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Capítulo 4 O professor, as tarefas e o sentido de número

4.3 A exploração das tarefas na sala de aula

4.3.3 A investigação que relaciona as práticas de sala de aula do professor com o

4.3.4.1 A orquestração de discussões coletivas

O modo como o professor organiza e gere a discussão das tarefas é fundamental para promover a aprendizagem dos alunos, havendo, no entanto, aspetos específicos deste momento de trabalho na sala de aula a que se tem dado pouca atenção (Stein et al., 2008). Stein et al. (2008) consideram que a investigação que se centra no papel do professor na construção de ideias matemáticas por parte dos alunos tem sido focada na exigência cognitiva das tarefas e nas interações que se desenvolvem na fase da sua resolução. Durante o momento de discussão, tem sido valorizado o tipo de questões que são colocadas aos alunos, de modo a promover a explicação e justificação dos seus raciocínios, e o

estabelecimento de normas, que permitam que todos os alunos sintam que os seus contributos são ouvidos e valorizados. Contudo, aspetos específicos do momento de discussão das tarefas como, por exemplo, a ordem pela qual as resoluções dos alunos são apresentadas têm merecido pouca atenção, o que pode revelar uma certa falta de perceção sobre os efeitos que este aspeto pode ter na aprendizagem dos alunos (Stein et al., 2008). Neste ponto discuto o modo como o professor poderá ‘orquestrar’ os momentos de discussão coletiva das tarefas e identifico um conjunto de questões que se colocam ao professor neste momento da aula.

No esquema da Figura 4.5, estão representadas as cinco práticas que, na perspetiva de Stein et al. (2008), podem ajudar os professores a ‘orquestrar’ discussões coletivas produtivas, permitindo-lhes usar as respostas dos alunos para melhorar a compreensão matemática de toda a turma.

Figura 4.5 - Diagrama esquemático das cinco práticas para orquestrar discussões (Stein et al., 2008)

Apesar de ser na sala de aula o momento em que o professor terá de tomar as principais decisões relativas à discussão das tarefas, a sua preparação inicia-se no momento de planificação do trabalho a realizar (Stein et al., 2008). Na preparação da aula é importante que o professor se preocupe em antecipar as resoluções dos alunos de acordo com as exigências cognitivas das tarefas. Antecipar as resoluções dos alunos equivale a pensar nas estratégias que, à partida, poderão ser utilizadas por eles, as corretas ou mesmo as incorretas, tentando inventariar resoluções com graus de sofisticação diferentes (Stein et al., 2008). Como vimos, este é um aspeto considerado fundamental por diversos autores

que analisam as práticas do professor que potenciam o desenvolvimento do sentido de número dos alunos. Salienta-se a sua importância para uma melhor compreensão do modo como os alunos pensam (Simon, 1995; Simon & Tzur, 2004), para lidar com as estratégias dos alunos na sala de aula (Markovits & Sowder, 1994; Ferreira, 2012) e, eventualmente, para avançar com outras estratégias que se mostram mais eficazes na resolução de um determinado problema (Markovits & Sowder, 1994).

No momento de resolução das tarefas, o professor deverá monitorizar o trabalho dos alunos. Aqui, ao professor caberá ir colocando questões que os ajudem a clarificar os seus pensamentos, tornando-os visíveis. O professor tomará contacto com modos diferentes de resolução da tarefa, permitindo-lhe relacioná-los com os que foram antecipadamente previstos e, eventualmente, identificar outros que não tinha inicialmente pensado. O professor poderá, assim, saber quais as estratégias, representações e processos usados pelos alunos e pensar sobre o potencial que a partilha de determinadas resoluções tem para a aprendizagem de todos os alunos (Stein et al., 2008). A monitorização das resoluções dos alunos constitui uma forma de auxiliar o professor na perceção das resoluções que podem e devem ser partilhadas, o que apoiará as suas decisões no momento seguinte – seleção de alguns alunos para apresentar as suas resoluções durante o momento de discussão da tarefa. Esta seleção, para além de ter em conta as estratégias, representações e processos que o professor considere ser importante realçar, deve estar de acordo com os objetivos que o professor delineou para a aula (Stein et al., 2008).

Segue-se o momento de sequenciar as resoluções dos alunos tal como serão apresentadas à turma, o que depende do conhecimento que o professor tem dos seus alunos, das resoluções que surgiram perante a tarefa proposta e dos objetivos de ensino a ela associados. De acordo com estes aspetos, o professor deverá seguir critérios que lhe permitam determinar a sequência adequada da apresentação das tarefas. Alguns critérios possíveis poderão ser, por exemplo, começar por apresentar a estratégia que foi usada pela maior parte dos alunos, apresentar primeiro as resoluções incorretas de modo a esclarecer desde logo mal-entendidos ou optar por sequenciar as resoluções pelo seu nível de estruturação, progressivamente – da mais informal para a mais sofisticada (Stein et al., 2008). A ordem pela qual são sequenciadas as tarefas constitui um aspeto particularmente

importante quando pensamos numa perspetiva de desenvolvimento do sentido de número. Por exemplo, Yang e Hsu (2009) referem que quando a discussão da tarefa se inicia, o professor deve atender ao nível de pensamento matemático associado a cada uma das estratégias utilizadas pelos grupos, principiando a sua apresentação e discussão a partir da estratégia de nível menos elevado para a mais elevado. Definir esta ordem ajuda os alunos a refletir sobre os seus processos de pensamento, eventualmente, através dos seus próprios erros (Yang & Hsu, 2009).

Finalmente, é importante que o professor ajude a turma a estabelecer conexões matemáticas entre as diferentes resoluções apresentadas pelos alunos e, inclusivamente, dentro das mesmas resoluções. Este momento será fundamental para que os alunos relacionem as diferentes representações usadas e estabeleçam conexões entre as ideias matemáticas associadas às resoluções apresentadas (Stein et al., 2008), aspetos que como vimos, são salientados por Ferreira (2012) na promoção do desenvolvimento do sentido de número dos alunos.

Este modelo das cinco práticas de Stein et al. (2008) assenta em quatro ideias fundamentais. A primeira salienta a importância da interligação entre o trabalho que o professor realiza antes da aula (fase de antecipação das resoluções dos alunos) com a exploração da tarefa na sala de aula. A segunda relaciona-se com o modo como está construído o diagrama da Figura 4.5. Este permite realçar a ideia de que cada prática depende das práticas que estão incluídas em cada uma delas, pelo que o seu ‘sucesso’ depende, em grande medida, do modo como o professor consegue desempenhar a anterior. Por exemplo, “a prática de selecionar determinados alunos para apresentarem o seu trabalho irá beneficiar de uma monitorização cuidadosa do conjunto de resoluções que os alunos produziram durante a fase de exploração1” (Stein et al., 2008, p. 322). A terceira prende-se com a perspetiva de ensino subjacente. É um modelo que se situa numa perspetiva de ensino que valoriza o questionamento dos alunos (tanto pelo professor como pelos colegas) e o seu raciocínio (e não simplesmente a correção das suas respostas). A última tem a ver com o facto de estas cinco práticas constituírem, acima de tudo, um

modelo de planificação do momento de discussão das tarefas, construídas a partir do pensamento dos alunos (Smith, Hughes, Engle & Stein, 2009).

Este último aspeto constitui um elemento forte deste modelo e, simultaneamente, um desafio para o professor. Referindo-se, em particular, a tarefas que envolvem o trabalho com os números e as operações, Kraemer (2008) considera que organizar o ensino a partir do modo como os alunos pensam nem sempre é fácil, uma vez que:

Algumas soluções são muito difíceis de interpretar, porque não as esperamos e porque não as olhamos com os mesmos olhos, não pensamos com os mesmos objetos matemáticos e não falamos com as mesmas palavras que o aluno. (p. 21)

Também Lampert (2001) salienta que na orquestração das discussões com toda a turma, o professor é colocado perante desafios, elencando um conjunto de problemas que se prendem com questões sociais, temporais e intelectuais. Investigando a sua própria prática de ensino, esta autora refere que um dos problemas é fazer emergir a Matemática, ao mesmo tempo que tem de dar resposta a um conjunto de aspetos que surgem e/ou que são importantes a ter em conta. Nomeadamente, criar representações visuais das ideias que estão a ser discutidas através de um registo comum dos contributos da turma e decidir quem vai solicitar para responder a uma questão ou apresentar a sua resolução. Em simultâneo, o professor tem de auxiliar alguns alunos em particular, envolver os grupos na atividade matemática, manter a discussão enquanto alguns alunos, espontaneamente, apresentam os seus contributos acerca do que eles consideram ser relevante e monitorizar a discussão tendo em conta o final do período da aula (Lampert, 2001).

Para além da simultaneidade destas situações a que o professor tem de dar resposta, Lampert (2001) refere que um dos aspetos que identifica como problemático prende-se com o modo como o professor poderá iniciar novos ‘segmentos’ de discussão. Para esta autora, a solução passa pelo professor estruturar as interações que estabelece com os alunos. Poderá escolher ele próprio uma questão e quem lhe poderá responder, ou poderá optar por convidar um aluno a fazê-lo. Quando o aluno que foi selecionado responde, surge um novo problema para o professor – “tornar essa resposta um recurso produtivo de ensino e de estudo” (p. 175). Requerer uma explicação a esse aluno, apresentar a sua interpretação acerca do que o aluno acabou de dizer, pedir a outros alunos para darem a sua opinião ou

pedir-lhes para explicarem, constituem decisões que deverá tomar. Independentemente destas decisões, para alimentar a discussão, o professor poderá continuar a pedir a outros alunos para comentarem o pensamento dos seus colegas, refazer as suas explicações de modo a torná-las matematicamente mais precisas e criar representações do discurso dos alunos no quadro (Lampert, 2001).

Lampert (2001) seleciona dois ‘grandes problemas’ com que se deparou na sala de aula – a dificuldade de interagir com todos os alunos que gostaria de ouvir e a dificuldade de, nas discussões coletivas, ser capaz de ‘extrair’ toda a matemática utilizada pelos alunos. O primeiro problema relaciona-se com a preocupação de não poder solicitar todos os alunos para responderem a uma determinada questão. Os que se voluntariam e que não foram solicitados podem ter um sentimento de frustração. Os que nunca se oferecem para responder constituem também uma preocupação, levando-a a interrogar-se acerca dos motivos desta opção. O segundo problema prende-se com a perceção que, nos momentos de discussão, nem sempre consegue apresentar e discutir sobre toda a matemática utilizada pelos alunos durante a realização da tarefa (Lampert, 2001).

Referindo-se em particular a investigações matemáticas, Ponte, Brocardo e Oliveira (2003) mencionam a importância que o momento de discussão assume neste tipo de tarefas:

A fase de discussão é, pois fundamental para que os alunos, por um lado, ganhem um entendimento mais rico do que significa investigar e, por outro, desenvolvam a capacidade de comunicar matematicamente e de refletir sobre o seu trabalho e o seu poder de argumentação. Podemos mesmo afirmar que, sem a discussão final, se corre o risco de perder o sentido da investigação. (p. 41)

Tendo em conta a importância que a discussão assume nas investigações, estes autores referem-se aos papéis que o professor deve assumir e eventuais problemas com que se depara especificamente nestes momentos. Alguns desses papéis são semelhantes aos que devem ser assumidos no momento de discussão de qualquer tarefa, seja ela de investigação, ou não. Estabelecer uma ordem de apresentação do trabalho dos alunos, promover a sua participação de forma equilibrada, ajudá-los os a estabelecer conexões, colocar questões, motivá-los a justificar as suas afirmações, fornecer ou recordar

informação relevante, fazer sínteses e promover a reflexão dos alunos, são aspetos fundamentais nestes momentos (Ponte, Brocardo & Oliveira, 2003).

Tendo em conta as características das tarefas de investigação, espera-se que os alunos formulem questões e que seja frequente a formulação de conjeturas por parte dos alunos, aspeto que o professor deve valorizar mas a que, simultaneamente, tem que dar resposta. É natural que perante tarefas de natureza aberta, o professor não consiga antever todo o tipo de questões que os alunos coloquem, nem tenha eventualmente pensado em algumas conjeturas que os alunos possam fazer (Ponte et al., 2003). Nestas situações o professor terá, também, de raciocinar matematicamente e o modo como o professor o faz poderá constituir um aspeto importante para a aprendizagem dos alunos (Ponte et al., 2003). Por exemplo, quando o professor perante uma conjetura ‘inesperada’, que para ele é pouco clara, pode, em conjunto com os alunos e falando em voz alta, reformular a questão do ponto de vista matemático e testá-la. Contudo, Ponte et al. (2003) referem que um dos problemas com que o professor se pode deparar é a justificação destas conjeturas. De facto, por vezes, conjeturas que aparentemente são simples podem envolver processos de prova complexos a que o professor não consegue dar resposta naquele momento. Nestas situações o professor terá de tomar a decisão de se envolver de imediato neste desafio ou se o fará numa aula posterior.

Um outro problema que sobressai na discussão de tarefas de investigação relaciona- se com o tempo. Em primeiro lugar, há que decidir em que momento da aula se deve iniciar a discussão (Ponte et al., 2003). Apesar do professor estabelecer à partida uma previsão da duração da realização da investigação por parte dos alunos, a imprevisibilidade do que acontece na sala de aula exige que tome decisões quanto ao momento adequado para iniciar a discussão. Para tomar esta decisão, o professor tem de ter em conta o eventual cansaço dos alunos, a vontade de continuarem a investigação e a avaliação do seu progresso na mesma. “Assim, pode decidir, por exemplo, conceder mais tempo à realização da investigação, fazer uma pequena discussão intermediária com toda a turma ou, até mesmo, passar à discussão final” (p. 49). O tempo pode continuar a constituir um problema durante a apresentação e discussão do trabalho dos alunos. Gerir o tempo de apresentação do trabalho dos grupos, garantindo que todos o poderão apresentar e,

simultaneamente, gerir o tempo das eventuais discussões que vão surgindo, exige do professor a tomada de decisões sobre aspetos que eventualmente terá de deixar para discutir na próxima aula, como por exemplo, a exploração mais pormenorizada da justificação de uma conjetura (Ponte et al., 2003).