para além de identificarem um fraco sentido de número dos alunos, os dois estudos concluem que os que apresentam elevadas competências de cálculo escrito (algoritmo convencional), não correspondem necessariamente aqueles que, na resolução de problemas numéricos, usam estratégias que evidenciem sentido de número. O estudo de Yang (2005), que se focou na análise de estratégias de estimação, refere que os alunos tendem a usar procedimentos mecânicos de cálculo a que não conseguem ‘dar sentido’. Na perspetiva deste autor, esta tendência dos alunos limita e inibe outras formas de raciocínio e pensamento, nomeadamente as que envolvem aspetos do sentido de número e que se mostram fundamentais no desenvolvimento da capacidade de estimação.

O estudo de Yang et al. (2008a) é um exemplo de um estudo que, para além de ter como objetivo analisar o sentido de número dos alunos, visa simultaneamente, testar o modelo usado para a sua identificação. Estes autores partiram das seguintes componentes de análise do sentido de número usadas num estudo anteriormente realizado na Tailândia que envolveu alunos do 6.º ano de escolaridade (Hsu et al., 2001): (i) a compreensão do significado dos números e das operações, (ii) o reconhecimento da grandeza dos números, (iii) o reconhecimento dos efeitos das operações nos números e (iv) desenvolvimento de diferentes estratégias apropriadas e avaliação da razoabilidade dos resultados. O estudo de 2008, que envolveu 808 alunos tailandeses do 3.º ano de escolaridade, revela a presença destas quatro componentes nas estratégias usadas pelos alunos, salienta a dominância da componente ‘compreensão do significado dos números e das operações’ e sugere a importância da composição e decomposição dos números neste ano de escolaridade. Ao observarem a não total consonância com os resultados do estudo de 2001, que afirma existir dominância da componente reconhecimento da grandeza dos números, Yang et al. (2008a) sugerem que o domínio de uma determinada componente do sentido de número está associado aos conteúdos que são lecionados nos diferentes anos de escolaridade. Assim, uma vez que, na Tailândia, entre o 1.º e o 3.º ano de escolaridade, os alunos trabalham aspetos relacionados com a composição e decomposição de números, consideram que um modelo de análise do sentido de número do 1.º ciclo deve incluir este aspeto como componente.

Analogamente, com o duplo objetivo de analisar o sentido de número dos alunos e testar um instrumento que permita efetuar essa análise, Beswick et al. (2004) partiram de um teste já existente, inicialmente aplicado na Malásia e organizado em quatro módulos, que permite analisar aspetos relacionados com: (i) a contagem, (ii) o valor de posição, (iii) as operações adição e a subtração e (iv) as operações multiplicação e divisão. Centrando-se unicamente na contagem, este estudo visou a adaptação deste módulo a alunos do 1.º ao 3.º anos de escolaridade que frequentam escolas Australianas. Conclui-se que, considerando este contexto, este instrumento mostra-se adequado para analisar os aspetos do sentido de número relacionados com a contagem e aponta vantagens da sua utilização para o professor. Concretamente, realça a facilidade da sua utilização por parte do professor para

recolher informação acerca do modo como os alunos pensam, permitindo-lhe focar-se em aspetos do sentido de número.

Do segundo conjunto de estudos referidos no início deste ponto, incluem-se os que analisam o sentido de número dos alunos tendo por base programas e experiências orientadas para o seu uso e desenvolvimento. Alguns deles recorreram à comparação entre turmas experimentais, em que é realizado um ensino orientado para o desenvolvimento do sentido de número, e turmas de controlo, onde se segue uma abordagem tradicional de ensino dos números e das operações, na aceção em que se valoriza o treino e o uso dos algoritmos (convencionais). Um dos estudos com estas características foi realizado por Yang (2003a) que analisou as estratégias usadas por alunos do 5.º ano de escolaridade na resolução de problemas numéricos, com o intuito de compreender se estes usam, ou não, o sentido de número quando resolvem esses problemas, e, como o usam. Os resultados revelam que a turma experimental recorre com maior frequência e facilidade a aspetos do sentido de número para resolver os problemas propostos, o que permite salientar a importância das características das atividades realizadas na sala de aula no desenvolvimento do sentido de número dos alunos.

Outro dos estudos que se insere neste conjunto foi realizado por Markovits e Sowder (1994) numa turma do 7.º ano de escolaridade, cujo propósito foi analisar os efeitos de um ensino dos números e das operações centrado no cálculo mental e na estimação, que valoriza “a exploração dos números, as relações entre números e as operações, a descoberta de regras e a invenção de algoritmos” (p. 1). Entrevistas realizadas antes e após as aulas e passados alguns meses, revelaram que os alunos desenvolveram a tendência de recorrer a aspetos do sentido de número nas suas estratégias de resolução dos problemas propostos. Para além de chamarem a atenção de que este desenvolvimento foi progressivo, estas autoras consideram que não houve propriamente um aumento significativo do conhecimento acerca dos conceitos envolvidos, mas sim, que os conhecimentos existentes começaram a ser usados de forma diferente, afirmando que “noções intuitivas acerca dos números foram chamadas à superfície e novas conexões foram construídas” (p. 23). Estes resultados conduzem a uma reflexão destas autoras acerca do que é o sentido de número e como é que este se desenvolve, levando-as a

reafirmar a perspetiva da segunda autora deste estudo que considera que o sentido de número deve ser encarado como uma rede concetual bem organizada de informação acerca dos números, que nos habilita a estabelecer relações entre números e operações para resolver problemas de uma forma flexível e criativa (Sowder, 1989).

Ferreira (2012) realizou uma experiência de ensino no 2.º ano de escolaridade, assente na proposta de tarefas que visam o desenvolvimento do sentido de número dos alunos e num ambiente de sala de aula propício à discussão das resoluções dos alunos. Os resultados do estudo indicam que houve uma evolução das estratégias e procedimentos usados pelos alunos na resolução de problemas numéricos e que “a componente que mais contribuiu para o surgimento de diferentes estratégias e procedimentos foi a compreensão do significado dos números e operações, uma vez que é a partir desta compreensão que os alunos apresentam uma maior flexibilidade e eficiência nos seus cálculos” (p. 509).

O estudo realizado por Mendes (2012), enquadrado por uma experiência de ensino realizada numa turma do 3.º ano de escolaridade, para além de outros objetivos, visa analisar os aspetos do sentido de número revelados pelos alunos na resolução de tarefas de multiplicação. Recorrendo às componentes do sentido de número apresentadas por McIntosh et al. (1992), esta autora conclui que os alunos aprofundaram e desenvolveram os conhecimentos e as destrezas com os números naturais, progrediram e aprofundaram o seu conhecimento e destreza com a operação multiplicação envolvendo estes números e que a aplicação destes conhecimentos e destrezas foi progredindo ao longo da experiência de ensino. Referindo-se a estes resultados, afirma que “as características da experiência de ensino e, em particular, a construção de uma certa cultura de inquirição parecem ter contribuído para desenvolver o sentido de número dos alunos” (Mendes, 2012, p. 511).

Os estudos sobre o sentido de número dos alunos acima referidos permitem salientar três ideias fundamentais. Uma primeira tem a ver com a relação entre a performance no cálculo algorítmico e o sentido de número dos alunos. Efetivamente, são vários os estudos que concluem que alunos que recorrem e usam com facilidade estes procedimentos não revelam necessariamente sentido de número (Yang et al., 2008b; Reys & Yang, 1998; Yang, 2005; Beswick et al., 2004; Zangali & Ghazali, 1999). Alguns autores que efetuaram estudos em diversos níveis de escolaridade concluem, ainda, que os

alunos mais novos ao resolverem problemas numéricos tendem a recorrer com maior frequência a aspetos do sentido de número, do que os alunos de anos de escolaridade mais avançados (Beswick et al., 2004; Menon, 2004).

Estes resultados relacionam-se com uma segunda ideia, também salientada por diversos estudos, e que se prende com a relação entre o ensino e o sentido de número. Por exemplo, o estudo de Yang (2005) mostra que um ensino baseado na procura e no uso de regras e procedimentos algorítmicos (algoritmos convencionais) sem compreensão, não contribui para o desenvolvimento do sentido de número dos alunos, constituindo até um elemento inibidor do seu uso e desenvolvimento. Alguns desses estudos sugerem, ainda, que os alunos que estiveram sujeitos a programas e a experiências de ensino que valorizam o sentido de número tiveram ganhos significativos do ponto de vista do seu desenvolvimento e salientam a importância da natureza das atividades e do ambiente de sala de aula para esse desenvolvimento (Ferreira, 2012; Markovits & Sowder, 1994; Mendes, 2012; Yang, 2003a).

Por fim, uma terceira ideia prende-se com as características e o tipo de apostas futuras da investigação nesta área. Alguns estudos analisam o sentido de número dos alunos tendo em conta o seu ano de escolaridade, identificando diferentes aspetos do sentido de número que se mostram mais relevantes de acordo com o ano de escolaridade e os tópicos de ensino (Yang et al., 2008a). Howell e Kemp (2010), salientando a importância deste tipo de estudos, afirmam que uma melhor compreensão destes aspetos será fundamental na seleção/construção de tarefas e na consecução de práticas de sala de aula mais adequadas ao desenvolvimento do sentido de número dos alunos. Estes autores referem ainda que, para se compreender verdadeiramente o seu caráter evolutivo, deverão ser realizados estudos longitudinais, acompanhando os mesmos alunos ao longo de um período alargado de tempo.